- Se calhar era melhor não entrarmos… - eu, a Ortencia e a minha mãe afastamo-nos do quarto para podermos falar mais à vontade.
Estávamos os três completamente apanhados de surpresa. A Ania estava dentro do nosso quarto, com a nossa filha nos braços e a remexer na cómoda da roupa. Era um cenário estranho, algo que nunca pensei ver tão cedo.
- A Ortencia sabia? – perguntei.
- Não. Eu falei com ela de tarde e a Ania nunca disse que voltava hoje.
- Será que ela está a querer levar a menina? – a minha mãe fez a pergunta que todos tínhamos na cabeça. A Ania estava a mexer na roupa, porque haveria ela de ir mexer na roupa?
- A minha filha não faria isso...
- Eu também acho que não...mas o que é que ela quererá daquela cómoda? – nenhum de nós saberia responder àquela minha pergunta. Por mais que tentasse encontrar alguma resposta na minha cabeça era impossível.
Ficamos algum tempo a olhar uns para os outros tentando perceber o que haveríamos de fazer. A porta do quarto abriu-se e a Ania saiu do interior do mesmo...tinha trocado de roupa. Ela andava à procura do pijama!
Assim que nos viu esboçou um sorriso...aquele que eu já ansiava ver à semanas! A Ania estava com um sorriso tão bonito, tão único...o dela, aquele que ela faz quando está feliz, quando se ri de orelha a orelha para demonstrar o quão feliz está. Aquela...aquela é a minha Ania.
- Ela adormeceu...não se preocupem – veio na nossa direcção como se fosse uma menina pequena envergonhada. Com os braços cruzados, muito devagar mas sempre com aquele sorriso.
Abraçou a mãe, que chorou nos braços da filha. Abraçou a minha mãe, ouvindo “que bom é ter-te aqui” e percebi que ela ficara com um sorriso ainda mais bonito. Um sorriso de alívio, estava aliviada...talvez por não haver flechas atiradas contra ela a criticarem-na.
Olhou para mim e retribui-lhe o sorriso que ela merecia. Estava feliz, aliviado e entusiasmado por a ter de volta a casa. Mais do que estar a cumprir a promessa que nos fez ao voltar para a nossa vida, ela estava feliz por o estar a fazer.
Ouvi a minha mãe e a Ortencia rirem-se. Tanto eu como a Ania olhamos para elas que nos diziam adeus à medida que iam regressando aos quartos delas.
- Estás com sono? – perguntou-me, ao agarrar-me na mão.
- Não...não – senti o meu corpo arrepiar-se com o toque dela, o meu coração bater mais depressa e uma sensação fria invadir a minha barriga.
- Podíamos descer e ficar na sala a falar?
- Claro – ela começou a andar, levando-me atrás dela. Estar completamente vidrado nela é pouco...eu acho que estou hipnotizado neste momento.
Acendi a luz do candeeiro pequeno da sala para não ficarmos às escuras. A Ania sentou-se no sofá e eu fiz o mesmo. Assim que fiquei ao lado dela a Ania agarrou-me na mão esquerda, mexendo no meu anel.
- Isto pode estar a ser estranho para ti...para mim é um bocadinho – ainda bem que foi ela a começar a falar. A Ania mudou imenso desde que a conheci. Ela tinha aqueles problemas em expressar-se mas agora não.
- Não é estranho, Cinderela. É surpreendente, isso sim.
- Não me esperavas tão cedo?
- Acho que não...passaram dois meses e eu sempre pensei que fosses demorar mais a voltar.
- Fiz terapia duas vezes por semana, escrevi imensas cartas para mim mesma e percebi, com o meu psicólogo, que o resto da minha recuperação tinha de ser feita aqui. Contigo, com as nossas mães e com ela. Sobretudo com ela.
- Ania...tu pegaste na More.
- Já a tratam com um diminutivo.
- Antes de tu teres ido embora já o tinha.
- Sim...quando eu cá estava tu chamavas-lhe sempre filha. Pelo menos ao pé de mim – se o fiz não foi conscientemente. É certo que ultimamente andamos a chamar-lhe mais de More do que Morena ou outra coisa.
- Espero que não te importes.
- Porque haveria de me importar? Vocês fizeram o que tinha de ser feito, fizeram o que eu não fiz. Eu agora tenho é de perceber tudo sobre ela.
- E estás mesmo preparada?
- Eu sinto que sim. Sinto mesmo, Marcos. E até já consegui tê-la nos meus braços...algo que eu não esperava fazer tão depressa.
- E ela gostou do teu colo.
- Como o meu psicólogo disse: sentiu o mesmo calor que sentia na minha barriga. Eu não sei como é que serão os próximos tempos, nem como será o meu humor ou as minhas vontades de fazer as coisas. Eu estou com imensa esperança de conseguir recuperar estes dois meses que estive longe de vocês – a Ania levou a sua mão até à minha cara e eu acabei por agarrar-lhe a mão – poderá não ser fácil, não será um mar de rosas porque eu sei que ainda existem muitas barreiras que preciso de derrubar com o tempo. Mas só faz sentido se eu aqui estiver. Ao pé dela e ao pé de ti.
- Tens o meu apoio como sempre. E, do fundo do coração, acredito que o da nossa filha também – percebi que ela estremeceu quando disse aquilo – disse algo que não devia?
- Não, não é isso. Na terapia sempre nos referimos à Morena como a bebé, eu sempre quis ouvir isso da tua boca e não do psicólogo. É sinal que não me criticas pelo que fiz, é sinal que me apoias, que me manténs como mãe dela...
- Achas mesmo que eu iria arranjar outra pessoa? – a Ania baixou o olhar...não a poderia criticar por pensar aquilo – eu sei que confias em mim, assim como eu confio em ti. Se existiu alguma coisa que me fez manter activo e ao lado da menina este tempo todo, foi a esperança de te ter aqui, de volta para nós. O meu amor por ti jamais me permitiria pensar em arranjar outra pessoa para te substituir.
- Obrigada – ela olhou-me e percebi que os olhos dela estavam com um brilho diferente. Iria derramar alguma lágrima muito em breve.
- Ei, ei...não vais chorar, pois não? – aproximei-me dela, afastando o cabelo que lhe tapava o pescoço deixando a minha mão em contacto com a pele dela.
- Ando uma chorona ultimamente...acho que são as saudades acumuladas.
- Anda cá, minha Cinderela – puxei-a contra mim, abraçando-a.
Sentir o corpo dela ao pé de mim é das melhores sensações de sempre. É sentir que ela está de volta, sentir que a mulher que mais amo no Mundo regressou para sermos felizes de verdade.
Percebi que ela chorava e, por isso, afastei o corpo dela do meu, levando as minhas mãos à cara da Ania.
- Não chores, meu anjo. Está tudo bem...
- Obrigada.
- Mas não me tens de agradecer nada, sabes disso?
- Tenho sim. Tens sido pai e mãe. Mesmo com as nossas mães cá eu sei que és tu que fazes a maior parte das coisas quando cá estás em casa. Tu és tudo para a nossa...menina.
- Nos próximos tempos vais completar o que lhe falta. Ela pode não falar nem expressar-se, mas eu sei que ela sente falta da mãe. Pode demorar mais dois meses, três ou mais...mas basta ela sentir-te aqui por perto que eu acredito que te irá ajudar a recuperar, a sentires-te mãe dela e a assumi-lo.
- Fala-me dela...
- A nossa filha é a criança mais linda e feliz deste mundo. Não dava trabalho nenhum até fazer um mês mas, segundo a tua mãe, está a ficar com o teu feitio – ela fez uma careta estranha que me levou a rir – não me olhes assim. A tua mãe disse que tu quando eras bebé eras muito chatinha: ora perdias a chucha, ora querias colo. E a Morena está nessa fase.
- É normal dos bebés...e mais?
- Gosta de adormecer a agarrar o dedo de alguém, reage se chamarmos o nome dela, ri-se muito. É uma menina feliz, com muitos truques no que toca a dar biberão, a mudar a fralda ou no banho mas que, com tempo, te vais aperceber deles todos. Não tenhas medo, sim?
- Vou tentar...mas é complicado, sobretudo nos primeiros dias – ela olhou à sua volta, voltando a olhar para mim com um sorriso enorme – é tão bom estar em casa.
- É ainda melhor ter-te de volta a casa, acredita – aproximei-me dela, beijando-a.
Sentia falta destes beijos, do calor que existia nos lábios dela, do quão bom é tê-la assim comigo. Sentia falta dela e de tudo o que representa para mim. Para além de minha mulher, minha namorada ou mãe da minha filha, a Ania é a minha metade, a razão pela qual eu me mantive firme quando mais precisei de alguém em dias ou momentos difíceis. É a razão de tudo ficar bem e completo.
- Já é tão tarde, Marcos – passamos horas a falar sobre pequenas coisas: como estava La Plata, como é que estava Lisboa, as novidades dos nossos amigos, as novidades da família que temos na Argentina. As horas avançaram depressa demais e dentro de pouco tempo haveria de estar a tocar o despertador para eu ir para o treino.
- Tens razão...
- E tu tens treino amanhã?
- Tenho. Logo de manhã...
- Então, se calhar, era melhor irmos dormir – ela levantou-se, puxando a minha mão – vá, anda. Continuas preguiçoso como tudo, Marcos.
- Há coisas que nunca se devem mudar.
- Mas dormir no sofá faz mal.
- Já cá dormi tanta vez – levantei-me, passando o meu braço por cima dos ombros dela.
Caminhamos, devagar, até ao nosso quarto e, com cuidado, fechámos a porta depois de entrarmos.
- Estás a dormir do meu lado...? – ela olhou-me e percebi que viu que a minha almofada estava do lado onde ela costumava dormir. Aquele que está mais próximo do berço da Morena.
- Estou...queres trocar?
- Importaste? Quero manter tudo como estava e, também, ficar ao pé dela.
- Vamos a isso – dei-lhe um beijo na testa, indo trocar as almofadas. Deitamo-nos formando a nossa habitual conchinha e percebi que ela olhava para a Morena muito atenta.
- Ela é tão bonita.
- E parecida contigo.
- Não. Ela é parecida contigo.
- Com os dois, vá. Aquele narizito é igual ao teu.
- O resto é exactamente igual a ti.
- Menos as partes íntimas...
- Marcos! – ela deu-me um pontapé e eu acabei por puxá-la mais para junto de mim – estou a ver que continuas o mesmo parvo!
- Só estou a constatar factos, parva.
- Ainda agora cheguei e já sou insultada? Começamos bem!
- Vamos dormir, pode ser?
- Pode, pode. Vou ficar amuada, chamaste-me parva!
- Também te amo, Cinderela – ela riu-se, agarrando as minhas mãos. Desligou as luzes e percebi que iria preparar-se para adormecer. Beijei-lhe a nuca e também eu fechei os olhos.
Mais um dia se iniciava. Marcos pode perceber que lá fora o sol não brilhava...os dias começavam a ficar mais cinzentos à medida que o mês de Novembro de aproximava. Mas, assim que concentrou as suas atenções em tudo o que tinha acontecido no dia anterior, o dia poderia estar feio lá fora que ele só conseguiu sorrir.
Espreguiçou-se na cama, percebendo que estava sozinho. Ania sempre conseguiu levantar-se sem que ele desse conta. Marcos olhou para o berço de Morena, percebendo que a filha não estava lá. Nesse momento voltou a ganhar esperança que, se calhar, os próximos dias nem seriam assim tão complicados como o que pensou.
Apressou-se a tomar um duche rápido e a equipar-se. Tinha treino dentro de uma hora e era o dia de ser André a ir buscá-lo a casa.
Ao sair do quarto, encontrou Ortencia a subir as escadas.
- Bom dia, sogra – Marcos aproximou-se dela e, depois de um fraterno abraço, cumprimentou-a com dois beijos no rosto.
- Bom dia, filho – Ortencia via, na sua frente, o novo e antigo Marcos. Aquele que sempre fora antes de Ania ir embora, aquele que sempre mantinha um sorriso nos lábios e era de uma extrema ternura para com todos. Mas, também, via um novo Marcos. Um Marcos com um novo fôlego para o dia-a-dia – estás...de volta, Marcos.
- Estou...?
- Podes não ter dado conta mas, a Ania ao voltar para esta casa, tu estavas diferente. Agora que ela está cá...estás completamente feliz. Isso nota-se.
- Ela voltou. Só precisava disso.
- E ela está lá em baixo...agora está calma, mas entrou em pânico à bocado.
- Porque? Mas ela está bem?
- Vai ter com ela...a Ania precisa do marido e não da mãe e sogra a chatearem – Ortencia riu-se, indo até ao seu quarto. Marcos achou aquilo tudo estranho mas, com calma, desceu as escadas até à sala.
Reparou que Ania estava sentada no sofá, tinha colocado a espreguiçadeira de Morena mais perto dela e folheava o álbum de fotografias.
- Buenos dias – Marcos aproximou-se de Ania, dando-lhe um beijo na nuca. Dobrou-se sobre o sofá, levando as suas mãos até às da mulher e apoiou o seu queixo no ombro dela.
Estávamos os três completamente apanhados de surpresa. A Ania estava dentro do nosso quarto, com a nossa filha nos braços e a remexer na cómoda da roupa. Era um cenário estranho, algo que nunca pensei ver tão cedo.
- A Ortencia sabia? – perguntei.
- Não. Eu falei com ela de tarde e a Ania nunca disse que voltava hoje.
- Será que ela está a querer levar a menina? – a minha mãe fez a pergunta que todos tínhamos na cabeça. A Ania estava a mexer na roupa, porque haveria ela de ir mexer na roupa?
- A minha filha não faria isso...
- Eu também acho que não...mas o que é que ela quererá daquela cómoda? – nenhum de nós saberia responder àquela minha pergunta. Por mais que tentasse encontrar alguma resposta na minha cabeça era impossível.
Ficamos algum tempo a olhar uns para os outros tentando perceber o que haveríamos de fazer. A porta do quarto abriu-se e a Ania saiu do interior do mesmo...tinha trocado de roupa. Ela andava à procura do pijama!
Assim que nos viu esboçou um sorriso...aquele que eu já ansiava ver à semanas! A Ania estava com um sorriso tão bonito, tão único...o dela, aquele que ela faz quando está feliz, quando se ri de orelha a orelha para demonstrar o quão feliz está. Aquela...aquela é a minha Ania.
- Ela adormeceu...não se preocupem – veio na nossa direcção como se fosse uma menina pequena envergonhada. Com os braços cruzados, muito devagar mas sempre com aquele sorriso.
Abraçou a mãe, que chorou nos braços da filha. Abraçou a minha mãe, ouvindo “que bom é ter-te aqui” e percebi que ela ficara com um sorriso ainda mais bonito. Um sorriso de alívio, estava aliviada...talvez por não haver flechas atiradas contra ela a criticarem-na.
Olhou para mim e retribui-lhe o sorriso que ela merecia. Estava feliz, aliviado e entusiasmado por a ter de volta a casa. Mais do que estar a cumprir a promessa que nos fez ao voltar para a nossa vida, ela estava feliz por o estar a fazer.
Ouvi a minha mãe e a Ortencia rirem-se. Tanto eu como a Ania olhamos para elas que nos diziam adeus à medida que iam regressando aos quartos delas.
- Estás com sono? – perguntou-me, ao agarrar-me na mão.
- Não...não – senti o meu corpo arrepiar-se com o toque dela, o meu coração bater mais depressa e uma sensação fria invadir a minha barriga.
- Podíamos descer e ficar na sala a falar?
- Claro – ela começou a andar, levando-me atrás dela. Estar completamente vidrado nela é pouco...eu acho que estou hipnotizado neste momento.
Acendi a luz do candeeiro pequeno da sala para não ficarmos às escuras. A Ania sentou-se no sofá e eu fiz o mesmo. Assim que fiquei ao lado dela a Ania agarrou-me na mão esquerda, mexendo no meu anel.
- Isto pode estar a ser estranho para ti...para mim é um bocadinho – ainda bem que foi ela a começar a falar. A Ania mudou imenso desde que a conheci. Ela tinha aqueles problemas em expressar-se mas agora não.
- Não é estranho, Cinderela. É surpreendente, isso sim.
- Não me esperavas tão cedo?
- Acho que não...passaram dois meses e eu sempre pensei que fosses demorar mais a voltar.
- Fiz terapia duas vezes por semana, escrevi imensas cartas para mim mesma e percebi, com o meu psicólogo, que o resto da minha recuperação tinha de ser feita aqui. Contigo, com as nossas mães e com ela. Sobretudo com ela.
- Ania...tu pegaste na More.
- Já a tratam com um diminutivo.
- Antes de tu teres ido embora já o tinha.
- Sim...quando eu cá estava tu chamavas-lhe sempre filha. Pelo menos ao pé de mim – se o fiz não foi conscientemente. É certo que ultimamente andamos a chamar-lhe mais de More do que Morena ou outra coisa.
- Espero que não te importes.
- Porque haveria de me importar? Vocês fizeram o que tinha de ser feito, fizeram o que eu não fiz. Eu agora tenho é de perceber tudo sobre ela.
- E estás mesmo preparada?
- Eu sinto que sim. Sinto mesmo, Marcos. E até já consegui tê-la nos meus braços...algo que eu não esperava fazer tão depressa.
- E ela gostou do teu colo.
- Como o meu psicólogo disse: sentiu o mesmo calor que sentia na minha barriga. Eu não sei como é que serão os próximos tempos, nem como será o meu humor ou as minhas vontades de fazer as coisas. Eu estou com imensa esperança de conseguir recuperar estes dois meses que estive longe de vocês – a Ania levou a sua mão até à minha cara e eu acabei por agarrar-lhe a mão – poderá não ser fácil, não será um mar de rosas porque eu sei que ainda existem muitas barreiras que preciso de derrubar com o tempo. Mas só faz sentido se eu aqui estiver. Ao pé dela e ao pé de ti.
- Tens o meu apoio como sempre. E, do fundo do coração, acredito que o da nossa filha também – percebi que ela estremeceu quando disse aquilo – disse algo que não devia?
- Não, não é isso. Na terapia sempre nos referimos à Morena como a bebé, eu sempre quis ouvir isso da tua boca e não do psicólogo. É sinal que não me criticas pelo que fiz, é sinal que me apoias, que me manténs como mãe dela...
- Achas mesmo que eu iria arranjar outra pessoa? – a Ania baixou o olhar...não a poderia criticar por pensar aquilo – eu sei que confias em mim, assim como eu confio em ti. Se existiu alguma coisa que me fez manter activo e ao lado da menina este tempo todo, foi a esperança de te ter aqui, de volta para nós. O meu amor por ti jamais me permitiria pensar em arranjar outra pessoa para te substituir.
- Obrigada – ela olhou-me e percebi que os olhos dela estavam com um brilho diferente. Iria derramar alguma lágrima muito em breve.
- Ei, ei...não vais chorar, pois não? – aproximei-me dela, afastando o cabelo que lhe tapava o pescoço deixando a minha mão em contacto com a pele dela.
- Ando uma chorona ultimamente...acho que são as saudades acumuladas.
- Anda cá, minha Cinderela – puxei-a contra mim, abraçando-a.
Sentir o corpo dela ao pé de mim é das melhores sensações de sempre. É sentir que ela está de volta, sentir que a mulher que mais amo no Mundo regressou para sermos felizes de verdade.
Percebi que ela chorava e, por isso, afastei o corpo dela do meu, levando as minhas mãos à cara da Ania.
- Não chores, meu anjo. Está tudo bem...
- Obrigada.
- Mas não me tens de agradecer nada, sabes disso?
- Tenho sim. Tens sido pai e mãe. Mesmo com as nossas mães cá eu sei que és tu que fazes a maior parte das coisas quando cá estás em casa. Tu és tudo para a nossa...menina.
- Nos próximos tempos vais completar o que lhe falta. Ela pode não falar nem expressar-se, mas eu sei que ela sente falta da mãe. Pode demorar mais dois meses, três ou mais...mas basta ela sentir-te aqui por perto que eu acredito que te irá ajudar a recuperar, a sentires-te mãe dela e a assumi-lo.
- Fala-me dela...
- A nossa filha é a criança mais linda e feliz deste mundo. Não dava trabalho nenhum até fazer um mês mas, segundo a tua mãe, está a ficar com o teu feitio – ela fez uma careta estranha que me levou a rir – não me olhes assim. A tua mãe disse que tu quando eras bebé eras muito chatinha: ora perdias a chucha, ora querias colo. E a Morena está nessa fase.
- É normal dos bebés...e mais?
- Gosta de adormecer a agarrar o dedo de alguém, reage se chamarmos o nome dela, ri-se muito. É uma menina feliz, com muitos truques no que toca a dar biberão, a mudar a fralda ou no banho mas que, com tempo, te vais aperceber deles todos. Não tenhas medo, sim?
- Vou tentar...mas é complicado, sobretudo nos primeiros dias – ela olhou à sua volta, voltando a olhar para mim com um sorriso enorme – é tão bom estar em casa.
- É ainda melhor ter-te de volta a casa, acredita – aproximei-me dela, beijando-a.
Sentia falta destes beijos, do calor que existia nos lábios dela, do quão bom é tê-la assim comigo. Sentia falta dela e de tudo o que representa para mim. Para além de minha mulher, minha namorada ou mãe da minha filha, a Ania é a minha metade, a razão pela qual eu me mantive firme quando mais precisei de alguém em dias ou momentos difíceis. É a razão de tudo ficar bem e completo.
- Já é tão tarde, Marcos – passamos horas a falar sobre pequenas coisas: como estava La Plata, como é que estava Lisboa, as novidades dos nossos amigos, as novidades da família que temos na Argentina. As horas avançaram depressa demais e dentro de pouco tempo haveria de estar a tocar o despertador para eu ir para o treino.
- Tens razão...
- E tu tens treino amanhã?
- Tenho. Logo de manhã...
- Então, se calhar, era melhor irmos dormir – ela levantou-se, puxando a minha mão – vá, anda. Continuas preguiçoso como tudo, Marcos.
- Há coisas que nunca se devem mudar.
- Mas dormir no sofá faz mal.
- Já cá dormi tanta vez – levantei-me, passando o meu braço por cima dos ombros dela.
Caminhamos, devagar, até ao nosso quarto e, com cuidado, fechámos a porta depois de entrarmos.
- Estás a dormir do meu lado...? – ela olhou-me e percebi que viu que a minha almofada estava do lado onde ela costumava dormir. Aquele que está mais próximo do berço da Morena.
- Estou...queres trocar?
- Importaste? Quero manter tudo como estava e, também, ficar ao pé dela.
- Vamos a isso – dei-lhe um beijo na testa, indo trocar as almofadas. Deitamo-nos formando a nossa habitual conchinha e percebi que ela olhava para a Morena muito atenta.
- Ela é tão bonita.
- E parecida contigo.
- Não. Ela é parecida contigo.
- Com os dois, vá. Aquele narizito é igual ao teu.
- O resto é exactamente igual a ti.
- Menos as partes íntimas...
- Marcos! – ela deu-me um pontapé e eu acabei por puxá-la mais para junto de mim – estou a ver que continuas o mesmo parvo!
- Só estou a constatar factos, parva.
- Ainda agora cheguei e já sou insultada? Começamos bem!
- Vamos dormir, pode ser?
- Pode, pode. Vou ficar amuada, chamaste-me parva!
- Também te amo, Cinderela – ela riu-se, agarrando as minhas mãos. Desligou as luzes e percebi que iria preparar-se para adormecer. Beijei-lhe a nuca e também eu fechei os olhos.
Mais um dia se iniciava. Marcos pode perceber que lá fora o sol não brilhava...os dias começavam a ficar mais cinzentos à medida que o mês de Novembro de aproximava. Mas, assim que concentrou as suas atenções em tudo o que tinha acontecido no dia anterior, o dia poderia estar feio lá fora que ele só conseguiu sorrir.
Espreguiçou-se na cama, percebendo que estava sozinho. Ania sempre conseguiu levantar-se sem que ele desse conta. Marcos olhou para o berço de Morena, percebendo que a filha não estava lá. Nesse momento voltou a ganhar esperança que, se calhar, os próximos dias nem seriam assim tão complicados como o que pensou.
Apressou-se a tomar um duche rápido e a equipar-se. Tinha treino dentro de uma hora e era o dia de ser André a ir buscá-lo a casa.
Ao sair do quarto, encontrou Ortencia a subir as escadas.
- Bom dia, sogra – Marcos aproximou-se dela e, depois de um fraterno abraço, cumprimentou-a com dois beijos no rosto.
- Bom dia, filho – Ortencia via, na sua frente, o novo e antigo Marcos. Aquele que sempre fora antes de Ania ir embora, aquele que sempre mantinha um sorriso nos lábios e era de uma extrema ternura para com todos. Mas, também, via um novo Marcos. Um Marcos com um novo fôlego para o dia-a-dia – estás...de volta, Marcos.
- Estou...?
- Podes não ter dado conta mas, a Ania ao voltar para esta casa, tu estavas diferente. Agora que ela está cá...estás completamente feliz. Isso nota-se.
- Ela voltou. Só precisava disso.
- E ela está lá em baixo...agora está calma, mas entrou em pânico à bocado.
- Porque? Mas ela está bem?
- Vai ter com ela...a Ania precisa do marido e não da mãe e sogra a chatearem – Ortencia riu-se, indo até ao seu quarto. Marcos achou aquilo tudo estranho mas, com calma, desceu as escadas até à sala.
Reparou que Ania estava sentada no sofá, tinha colocado a espreguiçadeira de Morena mais perto dela e folheava o álbum de fotografias.
- Buenos dias – Marcos aproximou-se de Ania, dando-lhe um beijo na nuca. Dobrou-se sobre o sofá, levando as suas mãos até às da mulher e apoiou o seu queixo no ombro dela.
- Bom dia, Marcos – Ania falou calmamente, virando a página do álbum. Eram fotografias da sua gravidez, o álbum que ela tinha feito com algumas das fotografias que tinham sido tiradas por Marcos, a sua mãe ou ela mesma.
- Não dei por te teres levantado.
- Nunca dás, Marcos. Dormes que nem uma pedra – Ania riu-se e Marcos acabou por fazer o mesmo. Ao virar a página, Ania depara-se com uma fotografia nova que ainda não tinha visto. De Morena.
- Decidi continuar o álbum... – comentou Marcos.
- E decidiste tu muito bem. Temos de enchê-lo com fotos dela...eu quero que a nossa filha tenha esta recordação da infância dela.
- Vamos encher o álbum todo, Cinderela – Marcos beijou-lhe a bochecha, afastando-se. Deu a volta ao sofá e sentou-se ao lado de Ania – apanhei a tua mãe quando estava a descer...
- E ela disse-te que eu entrei em pânico, deixa-me adivinhar.
- Disse.
- Já passou.
- Mas...foi com a Morena?
- Estava a dar-lhe comer, ela não queria e depois começou a chorar. Não consegui pegar nela e fugi lá para fora. Mas pronto, já passou e está tudo controlado. Foi um momento.
- Vai com calma, Ania. Não tentes forçar nada, age da forma como achares melhor. Sabes que aqui ninguém te irá criticar, nós vamos apoiar-te e compreender-te – Ania fechou o álbum, olhando para Marcos. Aproximou-se dele, beijando-o.
Os dois partilharam um momento onde só se importaram com aquela típica e quente troca de beijos entre eles, despertando apenas quando o som da campainha se fez ouvir na casa. Ania afastou-se de Marcos, levantando-se.
- Eu vou lá – deixou o álbum em cima da mesa de centro, indo abrir a porta.
- Espera...eu enganei-me na porta, só pode! – era André que estava visivelmente surpreendido pela presença de Ania.
- É capaz de se ter enganado é – Ania riu-se no momento em que André a abraçou.
- Miúda! Oh bacana, estás de volta!
- Sim, André, estou. Tinhas assim tantas saudades minhas? – André afastou-se imediatamente dela, arqueando a sobrancelha esquerda.
- Achas? Estou é contente! Assim não tenho o Marcos a chatear-me lá em casa ou no telemóvel cada vez que lhe dá os cinco minutos da falta de sexo! – Ania riu-se, vendo André entrar em casa – Mas é bom que estejas de volta, cunhada emprestada – André cumprimentou Marcos, pegando em Morena ao colo – piriti do padrinho, agora tens os dois malucos dos teus pais...coitadinha de ti.
- Mas ele não mudou nada neste tempo? – questionou Ania, fechando a porta.
- Acho que ainda está pior... – respondeu Marcos.
- Calem-se. Vocês sabem lá o que dizem!
- Já tomaste o pequeno-almoço, oh gordo? – Marcos levantou-se, indo em direção da cozinha.
- Epa...eu já, mas até se comia mais qualquer coisa – com Morena ao colo, André foi atrás de Marcos até à cozinha. Ania seguiu-os e, depois de se sentar à mesa, esperou que eles fizessem o mesmo – a Iara não me disse que tinhas voltado...
- Ela ainda não sabe. Eu vim ontem à noite sem avisar ninguém.
- A miúda vai-se passar. Ainda troca a nossa casa pela vossa só para te contar mentiras a meu respeito – Ania riu-se, percebendo que nada tinha mudado na relação dos dois, na forma de ser de André e, sobretudo, na maneira como ele a estava a tratar. Mantinha-se igual.
Depois de os dois comerem, o que teve de ser rápido, foram para o treino, deixando Ania com a sua mãe, a sua sogra e a filha. Depois de se equipar com a roupa do treino, Marcos juntou-se a André e começaram a percorrer os corredores da academia.
- Como é que achas que a Ania está?
- Vem com um novo fôlego e vontade de mudar tudo. Acho que está a começar a nova fase da vida dela e da nossa.
- Deve ser super estranho passar o que ela passou...ter uma filha e não conseguir chegar perto dela, deve ser tramado mano.
- Ainda bem que consegues entender esse lado, André. A Ania, um dos medos que tem demonstrado, é o de ter todos contra ela.
- Oh a miúda é doida. A tua mulher é doida, Marcos – André riu-se, dando um encontrão a Marcos – desde quando é que íamos ficar contra ela? É nossa amiga, precisa de nós.
- Vou avisar a Ania para não avisar a Iara que já chegou e leva a minha cunhada a ir jantar lá a casa hoje. Vamos fazer-lhe uma surpresa.
- Combinado.
- Vou ao balneário avisar a Ania antes que ela a avisa.
Marcos voltou ao balneário, mandou mensagem a Ania e, quando se preparava para sair, é surpreendido pela presença de Mónica.
- Bom dia, Marcos.
- Bom dia, Mónica. Como estás?
- Bem melhor agora que já vi os miúdos giros aqui da zona – a rapariga piscou-lhe o olho e Marcos confirmou a suspeita de Rui: “a Mónica quer alguma coisa contigo”.
- Mónica...se calhar é melhor eu ir andando. O mister ainda me manda dar mais voltas ao campo que o normal.
- Vai, vai – Mónica aproximou-se de Marcos e, depois de lhe colocar a mão na bochecha, juntou os seus lábios com os dele. De seguida, limitou-se a sair do balneário deixando o rapaz sem reacção.
- Então puto? O mister já chegou, vais ter de fazer mais corrida! – avisou Rui...não poderia ter calhado em melhor altura – pensou Marcos.
- Rui, a Mónica acabou de me beijar.
- Ei puto...não podes deixar que isso aconteça! Tipo, oh que treta. Tu és casado!
- Eu sei e amo muito a Ania. Ela é que se anda a atirar a mim.
- E tu não lhe dás para trás. Vá, anda para o treino – Rui empurrou-o para fora do balneário.
Durante todo o treino Marcos não conseguiu manter a concentração. A sua cabeça estava uma confusão, aquele beijo tinha-o baralhado. Marcos tem a certeza que ama Ania, que está feliz com ela...mas deverá ele contar-lhe o que se passou? Logo agora que ela está numa fase mais frágil?
Olá meninas!
Aqui têm um novo capítulo.
Espero que gostem, que me digam de vossa justiça no que diz respeito a este rumo que a história está a levar.
Beijinhos
Ana Patrícia.
Olááá!!
ResponderEliminarAmmeiiii!!! Muittooo!!
Que capítulo mais lindo!!!
A Ania voltou!!!! Era só ela, ninguém ia raptar a Morena e muito menos ela!
Foi bonito o regresso e depois a conversa com o Marcos! Claro que ninguém a pode criticar e de certeza que ela vai recuperar bem e serem uma família ainda mais feliz!
Quero tanto mais capítulos para ver a recuperação da Ania com momentos fofos entre mãe e filha!
Como é que a Ania podia esperar que o André mudasse? Era difícil! Parece que cada vez ta mais doido! Mas muito divertido!
Agora...aquela Mónica?? Já odeio a rapariga! Então foi beijar o Marcos assim? Ele também lhe podia ter dado um bocadinho pa trás e ter falado com ela! O rapaz tem a mulher e filha em casa! Nem quero imaginar a reacção se ele conta isso à Ania!
Quero maiiisssss! Próxximmmoo!!
Beijinho,
Sofia
Olá ...
ResponderEliminarAdorei *_*
Finalmente a Ania voltou a Morena e todos já sentiam tanto a falta dela , foi lindo o momento que todos viram que ela regressou e que pegou na filha ...
O André por mais coisas que aconteçam nunca vai mudar, vai ser sempre a mesma pessoa e todos vão estar a apoiar a Ania neste momento de recuperação.
E a Mónica tem é de acordar e ver que o Marcos não é para o bico dela e por-se é a milhas ..
Ai Marcos, Marcos tens de contar á Ania, ela ama-te e vai compreender apesar da fase de recuperação que está a passar, e tens é de dar uns patins em linha á Mónica ....
Quero o próximo !
Beijinhos
Catarina
Holla :)
ResponderEliminarSorry por me ter atrasado em comentar mas só consegui agora :/
Finalmente a Ania voltou e recuperada...espero q ela não se vá abaixo :)
E sobre aquela mónica...ela q se ponha longe do casal -.-
bjs
próximo please
Gostei muito e quero mais :D
ResponderEliminarComecei uma fic nova, gostava que visses, comentasses e se pudesses divulgar.
A tua fic está nas que recomendo.
http://aculpaedoamorr.blogspot.pt/
Beijooo