segunda-feira, 23 de junho de 2014

28 - " (...) Fazes-me tanta falta, preciso tanto que acordes."

- … e hoje foi a continuação de tudo o que se anda a passar. Eu já não consigo estar com cabeça nos treinos, não consigo mesmo. Só quero estar aqui…contigo – tudo estava completamente distorcido. Estive eu a dormir? As pálpebras parecem estar presas uma na outra e não consigo abrir os olhos. Parece que tenho os músculos todos bloqueados e congelados e não sei se me consigo mexer. A voz do Marcos estava ali…logo ele estava comigo, mas que se passa? - … Fazes-me tanta falta, preciso tanto que acordes – pronto…eu estive a dormir, mas…porque? Porque é que eu adormeci e ele precisa que eu acorde? Porque é que eu não me consigo mexer como deve ser?
Sentia a mão quente do Marcos a segurar a minha…só precisava de fazer alguma força para que ele percebesse que eu estou acordada. Primeira tentativa falhada, segunda tentativa falhada e parece que nem à terceira é de vez! Estive assim tanto tempo adormecida para não conseguir que os meus movimentos saiam ao natural?
Comecei a sentir os olhos ficarem mais leves, menos pesados e consegui abri-los. Aquelas luzes…aquela imensa luz fez com que os voltasse a fechar, fez com que, por segundos, voltasse à escuridão do meu interior. Voltei a abri-los, percebendo que estava no hospital…máquinas, fios, mascara de oxigénio, saco do soro…agora me lembrava do que tinha acontecido.
Consegui, finalmente, mexer a mão apertando a do Marcos.
- Ania? – Muito depressa vislumbrei a cara dele, mesmo perto da minha. Como ele está bonito…está diferente, mas tão bonito – Ania, meu amor. Como é que te sentes? Tens dores? Consegues ouvir-me? É melhor eu ir chamar o médico! – Percebia que ele estava completamente surpreso por me ver acordada, percebi que estava aliviado e as lágrimas invadiam-lhe a face. Ele ia a ausentar-se, mas consegui segurar-lhe a mão e ele percebeu que não queria que ele fosse embora – Eu não vou…eu fico – ele tocou num botão que fez soar uma campainha no corredor. Começava a sentir-me mais “descongelada”…começava a sentir que tinha o braço esquerdo apertado com alguma coisa…começava a sentir a minha barriga comprimida…começava a perceber que estava mesmo viva.
O Marcos olhava para mim, continuando a chorar. Tinha a máscara do oxigénio e não sei se consigo falar, mas consegui levar a minha mão até à cara dele, que a acariciou…e eu senti aquilo.
- O que se passa menino Marcos? – a voz de uma mulher apareceu no quarto e senti tocarem-me no braço que estava apertado – Temos aqui muito boas noticias, a menina ouve-me? – Com certas dificuldades e mais devagar do que o normal, virei a minha cara para ela e percebi que se tratava de uma enfermeira já com mais idade. Assenti com a cabeça que a ouvia – Vou chamar o seu médico para a observar, fazer uns exames e ver o seu estado. Tome conta dela, menino!
- Muito obrigado, enfermeira Júlia – a enfermeira saiu e eu voltei a olhar para o Marcos – nem sabes como é bom ver-te acordada, minha Cinderela – o Marcos beijou-me a testa e acabei por fechar os olhos um pouco. Ainda não tinha feito quase nada e sentia-me cansada.

Médico, enfermeiras, exames, análises, tudo e mais alguma coisa foi feito. Não posso falar muito tempo seguido, canso-me e faz doer na barriga, mas já não preciso do oxigénio e estou acordada!
- A bala estilhaçou no seu interior e, quando chegou até nós, já os pequenos fragmentos da bala se tinham espalhado por certas zonas da sua barriga. Dois pequenos fragmentos alojaram-se no útero e tivemos de fazer uma intervenção mais rigorosa e minuciosa mas conseguimos recuperá-lo a 80%. Não lhe digo a 100% porque foi uma cirurgia muito complicada, entrou duas vezes em paragem cardio-respiratória daí o seu estado de coma de um mês, mas irá recuperar com o tempo – uma pessoa pensa que está descontraída a passear pela beira-mar, numa bela praia de Cascais, quando o mais inesperado acontece. Uma rixa entre dois grupos no bar, discussões, armas, tiros…uma bala perdida na minha barriga.
- Quanto tempo…tenho de cá ficar?
- Ainda é muito cedo para fazer um prognóstico em relação à sua alta. Os pontos já sararam e o seu interior está no bom caminho. Nestas duas últimas semanas tem vindo a melhorar bastante, mas ainda tem de fazer mais uns exames, temos de fazer análises. Mais lá para o fim do dia vai passar para um quarto mais acolhedor porque já não é necessário mantê-la nos cuidados intensivos. Eu agora vou ver se já chegaram os resultados dos primeiros exames, enquanto o seu namorado lhe conta mais umas coisas.
- Muito obrigada, doutor – o médico ausentou-se e voltei a olhar para o Marcos, mantendo a minha mão entrelaçada na dele – o que é que há mais a contar?
- O médico sugeriu que te contasse eu. Eu achava melhor ser ele a contar porque sabe mais detalhes de tudo, mas sei que eu vou conseguir amparar-te.
- O que é que se passa Marcos?
- Como o médico disse…o teu útero foi afectado pela bala e…Ania, tu sabias que estavas grávida?
- Eu…estava grávida?
- Sim. Era mesmo muito recente, o feto tinha duas semanas mas não resistiu.
- Não fazia ideia de que…estava grávida.
- E…como é que estás?
- Estou bem…dói-me um bocadinho a barriga, mas em relação à gravidez…a perder o bebé…eu estou bem Marcos. Se eu soubesse deveria ser bem pior, mas eu estou bem, vou ficar bem… - a verdade era esta e ele tinha de a saber…não lhe posso mentir. Puxei a mão dele para junto do meu peito, beijando-a – Nós vamos ficar bem gordi.
- Tinha tantas saudades tuas…
- Olha…eu não posso dizer o mesmo. Sonhei connosco…desde o dia em que nos conhecemos, até ao dia que me pediste em casamento em Moscovo.
- E tu disseste que não…doeu!
- Mas tu sabes o porquê…
- Sim…era cedo demais, eu percebo. Ania…há mais uma coisa que deves sabes…
- Ai…então?
- Hum…é que, com a intervenção que fizeram no útero…tu podes vir a ter mais dificuldades em engravidar.
- Mas…eu…posso ter filhos?
- Podes! Claro que podes, podemos! A questão é que o útero tem de recuperar a 100% para suportar gravidezes. Não podes engravidar nos próximos meses.
- Tens de guardar as sementinhas então… - foi impossível não nos rirmos até que, de tanto gargalhar, me deu uma forte dor no local onde a bala tinha entrado. Tive de parar de rir e tentar ficar numa posição que não me doesse tanto a barriga.
- E tu tens de guardar essas gargalhadas para quando estiveres melhor, meu amor – como me tinha virado de lado e a cadeira do Marcos estava perto de mim, ele juntou a sua testa com a minha, passando com a sua mão pelas minhas costas muito devagar – tive tanto medo de te perder, Ania.
- Já te disse que isso só acontecerá quando formos muito velhinhos e morrermos com montes de bisnetos.
- Ania…
- Descansa Marcos…agora eu estou acordada, eu estou bem.
- Te amo tanto, mi gordita.
- Y yo te amo a ti, mi gordi – colámos os nossos lábios por breves segundos já que ainda tenho algumas dificuldades em respirar.

Como o médico tinha dito, ao fim do dia fui para um quarto bem mais acolhedor, sendo que ainda tenho de ter uma enfermeira a vigiar-me de hora a hora. A noite foi passada acordada…passei um mês a dormir, é capaz de ser normal não ter sono, não? O médico disse que sim.
Como já estava num quarto sozinha, já podia receber mais visitas e a hora dessas visitas chegarem estava mesmo a chegar. Pelo que o Marcos me tinha contado, estavam em Lisboa, os meus pais, os meus irmãos e todos os Rojo. Estamos em Portugal à cerca de três meses e estava tudo a correr bem…até ter levado um tiro. Mas mesmo isso…não foi grave…não morri.
Estava farta de olhar ora para a porta, ora para a janela, quando batem à porta e esta se abre de seguida. Era o Marcos…acho que o sorriso que ele trazia nos lábios era mais pequeno do que o meu! Sem sombra de dúvida.
- Acordadita e pronta para as visitas?
- Ainda acordada e pronta para vocês todos! – O Marcos abriu a porta na sua totalidade e vi os meus pais entrarem, depois os meus irmãos com as minhas cunhadas, sendo que o Lucas já não tinha relação nenhuma, e o Marcos a finalizar.
- Filha…minha filha – a minha mãe estava a chorar desde que entrava no quarto. Foi a primeira a chegar perto de mim e a dar-me logo montes de beijinhos espalhados pela cara. Seguiu-se o meu pai, depois o Martín e a Romina, depois o Lucas e para o fim o Francisco com a Gloria.
- Como é que te sentes pirralha? – Perguntou o Martín, ficando ao fundo da cama com a Romina do seu lado. Do meu lado direito tinha os meus pais, o Francisco e a Gloria e do meu lado esquerdo o Marcos e o Lucas.
- Umas dores aqui e ali, estou cansada…se bem que estive a dormir um mês…mas estou bem, pronta para ir para casa.
- Isso é só quando o médico mandar, Ania – disse o meu pai, tocando na minha mão.
- Eu sei, papi, eu sei…e novidades vossas? Já que eu estive parada…contem-me tudo.
- Posso ser o primeiro, posso? – O Martín estava visivelmente entusiasmado com a ideia de contar as novidades. Todos nos rimos e ele acabou por perceber que podia falar – Acabei a minha pós graduação…estás a olhar para o futuro agente de Faustino Marcos Alberto Rojo – estava completamente surpreendida…não estava nada à espera que o meu irmão…o meu Martín passasse a ser agente do meu Marcos.
Olhei para o Marcos que estava a olhar para mim e não precisei de perguntar nada para ele perceber que estava completamente surpresa.
- É o meu novo agente sim e vem para Lisboa viver.
- Martín…fico tão feliz por ti. Mas nada de nos ires chatear lá para casa! Vêm os dois? – A Romina tinha de vir! Tinha mesmo!
- Sim…eu não largo o teu irmão nem por nada! – Respondeu ela com um enorme sorriso nos lábios.
- Fico mesmo muito feliz por vocês! E vão adorar Lisboa!
- Já andamos a gostar…nós já cá estamos…para ficar.
- Ai que bom! – Era família…família que ia estar perto de mim – E tu Lucas, como é que tens andado?
- Muito trabalho, mas agora à distância. Tenho andado por cá, conhecer a cidade mas pouco mais do que isso.
- Tens de animar a tua vida, maninho.
- Um dia destes maninha – ele deitou-me a língua de fora e eu olhei para o Francisco e a Gloria…estavam diferentes.
- E vocês meus amores? Vocês estão diferentes…
- Mas porque é que todos dizem isso? Andamos com algum papel na testa? – eles olharam os dois um para o outro e o Francisco continuou a falar – Não temos!
- Não sejas parvinho e conta-me lá, aposto que todos eles sabem. Incluindo o Marcos! – Ficaram todos calados e foi Gloria que avançou para junto de mim.
- Minha querida…bom…eles sabem sim, mas porque quisemos dar alguma alegria aos dias deles. Vais ser tia.
- A serio? Oh meu Deus, está aqui uma pequenina Gottardi!? Sim, tem de ser uma menina, eu preciso de bebés na minha vida, de sobrinhos, de montes de sobrinhos! Estão todos avisados! – Estava mesmo, mesmo feliz. Eles merecem tanto, mas tanto! E eu sempre quis sobrinhos primeiro que filhos! – Podíamos estar grávidas as duas…se não tivesse acontecido isto.
- O que? – Perguntou o meu pai um pouco escandalizado.
- Eles…não sabiam? – Percebi que nenhum deles sabia.
- Não soube como lhes contar…e fiquei tão sem reacção que olha…desculpa.
- Não tem mal, meu bem…mas sim, eu estava grávida de duas semanas, mas não sabia.
- E…está tudo bem? – Perguntou a minha mãe.
- Sim. Está. Não podemos é fazer bebés nos próximos meses porque o útero ainda está fragilizado.
- Vocês tenham lá calma com os bebés que eu já vou ser avô de um e ainda sou novo!
- Senhor Hugo…o senhor já não vai para novo – atirou o Martín gerando uma enorme gargalhada no quarto. Fomos interrompidos pela entrada da enfermeira.
- Já vi que a menina está mais contente. Eu pedia só que saíssem por uns momentos que tenho de fazer novo penso à menina… - todos acederam ao pedido da enfermeira Júlia e saíram.
Estou feliz. Estou viva e rodeada de pessoas que amo. Que mais posso pedir? Que mais posso eu querer? Tanta coisa…


Olá meninas! Desculpem a demora em publicar mas tem sido dificil.
Umas grandes mudanças não? Eu sei...eu sei, mas espero que tenham gostado e que deixem as vossas opiniões. Espero mesmo!
Muitos beijinhos e obrigada por estarem desse lado.
Ana Patrícia.