quarta-feira, 19 de junho de 2013

7 - "Podes não ter essa noção...mas tu precisas de mim, precisas de nós"

A mãe da Ania preencheu os papeis que me tinham dado e, quando estávamos os dois sentados na sala de espera aguardando a chegada do pai dela, não se falou do assunto. Fazia-me confusão...saber tudo assim do nada. Saber que ela fora violada, que pode estar grávida...mas que está em sofrimento. É um choque...e é horrível. 
Entretanto o Hugo chegou ao hospital, super aflito e pude ver o que a Ania realmente significa para ele. O Hugo fala da Ania como se ela ainda fosse a bebé dele, como se fosse indefesa. Neste momento compreende-se porque ela está desprotegida e pode muito bem ter um retrocesso no que já tinha conseguido depois da violação.
Só de pensar...dá-me nojo! Como é que estes casos ainda existem nos dias de hoje? O mundo está mesmo todo perdido.
- Mas porque é que não nos dizem nada? - perguntou o Hugo impaciente.
- Tem calma Hugo. Eles têm de fazer os exames todos - eu era um espectador...não dizia nada, nem me perguntavam nada a mim, até preferia. Não sei mesmo o que dizer neste momento.
Meia hora passou até que chegou um homem de bata verde ao pé de nós. Todos nos levantámos.
- São familiares da Ania Gottardi?
- Somos sim - respondeu a Ortencia, a mãe da Ania. 
- Presumo então que saibam do historial da vossa filha. 
- Sabemos sim senhor doutor, mas é algo grave? - inquiriu o Hugo.
- Bem...depende do ponto de vista. Como ela mesma me relatou, depois do episódio da violação, ela menstruou normalmente. Contudo, o que nós temos aqui é uma gravidez - e confirmava-se...ela estava grávida. Tanto o Hugo como a Ortencia ficaram chocado - mas que teve um fim. 
- Você está a querer dizer que a minha filha abortou? - a Ortencia, num tom de alivio, fez a pergunta que todos queríamos fazer.
- Sim. A Ania teve um aborto espontâneo. Ela agora está estável. Está a soro para se hidratar, mas nos próximos dias irá precisar de todo o apoio que lhe conseguirem dar. Penso que recordar tal experiência não lhe tenha feito bem. 
- Mas ela está mesmo, mesmo bem? - perguntei. 
- Está rapaz, fisicamente está, não corre nenhum risco. Têm é de ir com calma com ela e, calculo que seja o namorado dela, tens de ter paciência nos próximos dias.
- Não eu sou amigo dela. Nós não namoramos - à frente do pai dela, não era nada esta conversa que queria ter.
- Sendo assim não se esqueçam, dêem-lhe todo o apoio que conseguirem e o que ela quiser. 
- Podemos vê-la, doutor? 
- Claro. Acompanhe-me a senhora primeiro, porque ela pediu para a ver. 
- Com certeza - a Ortencia foi com o médico e eu fiquei com o Hugo na sala de espera. 
- Ainda não percebi o que é que estás aqui a fazer Faustino. 
- Eu...bem...eu estava a tomar o pequeno-almoço no seu café, quando a sua mulher estava para vir com a Ania para o hospital. Então eu trouxe-a enquanto a D. Ortencia ficou a fechar o café. 
- Muito obrigado rapaz - ele deu-me um abraço e sentou-se na cadeira - tens a certeza que és só amigo dela? - buraco para me enfiar, onde andas?
- Fique descansado, mister. A Ania e eu somos só amigos.
- Acho bem que sim - sentei-me ao lado dele e esperamos que a Ortencia chegasse. 
Quando ela chegou à sala de espera, só olhava para mim. 
- Então, como é que ela está? - perguntou o Hugo.
- Vamos voltar a ter de olhar pela nossa menina como deve ser. Ela só chora...
- Ai a minha Ania...achas que posso lá ir?
- Sim podes, vai indo que eu já lá vou ter também. Deixa-me falar com o Marcos. 
- Até já - o Hugo foi andando pelo corredor e a Ortencia sentou-se a meu lado. 
- Marcos...eu quero agradecer-te por tudo o que fizeste.
- Não precisa de me agradecer. A Ania...ela é...
- Eu sei de tudo entre vocês. 
- Ela é muito importante para mim.
- Então tens de lhe fazer a vontade. 
- Como assim?
- Ela não quer que a vejas. Não quer que vás ao quarto dela. Tens de lhe dar uns dias. 
- Foi ela que lhe pediu?
- Sim. Ela está ainda muito revoltada e parece-me que voltou à estaca zero. Ela sabe que tu sabes e sente vergonha.
- Mas ela não tem de ter vergonha de mim. 
- Eu sei...mas tenta entende-la. Faz isso por ela.
- Eu vou fazer D. Ortencia. 
- Mas uma vez obrigada por tudo - a senhora deu-me um abraço, levantou-se e foi embora. 
Enquanto o meu corpo não ganhou força fiquei ali...sentado na sala de espera. Eu compreendia e ia respeitar o que ela tinha pedido...não sei é quanto tempo o irei fazer.

Ania: 
Suja, usada...sinto-me horrível. É como se...estivesse a viver o momento a seguir...a seguir ao que aconteceu naquela noite. Parece que o meu corpo não é meu, que pertence a outra pessoa. A uma pessoa que foi humilhada, usada e jogada no lixo por um homem nojento.
Mas...saber que não estou grávida é a melhor coisa a retirar deste dia. Se...uma criança estivesse a nascer dentro de mim e fosse o resultado daquela noite era a pior coisa que me podia acontecer.
Não quero ser outra vez o peso que fui para os meus pais...mas sei que estou de volta à estaca zero. Preciso de um banho urgentemente...deverá ser a única coisa que me irá fazer sentir ligeiramente melhor. E...o cheiro. Parece que voltou aquele cheiro que ficou em mim depois de aquele homem...me ter feito tudo o que quis.
Se...foi o Marcos que me trouxe até aqui...ele sabe o que aconteceu e ao falar com a minha mãe tive essa certeza. Eu não o queria perto de mim, não agora. Iria ver-me como a coitadinha que foi violada, iria querer tocar-me, iria querer falar comigo e saber o que aconteceu e eu não quero nada disso. Ele...pode saber, eu não me importo, sei que mais cedo ou mais tarde lhe teria de contar se as coisas entre nós avançassem...mas não o quero ao pé de mim agora. Eu sei que não estou preparada para estar com ele, da maneira que estou. 
Não me apetece falar com ninguém e é o que os meus pais mas querem fazer. Queriam ficar comigo esta noite aqui no hospital, mas implorei-lhes que, por mim, fossem para casa e me deixassem sozinha. Depois de muito resmungarem...foram embora. E, como estava meio agitada, uma médica deu-me um calmante para me meter a dormir. 

Marcos:
Estar aqui, no meu quarto, sabendo que a Ania está no hospital...a sofrer é sufocante. É impossível eu ficar aqui muito tempo. Quer dizer: como é que eu ainda aqui estou? Levantei-me da cama, peguei na carteira e nas chaves do carro e sai do quarto. Fui até à sala, onde estava a Micaela, a minha irmã mais nova:
- Mica diz à mãe que eu tive de sair. 
- Onde é que vais?
- Isso não é da tua conta. 
- Era só para saber. 
- Eu sei, desculpa. Mas vá, eu depois conto-te.
Sai de casa, indo na direcção do carro. Entrei nele e fui até ao hospital. Quando lá cheguei fui até à recepção:
- Boa noite...eu não sei se será possível, mas eu queria ver uma pessoa.
- Já não estamos na hora da visita.
- Pois...mas é que eu preciso mesmo de ver uma pessoa.
- Qual é o doente?
- Ania Gottardi.
- A menina está a dormir. Tomou um calmante à pouco.
- Mas não vai dar mesmo para a ver?
- A única coisa que eu posso fazer por si...é entrar como acompanhante dela, só assim conseguiria justificar a sua presença no quarto.
- Então posso ir?
- Pode. É no corredor dos quartos, o número 215.
- Muito obrigado! - fui em direcção do quarto. 
Abri a porta com cuidado e ela estava a dormir. Sentei-me na cadeira ao lado dela. Só...olhar para ela, dizia-me que ela não estava bem, que ela iria precisar de muito apoio e que o meu lugar era aqui. 
- Cinderela... - toquei-lhe na bochecha, mas ela não acordou. Queria que ela soubesse que eu não a julgarei, é óbvio que nunca o faria, como é que o poderia fazer? 
Só quero que ela saiba que estarei para ela da maneira que ela precisar, mas que...longe um do outro eu não quero que assim seja. Eu quero estar ao pé dela, ser o apoio que ela precisa...eu quero ser algo real para ela - eu sei lá se estás a ouvir, mas...é só para que saibas que eu estou aqui.
Puxei a cadeira mais para junto dela e fiquei simplesmente a olhá-la. Não demorou muito para que a começasse a ver a mexer. Ela estava a sonhar...deveria ser um pesadelo.
E...de um momento para o outro, ela chorava...ela tremia mas não fazia qualquer barulho. Ela estava em grande sofrimento e o meu instinto foi abaná-la para a acordar. Ela abriu os olhos e chorava. As lágrimas eram grossas e escorriam-lhe pela cara.
- Eu estou aqui...
- Mas eu não te quero aqui. 
- Eu sei que não. Mas eu quero estar aqui - ela virou-se para o outro lado, continuando a chorar. Afastou-se de mim, ficando mesmo na ponta da cama - precisas de alguma coisa?
- Que te vás embora Marcos...por favor.
- Não. Eu quero ficar contigo. Eu quero ser um apoio para ti, tudo o que tu conseguiste conquistar depois do que te aconteceu, não pode simplesmente desaparecer. Aquela chama que havia ontem em ti, tem de voltar. Tu tens de voltar para...que haja o nós que eu e tu queremos. Eu não te vou exigir nada...neste momento quero que recuperes, que me deixes ajudar a recuperar-te...eu preciso mais de ti do que pensas...e tu o mesmo. Podes não ter essa noção...mas tu precisas de mim, precisas de nós - sempre foi fácil, para mim, falar dos meus sentimentos. Sempre os consegui expor para todos sem nunca me preocupar com as consequências e, neste momento, é a vez mais importante em que dizer o que sentia fazia mais sentido. 
A Ania, contudo, não falou, nem sequer se mexeu. Não sei o que ela está a passar...mas quero entende-la. E preciso que ela me ajude com isso. 
Avancei com a minha mão na direcção das costas dela...tinha medo de o fazer...ela poderia fugir, mas mesmo assim tentei.
Assim foi...ela afastou-se e eu recuei. Com a mão. Eu sei que devia respeitar o espaço dela, mas também sei que não o quero fazer. Deitei-me na cama e puxei-a para mim. Foi uma luta, ela gritou comigo, fez tudo para me afastar, inclusive tentou morder-me.
- Se não me deixares ficar aqui, eu saiu por aquela porta e nunca mais volto e só saberei de ti se fores tu a vir ter comigo - senti-me mal em "ameaçá-la" mas foi a forma que arranjei para saber o que ela queria. Ela parou, encostou-se ainda mais a mim e chorou, lágrimas grossas novamente.
- Fica... - ela falou. Virei-a para mim, o que não foi fácil, mas a Ania acabou por ceder. Ela não me olhava, olhava para o meu peito, mas agarrou nas minhas mãos e continuou a chorar, sem nunca falar.
- Eu estou aqui para ti, Cinderela.
- Marcos...eu...
- Eu não preciso que fales... - coloquei a minha mão no queixo dela e fiz com que ela me olhasse. Ela estava...num estado terrível. Os olhos dela perderam aquele brilho e a única coisa que se via neles era o sofrimento dela - tu és linda, Ania. Descansa que bem precisas.
- Mas...
- Dorme, apenas descansa. Eu estarei aqui durante a noite. E vou embora antes que os teus pais cheguem - ela nada disse. Encostou a sua cabeça no meu peito. Chorou ainda durante algum tempo, mas acabou por adormecer.
Eu...fiquei a noite toda acordado, não consegui dormir. Queria ter a certeza de que ela estava bem e de que não adormecia. 
Eram 8:00h quando sai da cama. Tentei que ela não acordasse e fui bem sucedido. Ela estava tranquila a dormir. Dei-lhe um beijo na testa e fui até casa. Ainda ninguém estava acordado, por isso fui até ao meu quarto, deitei-me e acabei por adormecer. 

terça-feira, 18 de junho de 2013

6 - "Eu nem estava a falar nisso, tu é que pensaste logo em sexo."

E...começaram os rótulos. As coisas têm de ser levadas com calma e ele já se intitula de namorado. 
- Marcos...há aqui uma coisa que tem de ficar esclarecida. Nós não somos namorados - senti que, talvez, tivesse sido demasiado fria com ele. Mas não havia outra maneira de se dizer a coisa. 
- Ania... - só para piorar o meu interior não conseguia decifrar o que lhe ia pela cabeça. 
- Nós temos de ir com calma e ver onde é que isto vai dar. Não podes começar já para aí a fazer filmes porque é para ter calma.
- Ania. Eu sei disso. 
- Sabes?
- Sei. Eu só disse aquilo porque me saiu, mas eu sei o que queres e estou de acordo contigo. Não te preocupes, guapa.
- Ah! Ainda bem - por um lado sentia que era o melhor a fazer. É melhor não termos esperança numa coisa que pode não ser nada no futuro. É viver cada dia e aproveitá-lo, aproveitar para que, no futuro, possa dar em alguma coisa. 
Decidimos que estava na hora de ir embora e o Marcos deixou-me à porta de casa. As luzes da sala estavam acesas, bem como as do quarto dos meus pais que ficava no segundo andar. 
- Achas que o teu pai ainda está à tua espera?
- Tenho quase a certeza que sim. 
- E...quando é que nos voltamos a ver?
- Não sei...mas terá de ser rapidinho - tomei a iniciativa e dei-lhe um selinho nos lábios - isto começa a ser perigoso, sabes?
- Ai é?
- É...eu tenho a sensação que eu e tu temos dois imans na boca. E pelo corpo todo! Ai Marcos...o que é que eu estou para aqui a dizer?
- Estás a dizer que me queres beijar e que não consegues estar fisicamente longe de mim?
- Acho que sim...nós só estivemos juntos hoje. E um bocadinho ontem à noite no estádio...como é que isto pode acontecer?
- Porque eu sou irresistivel.
- Sim! Não...não, nada disso. 
- Em que é que ficamos?
- Sim...sim, sim, sim! - voltei a beijá-lo. Para além de ser uma forma de não o encarar neste momento, era só mais uma maneira de aqueles lábios serem meus, só meus...pelo menos neste momento.
- Marcos... - parei o beijo, mantendo os nossos narizes juntos - eu tenho de ir antes que não queira sair deste carro. 
- Podias só sair daqui a uns tempos.
- Ainda é cedo para eu ir para a cama contigo! 
- Tecnicamente não estamos numa cama...
- Marcos! 
- Eu nem estava a falar nisso, tu é que pensaste logo em sexo.
- São as hormonas!
- Então estou para ver quando engravidares...vai ser lindo vai. 
- Tu estás a ouvir o que estamos para aqui a dizer?
- Nós estamos a falar do...futuro.
- Do nosso.
- E querias tu ir com calma. 
- E quero. Isto já é de estar à imenso tempo contigo. Vamos falando - antes de sair do carro...voltei a dar-lhe um beijo. 
Entrei em casa e dirigi-me à sala, onde estava a minha mãe.
- Boa noite - atirei-me para cima do sofá, enquanto que a minha mãe estava no seu cadeirão a ler um livro. 
- Divertiste-te?
- Sim. Foi muito divertido - foi mais, muito mais que isso! Mas agora não interessa nada. 
- E como é que está o Marcos?
- Quem? - olhei para a minha mãe que sorria, mesmo estando com os olhos pregados nas páginas do livro. 
- Eu não nasci ontem Ania...sei bem que não eram umas amigas de passagem. 
- Madre... - como é que era possível ela saber? Teria visto alguma coisa? Levantei-me e sentei-me no chão junto a ela, agarrando-a pelas pernas - como é que sabes?
- Ania...eu sou tua mãe - ela fechou o livro, olhando para mim sei ver quando me estás a mentir. 
- Notou-se muito?
- Só para mim. O teu pai não desconfia.
- Mãe...eu estou meio perdida. 
- Queres conselhos de mãe?
- Quero...
- Senta aqui - desde pequena que eu e a minha mãe temos uma relação muito próxima. Ela é a minha melhor amiga. É a única pessoa a quem consigo contar tudo. Sentei-me no colo dela, parecendo uma autentica bebé - que é que vai nessa cabeça?
- Mãe...o Marcos...eu estive com ele hoje à tarde, e agora à noite. Nós estamos a dar-nos bem e...ele é tão, mas tão divertido. Ai mãe...ele responde-me com perguntas, ele consegue fazer com que eu fale e me atrapalhe menos, consegue...que eu não pense muito no que tenho para dizer. Apenas digo-o. Mas...
- O que é que pode ser assim tão grave para vos impedir de avançar?
- O pai. 
- O teu?
- Sim...o pai do Marcos já morreu. 
- A serio?
- Sim...e ele tem o nome do pai e tudo, mas porque é o mais velho dos irmãos. 
- Mas o que é que o teu pai tem a ver com isto tudo?
- O pai é treinador dele e é meu pai. 
- Pois lá isso é Ania - ela riu-se...eu tinha atrapalhado um bocado.
- Tu entendeste! Sabes o que o pai pensa se eu namorar com um jogador...e tu também não deves ter uma opinião muito diferente!
- Ania...eu só quero que tenhas uma pessoa a teu lado que te respeite e que te ame, como tu mereces. É óbvio que se for jogador da bola, será complicado de te manter perto de nós, mas...se é para a tua felicidade que direito tenho eu de me meter na tua vida?
- Mãe...tens o direito porque só tu me sabes dar conselhos como deve ser. 
- Queres o meu conselho?
- Sim. 
- Aproveita o tempo que tens com ele e depois com o passar do tempo vais ver se é o que realmente queres. Se for, tens de o apresentar a mim, ao teu pai e aos teus irmãos e cunhadas como o teu namorado. 
- Gracias mamacita! - estas conversas com a minha mãe só me fazem bem. Ela entende-me, sabe o que me vai pela cabeça, sabe o que eu sinto, mesmo que não lho diga. 
Ficámos as duas na sala ainda a falar um bocadinho sobre o Marcos até que apareceu o meu pai reclamando que já era tarde. 
Fui até ao meu quarto, que era no sótão da casa. Já que fui a última a nascer e a não planeada, quando comecei a dormir num quarto sozinha, pedi para ficar no sótão, já que não haviam mais quartos por estarem ocupados pelos meus irmãos. 
Sinceramente não me importei. Sempre tive a minha independência e é o meu cantinho. Meio feito de improviso, mas é super confortável.


Preparei-me para me deitar, vesti apenas uma t-shirt mais larga, uma vez que estava imenso calor. 
Deitei-me sobre os lençóis ficando apenas a tentar digerir tudo o que tinha acontecido hoje. Estava mesmo quase a dormir quando o meu telemóvel dá sinal de mensagem.
Peguei nele e abri-a. 

DE: Príncipe
Dorme bem minha Cinderela. Poderei passar no café da tua família para tomar o meu pequeno-almoço?

Não pensei duas vezes e respondi-lhe à mensagem: 

PARA: Príncipe
Tu podes fazer o que te apetecer amanhã de manhã. Depois tens é de estar preparado para todos os cenários. Dorme bem. Besos. 

Coloquei o telemóvel na mesinha e virei-me para o outro lado. O telemóvel ainda deu sinal de mensagem, mas queria mesmo dormir e nem vi o que era. 

No dia seguinte: 
Acordei ligeiramente mal disposta...sentia-me prestes a vomitar a qualquer momento e com umas dores de barriga horríveis. Mesmo assim, levantei-me, tomei um duche quente, com a esperança de que iria melhorar. Vesti-me e desci até à cozinha para acompanhar o pequeno-almoço dos meus pais: 


- Bom dia! - cumprimentei-os aos dois e sentei-me à mesa, pegando no jarro de sumo, colocando um pouco no copo para, ao menos, beber algo. 
- Bom dia filha - disse o meu pai pregado ao jornal desportivo.
- Não vais comer nada Ania? - perguntou a minha mãe. 
- Estou mal disposta...
- Outra vez querida? - não era a primeira vez que isto acontecia esta semana. 
- Pois...parece que sim. Temos de ir para o café.
- Queres ficar cá em casa?
- Não, eu vou. Isto passa. 
A minha mãe terminou o pequeno-almoço dela, despedimos-nos do meu pai e fomos para o café. Preparamos tudo para quando começassem a chegar os clientes. 
Em vez de melhorar...só estava cada vez pior. Sentia-me ainda mais cansada do que o normal, mais mal humorada. 
- Ania, devias ir para casa, ou então beber um chá.
- Mãe...não consigo sequer pensar em cheiros ou comida. 
- Ania...sê sincera comigo.
- Porque?
- Apareceu-te o período?
- Claro mãe. Mas porque?
- Parece que estás com sintomas de grávida...e...com o que te aconteceu. 
- Achas que estou grávida? Não mãe, não - desfiz-me em lágrimas e a minha mãe abraçou-me. 
- Ania...tem calma. O que te aconteceu foi horrível eu sei, mas...pode muito bem ter tido mais consequências.
- Uma gravidez de um nojento? Ele é que fez a merda e eu é que tenho de sofrer com tudo?
- Ania tem calma filha.
- Mãe! Como é que é possível ter calma se o que me estás a querer dizer é que posso estar grávida do porco que me violou? - eu gritava com a minha mãe...não por ela ter alguma culpa, mas por me estar a sentir suja, horrível, usada...
- Ania...filha...
- Oh mãe...eu só queria que aquela noite não tivesse acontecido!
- Eu sei querida, eu sei! Mas aconteceu e tu parecias estar bem.
- Eu estava...mas poder estar grávida...
- Temos de ter as certezas. E tens de te acalmar. Estar nesse estado não te faz bem. Vou fazer-te um chá.

Ortencia - mãe de Ania:
Ver a minha filha na angustia que está é a pior coisa que me podem fazer. A Ania foi violada à dois meses, na primeira vez que foi a uma discoteca no sitio onde ficava a faculdade dela. Passou uns tempo horríveis e foi um processo difícil, mas ela tem andado bem e este Marcos só veio provar que ela estava mesmo estável. 
Podemos estar a fazer filmes onde não existem, mas também pode ser tudo verdade.
Fiz-lhe o chá, ela bebeu-o e passado algum tempo piorou ainda mais. Contorcia-se com dores abdominais. A nossa sorte era não termos muitos clientes. Ela estava na cozinha sentada num banco. 
Estava a tentar perceber como ela se sentia quando entra no café o tal Marcos.
- Bom dia senhora Gottardi. 
- Bom dia.
- Era...um café e uma torrada por favor. 
- É para já - saberia ele que a Ania estaria ali? Fiz a torrada para o rapaz e servi-lha, juntamente com o café.
Ele olhava-me e parecia querer falar ou perguntar algo. 
- Queres perguntar-me alguma coisa? - inquiri. 
- A Ania não está a trabalhar consigo?
- Ela está lá dentro só que não se está a sentir muito bem.
- Como assim?
- Está mal disposta e com umas dores abdominais. Podes olhar só pelas coisas enquanto vou ver dela?
- Claro.
- Obrigada - entrei na cozinha e ela estava toda suada, a contorcer-se e a chorar - filha, como é que te sentes?
- Mãe! Dói tanto!
- Vamos ao hospital, eu fecho o café e vamos porque temos de ver o que se passa. 
- Oh mãe...
- Espera, eu vou falar com os clientes e já te venho buscar - sai da cozinha e olhei para o Marcos - eu tenho de ir com ela para o hospital e tenho de fechar o café. 
- Quer que vá com ela?
- Fazias isso? Eu vou logo atrás de vocês, é o tempo de fechar o café. Esperava até fazê lo, mas ela está muito mal. 
- Claro - ele retirou a carteira do bolso, pronto para pagar a conta.
- Marcos, deixa isso. Ajuda-me a levar a Ania até ao teu carro. 
- Com certeza. 
Fui até à cozinha e ajudei-a a levantar-se, trouxe-a até ao balcão, onde já estava o Marcos. 
- O que é que estás aqui a fazer? - perguntou ela, surpreendida por vê-lo.
- Eu disse que vinha tomar o pequeno-almoço. 
- E agora vai levar-te para o hospital.
- Não! Mãe...eu quero-te a ti! 
- Eu vou logo atrás de vocês meu amor, é só o tempo de fechar o café. 
- Mãe...
- Filha, tens de ir - ela ficou reticente em relação a avançar para o Marcos, mas ele pegou nela ao colo, antes de ter tempo de alguma coisa. Fui com eles até ao carro e coloquei a mala dela junto do Marcos. 
- Levo-a para que hospital? - perguntou o rapaz, depois de a deitar nos bancos traseiros.
- Leva-a para onde vocês costumam ir, é lá que está o médico dela.
- Com certeza.
- Eu vou já ter com vocês.
- Fique descansada que eu tomo conta dela.
O Marcos meteu-se no lugar do condutor e partiu em direcção do hospital. Fiquei com o coração nas mãos, mas voltei para dentro do café para despachar tudo o que tinha a fazer.

Marcos:
Era horrível ver o sofrimento em que a Ania estava. Ela gritava com dores, chamava pela mãe, pelo pai, por mim, e chorava. Era completamente penoso ouvir o sofrimento dela, sentir que ela estava em completo sofrimento. 
Chegámos ao hospital o mais depressa que consegui. Abri a porta das traseiras e peguei na Ania ao colo, levando-a para as urgências. Assim que me viu, uma enfermeira chegou perto de nós:
- Que se passa?
- Ela está a queixar-se com dores na parte do abdómen e sentia-se mal disposta. 
- Traga-a até à maca - fiz o que a enfermeira me disse e ela levou-a para a sala de observação.
- Importa-se de me acompanhar? - perguntou uma outra enfermeira ou recepcionista - tem de preencher os dados da sua namorada.
- Talvez não seja a pessoa indicada...mas a mãe dela vem a caminho.
- Não tem documentos dela?
- Tenho.
- Então preencha o que sabe.
- Com certeza. 
A senhora deu-me os formulários e eu preenchi o que podia saber com os documentos que a Ania tinha na carteira. 
Entretanto chegou a mãe dela:
- Onde é que ela está?
- Foi para a sala de observação com uma enfermeira. Pediram-me foi que preenche-se estes papeis.
- Eu ajudo - nisto, somos abordados pela enfermeira que tinha levado a Ania.
- Foi o senhor que trouxe a Ania?
- Sim, sim. 
- Eu sou a mãe. 
- Há alguma hipótese de ela estar grávida? - grávida!? A Ania!?
- Sim...ela disse-me que tinha andado com a menstruação, mas é possível, sim. 
- E sabe dizer-me de mais ou menos quanto tempo?
- Dois meses...a última vez que a Ania teve relações foi à dois meses. 
- A senhora tem a certeza? Eu não quero estar a duvidar da sua palavra, mas precisamos de ter a certeza para saber que tipo de exames fazer.
- Tenho. Ela foi violada à dois meses e desde então que nunca mais se envolveu com ninguém - continuaram as duas a falar, mas eu perdi-me. 
A Ania...tinha sido violada. Pode estar grávida...e se está neste estado...algo mau está a acontecer-lhe.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

5 - "Temos uma cena?"

Ter este momento com o Marcos deixou-me completamente nas nuvens e com um sentimento estranho dentro de mim. Podem não haver palavras para o momento...porque poderiam ser ditas sem nexo nenhum e, verdade seja dita, com o meu jeito para discursos o mais provável seria que saísse qualquer coisa demasiado infantil e ele pensasse que eu sou viciada na Disney. O nosso beijo foi fogoso mas calmo, teve o sentimento certo mas há a falta de descrição do mesmo. E...esta coisa que mais parece que me vou desmontar toda. A cena de estar com as dores ou melhor, as verdadeiras borboletas na barriga...o que é isto? O que é que é isto que se está a passar comigo? Eu...não me apaixonei assim...do nada.
Na falta de palavras, existiam actos. O Marcos olhava-me com os olhos mais meigos, sinceros e brilhantes que alguma vez tinha visto e eu...passeava as minhas mãos pelos braços e pelas costas largas dele. 
Todo o tronco do Marcos era definido, é forte e segura-me, no colo dele, como se eu fosse uma pena. Simplesmente nem se mexe, colocou só as suas mãos no fundo das minhas costas e olha-me.
- Que é isto? - perguntei.
- Isto o que?
- A nossa cena...
- Temos uma cena?
- Parece que sim ou é da minha cabeça?
- Não, não é da tua cabeça. Mas ainda não tem nome a nossa cena.
- E será que algum dia terá?
- Se formos os dois a querer a probabilidade é maior. 
- Mesmo com aquele obstáculo pelo meio?
- O teu pai?
- Sim...
- Eu conheço o teu pai há algum tempo, e ele conhece-me a mim. Sabe perfeitamente como penso e o que quero da vida. Sei também que ele te ama e acima de tudo quer que sejas feliz. Por isso...se eu e tu for alguma coisa a sério...ele acabará por aceitar. 
- Não é assim tão simples Marcos... - sai do colo dele e comecei a dirigir-me para a beira-mar. Pouco tempo depois já ele estava a meu lado - vai ser complicado para ele aceitar que haja um nós.
- Porque?
- Porque és jogador de futebol...o meu futuro pode não ser aqui na Argentina e ele não aceita isso. Deixou muito bem claro numa saída que teve ao dizer-me que se arranja-se um namorado jogador de futebol tinha de estar em fim de carreira.
- Não tinha noção...
- Se...nós...tivermos alguma coisa terá de ser pensada, não pode ser uma coisa do momento. Eu gosto imenso de estar contigo, mas teríamos de ter os nossos momentos primeiro e só depois confrontar o meu pai quando tivéssemos a certeza.
- Estou disposto a isso.
- E depois...vais estar disposto a confrontar o meu pai?
- Se isso significar que existirá um nós...sim. Eu quero mesmo conhecer-te bem. Tu és querida e fazer com que o lado mais futurista de mim venha ao de cima. 
- Como assim? - parámos os dois e ficámos a olhar o mar. Estava sereno, só se ouvir uma onda pequena a rebentar junto dos nossos pés. A lua...essa tornava o negro mais claro e iluminava o céu.
- Fizeste-me reconsiderar tudo o que queria para a minha vida. 
- Só com um cumprimento?
- Foi só isso para ti?
- Não...nunca pensei é que tivesse sido outra coisa para ti.
- Mas foi. Fizeste-me pensar o quão bom pode ser ter alguém a meu lado, o quão pode ser bom ter uma vida com alguém, criar uma família com essa pessoa e ser dependente dela...eu começo a duvidar que sou independente. 
- Hã?
- Não há um momento em que não deseje estar a teu lado... - senti as mãos dele na minha barriga e o queixo dele no meu ombro. O Marcos rodeou-me, puxando-me para ele...como é que era possível? Eu sei...é possível porque foi assim que os meus pais começaram...mas, nunca pensei que fosse acontecer comigo.
- Acho que já bebeste é demais...
- Ania...acabas-te de ouvir o que disseste?
- Ouvi...estás a deixar-me nervosa... - ainda não tínhamos bebido nada. Nem eu nem ele. 
- Nervosa porque?
- Porque estás a dizer essas coisas...e eu não me dou bem com palavras que transbordem sentimentos inexplicáveis.
- É isso que nós somos? Sentimentos inexplicáveis?
- Talvez...nenhum de nós o consegue explicar. 
- Isso é por ser cedo demais...tenho a certeza de que iremos conseguir. Mais cedo do que o que pensamos.
- Como é que consegues?
- O que?
- Falar.
- Estamos ambos a falar.
- Mas tu...Marcos - agarrei nas mãos dele e virei-me para ele, mantendo uma distância entre nós, mas segurava-lhe as suas duas mãos - tu falas de nós com todas as palavras, consegues traze-las cá para fora...e eu não. 
- Um dia irás conseguir...quando te sentires mais à vontade.
- Mas eu estou à vontade. Só...não consigo falar assim.
- Tenho de te dar umas aulas então - ele riu-se e puxou-me para ele. 
- Não sei onde estás a ver a graça.
- Deixei de a ver porque uma rapariga está mesmo na minha frente e é demasiado linda quando comparada com a graça.
- Acho que acabas-te de deixar essa rapariga a pessoa mais envergonhada do Mundo...
- Mesmo assim...só estou a dizer a verdade. E ela, lá no fundo, sabe bem disso. 
- És tão parvo.
- Aprendi nos bocados que tive contigo. 
- Comigo? Duvido...
- Tens razão...contigo foi só a limar umas arestas até ser um parvo perfeito. 
- És mais que isso. 
- Sou?
- Não estás a pensar que te vou dizer, pois não?
- Por acaso até estava a pensar que ias falar.
- Parece que não.
- Eu gostava. 
- Mesmo que fosse uma confusão?
- Sim. 
- Não o consigo fazer com esta proximidade das nossas caras - dei a volta ao Marcos e fiquei com as minhas costas encostadas às dele - assim poderá sair alguma coisa. 
- Estarei aqui a ouvir. 
- Então...para além de parvo perfeito o que é que és? - ele riu-se e eu ganhei alguma confiança para falar tudo de uma vez - és um jogador que dá confiança à defesa do Estudiantes, és uma boca enorme...não em tamanho, quer dizer também, mas o que eu quero dizer com isto da boca grande é que falas o que pensas e dizes o que queres. És querido, parvo, meigo, teimoso, tens a mania que sabes tudo, mas ao mesmo tempo tens noção que há o mundo para descobrir, pelos vistos queres ser um homem de família. És lindo, tens um corpo perfeito, deixas-me petrificada quando me tocas, enlouqueces me quando te mexes. E eu agora não sei como te olhar depois disto, mas...és o homem que um dia sonhei ter quando crescesse.
O som do mar...tinha acalmado ou era o meu coração que fazia mais barulho que as ondas? Só tinha a certeza que o Marcos estava mesmo atrás de mim porque sentia as costas dele nas minhas. Ele não se mexia, nada dizia...não me preocupava porque, sinceramente, queria ter espaço para digerir tudo o que tinha acabado de dizer.
- Se quiseres não olhas para mim... - ele começou a falar, afastando-se de mim - sabes o que eu penso de ti, mas posso acrescentar uma coisa: tu és a pessoa que eu um dia desejei que aparecesse na minha vida. Foi com um olhar, um toque, mas, aposto o que quiseres, que se nos conhecêssemos à mais tempo era impossível sentir-mos o que estamos a sentir.
A mão do Marcos percorreu o meu braço direito até chegar ao meu ombro. Arrepiou-me, não só o facto de ser o toque, mas por ser ele. Ele...o Marcos.
- Podes fechar os olhos? - pedi-lhe.
- Hã?
- Fecha...por favor.
- Já está. 
- Como é que eu sei?
- Deixei de te ver e não estou a suportar esse facto...é bom que te despaches a fazer o que quer que seja - virei-me para ele e...estava de olhos fechados. A lua na pele dele só o iluminava ainda mais. Aproximei-me dele e abracei-o. 
Coloquei a minha cara encostada ao peito dele e rodei-o com os meus braços. No segundo a seguir, senti logo os braços dele em torno da minha cintura e os lábios dele no meu pescoço.
- Queria ver os teus olhos - disse ele ao meu ouvido.
- Neste momento? Eu tenho vergonha Marcos...
- De mim?
- Não é suficiente?
- Se...nós existe, nós não temos de ter vergonha, menina Ania.
- Porque é que me dás sempre a sensação que tens razão?
- Porque a tenho. 
- Não sei se tens.
- Dentro de 5 segundos. 
- O que? - ele afastou a sua cabeça de mim e eu olhei para ele.
- Olhas para mim... - ele sorriu-me.
- Bem...parece que estou mesmo a olhar para ti.
- E há algum mal nisso?
- Há! E um muito grave.
- Qual é?
- É que...agora apetece-me beijar-te... - ia a baixar a cabeça, mas o Marcos surpreende-me ao beijar-me. Foi mais calmo que o primeiro...mas os sentimentos eram mais claros, mais transparentes, para mim. 
Pode parecer uma loucura mas...sim, sim eu sinto qualquer coisa por ele. Sim eu estou apanhadinha por ele. Sim eu quero estar com ele. Sim, sim e sim eu gosto tanto dele!
- Os teus desejos podem passar a ser ordens, basta quereres.
- Tens dúvidas de que não quero?
- Isso és tu a dizeres que és minha?
- Não porque não sou nenhuma cadela para tu andares a passear. 
- Bem! Essa veio de onde?
- Da parte de mim que fica constrangida contigo.
- Então parece que acordou por momentos. 
- Acordou porque não quer ser propriedade de ninguém.
- Nem minha? Olha se eu quiser fazer de ti o meu paraíso, serás só minha e minha. 
- Mas não vais andar para aí a dizer a toda a gente, nem colar um papel na testa a dizer que eu sou tua pois não?
- Isso era um bocado exagerado. Ainda o teu pai descobria.
- E não queremos isso pois não?
- Não!
- Então parece que estamos de acordo.
Caminhámos os dois de volta ao carro...foi automático. Estávamos ali bem, mas parecia que não estávamos bem ao mesmo tempo.
- Que queres fazer? - perguntou ele quando chegámos ao carro.
- Não sei...o meu pai deve estar à minha espera em casa.
- Ele espera por ti sempre que vais sair. 
- Sim...
- Bem...parece que é o que dá seres a única menina. Eu não tenho esse problema já que tenho mais um irmão.
- Tens quantos irmãos?
- A contar comigo somos quatro. 
- A serio?
- Sim, porque?
- A contar comigo somos quatro filhos. Tenho três irmãos mais velhos e eu sou a filha, rapariga, mais nova. 
- És a princesinha da casa portanto.
- Mais que isso...visto que já tenho os meus irmãos todos fora de casa parece que tenho um escudo protector à minha volta.
- Ele é mesmo o Hugo Gottardi pai que aparenta ser?
- Como assim? 
- Protector e super rígido. 
- Descreveste-o na perfeição.
- Sempre estiveste rodeada de homens na tua vida.
- Mas a minha mãe é a mais especial deles todos.
- A serio?
- Sim...acho que por ficar muito tempo com ela em casa quando os meus irmãos iam à bola com o meu pai, fez com que ficássemos muito mais próximas uma da outra.
- Tu estudas, Ania?
- É impressão minha ou chegámos à parte em que estás a tentar saber tudo sobre mim?
- Estamos mesmo nessa parte.
- Sendo assim...deixei a faculdade este ano.
- Então?
- Comecei a trabalhar com a minha mãe no café. Com o meu pai a passar cada vez mais tempo a treinar um monte de avestruzes no Estudiantes, tenho de ajudar. 
- Avestruzes? Tens noção de que o teu pai treina a avestruz do teu namorado e ele não gostou de ouvir isso. 
- Namo...que?