sexta-feira, 11 de julho de 2014

29 - "Com o espelho não digo…mas com uma portuguesa…"

Estar um mês em coma fez com que perdesse várias coisas. O inicio da época do Marcos no Sporting, o fim da gravidez da Valentina e os primeiros dias de vida do pequeno Diego.
O ano de 2012 estava a ser, sem dúvida nenhuma, um ano de mudanças. O Marcos recebeu a proposta do Sporting para jogar no clube nas próximas 3 épocas e, ao mesmo tempo, o Viola também recebeu uma proposta do mesmo clube. Os dois aceitaram e viemos para Portugal. A Valentina engravidou…do pequeno Diego. O bebé nasceu à apenas uma semana, e o que eu dava para ver aquele pequeno rebento do amor lindo dos Valentinos. O que vale é que vivemos em frente uns dos outros, assim quando chegar a casa irei conseguir ver o menino…ser madrinha dele, implica outras responsabilidades.
Já tinha combinado com o Marcos que iria tentar arranjar algum tipo de trabalho por cá…teria de ajudá-lo de alguma maneira nas despesas e, mais do que isso, trabalhar, estar activa e não ser apenas a namorada de um jogador de futebol.
- Daqui a pouco passa cá a minha mãe com a Micaela e o Valentín… - os meus familiares já tinham saído do hospital. As visitas eram repartidas por dois turnos e agora no próximo vinham outras pessoas.
- Quando é que achas que saiu daqui, gordi? – agarrei a mão dele, puxando-o um pouco para junto de mim. Os nossos narizes tocavam-se e sentia a respiração do Marcos misturar-se com a minha.
- Não sei, gorditaos lábios do Marcos tocaram os meus e…estavam diferentes! Os lábios dele estão diferentes, não eram assim à um mês atrás!
- Os teus lábios estão diferentes… - quebrei o beijo, contornando os lábios dele com o dedo indicador da mão direita.
- É…andei a treinar com o espelho lá de casa, Ania.
- Com o espelho não digo…mas com uma portuguesa…
- Estás doida…completamente doida! – ele nada mais disse, já que me beijou – A minha vida este mês tem sido de casa para o hospital, do hospital para os treinos, dos treinos para o hospital e depois, dependendo dos dias, ou ia a casa ou ficava contigo.
- Agora podes descansar…e eu não estava a duvidar de ti. Apenas a certificar-me que não tinhas andado a fazer estragos.
- Seria incapaz de os fazer. 
- Fico completamente descansada em relação a isso – voltei a beijar o Marcos e ficámos ali os dois enquanto não chegava mais ninguém.

- Não podes andar tão depressa, querida – ar fresco, ventinho na cara, apesar de estar chuvoso este dia de Novembro…há ali um sol escondido. Como é bom sair daquele quarto, sair deste hospital. Foi um mês de coma, duas semanas de recuperação…mas finalmente tinha chegado o dia de ir para casa.
- Mãe, eu estou a andar devagarinho… - era a minha mãe, a Carina e o Martín que me vinham buscar. O Marcos estava em estágio com o Sporting na Madeira e já que eles estavam por cá vinham buscar-me. O meu pai e os meus outros irmãos já haviam voltado a La Plata por causa dos trabalhos deles. Agora tinha cá a minha mãe, o Martín e a Romina (já que esses são para ficar mesmo), a Carina e a Micaela que ficam até ao Natal.
- Mas tens de andar mais devagar, Ania. Os médicos avisaram-te que ainda não podes fazer grandes esforços – em vez de uma mãe tinha duas…amo a Carina como se fosse minha tia ou mesmo mãe.
- O carro está já ali, vamos lá que eu quero ir para minha casa – as duas sorriram e continuamos a caminhar até ao carro, onde estava encostado o Martín.
Depois de cumprimentar o meu irmão entrámos no carro e ele conduziu até casa. Percebi que já estava habituado ao caminho e que ia falando muito animado quando passamos por certos sítios que eu ainda não conhecia. Chegados a casa…as saudades que eu tinha do meu cantinho, do pequeno reino que eu e o Marcos estamos a construir.
É certo que quem escolheu a casa foi o antigo agente dele e nós quando chegamos já tínhamos o sitio escolhido, mas é, de facto, a nossa cara, a nossa casa, o nosso lar. Está decorado à nossa maneira e sentimo-nos realmente felizes aqui.
- A Valentina está cá? – Ainda não tinha saído do sofá para lado nenhum e já estava a ficar cansada de não ter nada para fazer (já tinha visto as noticias todas sobre o Marcos e o que ele andava a fazer no Sporting, já tinha actualizado as redes sociais e já tinha resolvido assuntos como escolher o jantar de hoje). Precisava de a ver…ela ia lá ao hospital, mas poucas vezes por causa do Diego…e quero tanto ver o bebé deles!
- É capaz de estar sim, queres que vá ver? – Perguntou a Romina, ela estava ao pé de mim assim como o Martín que respondia a alguns emails. A minha mãe e a Carina estavam na cozinha, preparando o jantar.
- Não, deixa. Eu ligo-lhe, quero-vos ao pé de mim – sim…estou necessitada de mimo, de companhia…ando a aproveitá-los a todos da melhor maneira.
Peguei no telemóvel iniciando a chamada com a Valentina.
- Ania, princesa! Como estás, sempre tiveste alta?
- Olá Vali. Eu estou bem e sim…já estou em casa!
- Oh meu Deus isso é tão bom! Vou já, já aí com o Diego! Ele tem de conhecer a tia! A Valentina estava feliz, eu percebia isso.
- Então jantas cá. Estás sozinha, certo?
- Sim…o Vi anda lá na Madeira.
- Então está decidido, jantas cá connosco e vemos o jogo. Assim estou com vocês e o pequenino habitua-se à tia-madrinha.
- Ania eu não quero dar trabalho…
- Calou. Somos família e a D. Carina adora-te a ti e ao Vi pelo que percebi.
- É verdade sim…e a tua mãe também é muito querida.
- Então venham, vá. Venham ver aqui a doente.
- Cinco minutos! desliguei a chamada mas tinha de avisar a minha mãe.
- Mãe? – chamei por ela, que depressa apareceu na sala.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não…a Valentina, ela vem cá para eu ver o Diego. Não faz mal jantar cá, pois não?
- Claro que não! E voltar a ver o pequeno Valentin é bom.
- Todos dizem que é parecido com o Viola, mas eu acho-o parecido com a Valentina – em fotos já tinha visto o menino e era super parecido com a Valentina…se bem que todos achem que ele é parecido com o Valentín.
Passaram cinco minutos e o som da campainha soou. A Romina levantou-se, indo abrir a porta.
- Buenas noches! – disse a Valentina super animada. Vinha com a babycoque na mão e um saco de bebé ao ombro. Colocou tudo no chão e cumprimentou a Romina. Depois retirou o bebé da babycoque…e aquele momento ficará na minha memória. Via uma Valentina completamente diferente…havia mais brilho nela, mais amor, mais tudo! Aquele bebé era a extensão dos dois…e isso percebia-se – Vamos conhecer a tia, vamos? – Ela começou a caminhar na minha direcção, olhando-me – Estás com boa cara tu.
- Em casa está-se bem…
- Vá, toma lá o gordinho que já pesa – ela colocou o Diego no meu colo, com cuidado, por causa dele e dos meus pontos. Deu-me um beijo na testa e foi cumprimentar o Martín. E eu apenas olhava o Diego…
É, sem dúvida, a cara chapada dos dois. Dá ares a um, a outro e é tão lindinho. Super simpático e percebe-se que é super amado por aqueles dois.
- Não babes o miúdo que não é preciso! – disse o Martín, fazendo com que olhasse para ele e a Valentina.
- É tão lindo, Vali…
- E agora já tem a madrinha para o tornar ainda mais amado e mimado.
- Ai podes ter a certeza que tem!

5 dias depois
Estar em casa e quase recuperada era do melhor. Ter o meu irmão, a minha cunhada e a minha sogrinha, era ainda melhor. Ter o Marcos…era perfeito. Mesmo com os treinos mais intensos, com menos tempo livre…conseguíamos ter momentos só nossos.
Sentia-o estranho nos últimos dias…não estava tão “presente”. O corpo estava, os mimos existiam e faziam-me bem. Mas não era o mesmo Marcos. Aproveitei o facto de estarmos sozinhos em casa para falar com ele.
- Aconteceu alguma coisa, Marcos?
- Porque, Cinderela?
- Sinto-te…diferente.
- Já me conheces…
- Começo a conhecer-te cada vez melhor. O que se passa?
- Ania…é que…os médicos bem…eles esconderam-te uma coisa.
- Eles o que?
- Sim…eles não tinham certezas e não te quiseram contar logo. Então…só quando foste lá ao médico à dois dias…aí é que eles tiveram a certeza.
- Mas…a certeza de que, Marcos? Estás a assustar-me!
- Ania…não quero que te assustes. Quero que saibas que eu estou do teu lado, independentemente do que aconteça. Que não é por causa disto que nos vamos separar…isto ainda nos vai unir mais, eu tenho a certeza.
- Fala de uma vez, carajo!
- Sim, desculpa…mas isto apanhou-me de surpresa e…agora as palavras começam a faltar-me a mim. Não há forma bonita de se dizer…nem forma mais elaborada. Eu tenho de te dizer de uma vez.
- É o melhor…mas fala!
- Não podes ter filhos.
- Não…o que?
- É isso…não podes.

E, de um momento para o outro, o chão foge por baixo dos nossos pés e as lágrimas aparecem como se fossem a única solução.