sábado, 9 de julho de 2016

50º Capitulo: “Eu não sei o que é que se está a passar comigo!”

- Então? – perguntava-me a Iara sentando-se ao meu lado no sofá – vocês…falaram?
- Sim.
- E…correu bem?
- Acho que sim.
- Ok – sabia perfeitamente que ela não estava nada satisfeita com aquelas minhas respostas e que, não tarda nada, estaria a insistir, de novo, com novas perguntas sobre o mesmo assunto.
- Vais dizer-nos como é que correu ou não? – perguntou muito depressa o André. Não estava à espera que ele estivesse a ouvir a conversa. Parecia demasiado concentrado no seu jogo no telemóvel.
- Correu mais ou menos. Ou bem, não sei – dobrei as pernas para o lado, deixando o meu corpo cair sobre as pernas da Iara – nós falámos sobre o que realmente se passa nas nossas vidas. Sobre possíveis soluções mas não é nada certo…precisamos de tempo para voltarmos a ser um casal, com responsabilidades e uma filha. Depois…depois olha beijamo-nos.
- Finalmente! – disse, em tom de euforia, o André acabando mesmo por me fazer rir – eu estava a ver que não chegava essa parte!
- Como se essa parte fosse a mais importante… - comentou muito depressa a Iara – então e…agora?
- Ele amanhã volta cá…acham que podia almoçar connosco? – perguntei-lhes, percebendo que os dois se riram ao mesmo tempo – eu não sei porque é que se estão a rir…
- Porque esta parte agora até tem piada, Ania – sentei-me como deve ser, olhando para os dois – agora é a parte em que vocês vão começar a namoriscar um com o outro – continuou a Iara – a fazerem surpresas, a reconquistarem-se de novo…já sabes, podemos ficar com a Morena sempre que precisarem.
- Mas também na abusem! Sobretudo se for de noite – atirou depressa o André.
- Obrigada pela vossa generosidade…mas vamos com calma. Além do mais…eu também preciso de reconquistar a Morena – admiti.
- A miúda ama-te! Não tem como negar isso…cada vez que ela te vê, aqueles olhinhos ficam enormes.
- Não sei, Iara. Sinto que tenho falhado imenso com a minha filha e, no que puder, quero que ela sinta que também estou a lutar por ela. E não só pela minha relação com o pai.


- Mami – a Morena veio ter comigo à cozinha, com as suas bonecas na mão – podes pôr? – vinha, também, com uns sapatinhos de boneca na mão – a dinha tá na rua.
- Pois está – sequei as minhas mãos, baixando-me para ficar do seu tamanho – a dinha estão a fazer a carne do almoço – no churrasco. E tínhamos deixado as portas fechadas para a Morena não se aventurar lá por fora.
- O papu come cá? – perguntou, entregando-me as bonecas – mesmo? – já lhe tinha dito que o Marcos vinha almoçar connosco e, para meu espanto, deu-me um abraço tão apertado como que a agradecer.
- Vem sim – coloquei os sapatos nas duas bonecas, entregando-lhe – e…qualquer dia, é a mami que vai lá comer a casa, sim?
- O dinho leva-te? Ele disse, um dia, que te levava lá para casa – dei-lhe um beijo na testa, abraçando-a a seguir.
- Pode ser o dinho a levar-me sim – soltei-a, vendo-a correr de volta para a sala. Tinha transformado o meio da sala numa casa de bonecas. Em cada canto havia uma divisão da sua suposta casa e era assim que ela ia brincando.
Continuei a preparar a alface para a salada, perdendo um pouco a noção do tempo.
- É preciso um par de mãos extra? – o voz do Marcos sobressaltou-me, acabando por me fazer rir ao mesmo tempo – estarei a notar um bom humor hoje?
- Um bocado… - olhei-o, reparando que se mantinha junto da porta – podes entrar. Eu, maior parte das vezes, não mordo… - ele riu-se, aproximando-se da bancada da cozinha.
- É bom ver-te assim.
- Vou fazendo o que posso, Marcos – acabei de temperar a salada, olhando-o – a felicidade no rosto da Morena quando lhe disse que almoçávamos todos juntos…é algo que eu quero proporcionar à minha filha. Senti, naquele momento, que a estava a fazer feliz pela primeira vez ao longo destes tempos.
- Isso não é verdade – colocou uma das suas mãos sobre o meu ombro, puxando-me para ele. Abraçou-me, deixando-me super aconchegada nos seus braços – cada manhã que estás com ela, deixas a nossa filha feliz.
- Não da maneira como eu a vi hoje.
- Isso, então, é um passo em frente…
- Espero que sim – senti-o beijar a minha cabeça e acabei por me afastar dele – ora, se tu já estás aqui, o Sr. André também já chegou – peguei na taça da salada, entregando-a ao Marcos – podem, os dois, ir meter a mesa!
- Sim senhora… - ele começou a ir na direção da porta da cozinha – Rojo – ele riu-se, deixando-me sozinha outra vez. Sim. Eu sou Rojo, tal e qual como ele e a minha filha.
Preparei o acompanhamento das carnes, indo também até à sala. Eles, pelo menos, já tinham posto a toalha.
- Estão muito prendados, não haja duvida – disse, colocando a taça do arroz em cima da mesa – é que nem vão ajudar a pobre Iara que está ali ao lume!
- Para nossa defesa, ela disse que não queria ajuda.
- Sim e vocês, em vez de serem amigos e ajudarem na mesma…
- Estás a ralhar connosco ou é impressão minha?
- Não, não é impressão tua André de meia tigela – respondi-lhe, abrindo o móvel da sala – vá, os pratos estão aqui. Ponham, pelo menos, a mesa. Eu vou ajudar a Iara – abri a porta de vidro que separava a sala do jardim, indo ter com a Iara junto do grelhador – eu não me estou a sentir muito bem.
- Então?  ela olhou-me, super preocupada – o que é que se passa?
- Eu não sei. Eu estou nervosa, estou a sentir a minha barriga num turbilhão e estou a suar das mãos…eu não sei o que é que se está a passar comigo!
- Isso são nervos de estar ao pé do Marcos?
- Não! Quer dizer, se calhar – sentei-me em cima da bancada ao lado dela – eu não sei!
- Ania, Ania. Ele é teu marido, por amor de Deus. Vocês já tiveram mais do que um almoço juntos, mais do que um beijo, mais do que cinco minutos de sexo! – ela riu-se – não há motivo para estares assim.
- Eu não sei – olhei para ele através do vidro. Estava a pôr a mesa com o André, enquanto a Morena andava de volta deles com os guardanapos na mão – eu só sei que estou nervosa.
- Não fiques, fofinha – abraçou-me, para depois colocar as suas mãos sobre os meus ombros – sê apenas a pessoa que és neste momento. Ninguém está à espera que sejas a Ania que todos conhecemos, que estejas a 100%. Mas estamos todos à espera dela.
- Vamos ver se ela ainda se lembra de como é viver…


- Obrigada por teres vindo.
- Eu tinha de vir, Marcos. Hoje está a ser o dia em que eu mais me estou a esforçar para ser a vossa Ania. O almoço correu normalmente e, se tu querias vir aqui em família…eu só poderia vir com vocês – estávamos no jardim zoológico. A Morena já tinha vibrado com o espetáculo dos golfinhos, ficou com medo dos macacos saltando do colo do Marcos para o meu. Ele riu-se nesse momento. Provavelmente pensou o mesmo que eu: é safada a rapariga!
- Papu! – ela veio a correr na direção do Marcos, que a pegou ao colo. Ele ficou, apenas, abraçado a ela, com os olhos fechados e, de certeza, que a estava a cheirar. Desde os primeiros dias da Morena que o Marco a cheira a cada vez que a tem no seu colo – num há patos! – tínhamos parado junto do espaço dos patos e ela já tinha feito uma corrida a tentar ver algum mas, pelos vistos, sem sucesso.
- Se calhar os patinhos estão a dormir – disse-lhe, aproximando-me deles – podemos ir ver as girafas, se quiseres – coloquei a minha mão nas costas dela, sentindo a mão que o Marcos também tinha nas costas da Morena em cima da minha.
- Não podemos ir ver os fofinhos? – tanto eu como o Marcos nos rimos os dois ao mesmo tempo. Ela ficou meio chateada mas acabou por se rir também.
- Os golfinhos agora também estão a dormir – disse-lhe o Marcos.
- Então mas tá tudo a domir?
- Não! Há por aí muitos acordados, anda – chamei-a para o meu colo e ela depressa se esticou na minha direção – vamos ver os que estão acordados.
- Ainda não tiramos foto! – disse ela muito depressa, fazendo com que o Marcos se risse.
- Ela adora fotos, como já deves ter percebido…e não faço ideia a quem é que ela foi buscar esse gosto – só me consegui rir. Sabia que o Marcos se estava a referir a mim.
- Vamos lá a uma foto! – sentei-a em cima do separador que havia entre o público e o lago dos patos – arranja aí alguém que tire a foto – disse, olhando para o Marcos – se há foto, é foto de família.
- Muito bem! – ele lá arranjou um senhor do jardim zoológico que se disponibilizou a tirar a foto. Em passo apressado veio na nossa direção, colocando-se ao lado da Morena. Passou o seu braço por trás dela, deixando a sua mão entre o meu corpo e o da menina – vamos a isto! – percebi que o senhor tinha tirado mais do que uma e, depois de lhe agradecermos, retomamos o nosso caminho.
A Morena ia no carrinho dela, eu levava-o enquanto o Marcos caminhava a meu lado.
- Já que estamos num dia cheio de Ania… - rimo-nos os dois e acabei por olhá-lo – achas que a Ania pode jantar connosco? Lá em casa e só os três?
- Acho que o marido da Ania quer que ela fique é lá em casa…mas Marcos – ele colocou a sua mão em cima da minha que ia em cima do carrinho da Morena.
- Eu não quero nada que tu não queiras. Se tu não quiseres ir, eu também não quero. Não te posso deixar desconfortável nem coisa parecida.
- Obrigada… - o telemóvel dele começou a tocar e acabou por tirar a sua mão de cima da minha para atender a chamada.
- Hum…é a tua mãe – ele levou o telemóvel ao ouvido – Ortencia? Como está? – ele lá foi falando com ela e ia rindo. Acabamos por parar junto das girafas e coloquei-me baixa, junto do carrinho da Morena, para puder ir falando com ela – parece que vamos ter um jantar juntos mesmo – olhei-o assim que ele disse aquilo – a tua mãe chegou a Lisboa. Aliás, ela está à porta de nossa casa.
- Wow. Calma lá – coloquei-me de pé, meio atordoada naquele momento – como assim?
- Ela disse que já te tinha dito que vinha cá…
- Sim. Mas não disse quando!
- Foi agora…
- E…veio só ela?
- Não – pelo tom de voz do Marcos só poderia ser uma pessoa a vir com ela – o Lucas veio com ela.
- Era só isso que me faltava – ele tinha conseguido pagar a fiança e a indemnização à sua outra vitima e estava em liberdade – porque é que ela veio com ele? Não sabia vir sozinha? Ou com o meu pai? O meu pai! Eu preferia mil vezes o meu pai – o Marcos puxou-me para ele, dando-me um beijo na testa – eu não consigo olhar para ele. Não depois de ele ter feito o que me fez a outra pessoa. A minha mãe sabe disso! Como é que ela foi capaz?
- Tem calma, gordita – passou com as suas mãos pelas minhas costas, aconchegando-me nos seus braços – isto, se calhar, é o melhor – ele afastou-me um pouco dele, levando as suas mãos ao meu pescoço de forma a que o olhasse – pode ser a tua oportunidade de, finalmente, fechar esse capítulo. De lhe dizeres tudo o que sentes e o que ainda não tiveste coragem de dizer.
- Eu não consigo.
- Já provaste que és capaz de imensas coisas. Só o farás se te sentires à vontade, se sentires que é isso que queres fazer. Mas era bom. Por vocês, por ti…hoje poderá, muito bem, ser o dia do teu recomeço – se calhar ele tinha razão. Se calhar o Marcos sempre me conheceu melhor a mim do que eu me conheço a mim própria. Se calhar ele sempre me ensinou como eu poderia ser a pessoa que quero ser.


- Avó! – assim que coloquei a Morena no chão só a vi correr na direção da minha mãe.
- Oh minha gordinha! – pegou nela ao colo e, depois de ajudar o Marcos a retirar as coisas dela do carro, encaminhamo-nos os dois até à porta de casa.
O meu irmão está diferente. Muito mais magro, com um ar cabisbaixo, sem qualquer tipo de emoção naquela cara. Caminhei um pouco mais atrás do Marcos. Como sempre, cumprimentou a minha mãe com um abraço e, surpreendentemente, deu um aperto de mão ao Lucas. Ele só o fez quando o conheceu, quando ainda não sabíamos de tudo o que tinha acontecido. Eu não o conseguia fazer. Cumprimentei só a minha mãe, colocando-me logo ao lado do Marcos.
- Não esperava que viesses…acompanhada – acabei por dizer, rodeando a cintura do Marcos com os meus braços. Precisava de o sentir, de o ter pertinho de mim como sempre acontecia.
- O Lucas quis vir… - pela cara, a voz e a frase da minha mãe deu logo para perceber que ela também não estava a gostar da ideia de ele aqui estar.
- Podemos, então, entrar… - disse o Marcos e acabamos por ir os dois até à porta e ele abriu-a – fiquem à vontade – a minha mãe e o Lucas sentaram-se no sofá e, claro, a Morena não aguentou nem dois segundos ao colo da avó – querem algo para comer ou beber? A viagem foi longa…
- Eu aceito um copo de água, querido – o Marcos colocou a sua mão sobre o ombro da minha mãe e olhava o Lucas.
- Queres alguma coisa?
- Não, não obrigado – só naquele momento é que o Lucas tinha retirado o seu olhar do chão. O Marcos assentiu com a cabeça, indo até à cozinha.
- Eu vou só dizer-lhe para fazer qualquer coisa para a Morena, sim?
- Claro. Eu fico de olho nela, não te preocupes – saí da sala, correndo na direção da cozinha.
- Eu não consigo ficar ali sozinha – ele olhou-me…a chorar? – Marcos…
- Não é nada – limpou depressa as lágrimas que lhe escorriam pela cara.
- Como não é nada? – aproximei-me dele, levando as minhas mãos à sua face – tu… - as lágrimas tinham parado de escorrer, mas ele tinha os olhos demasiado baços – eu assim vou chorar também. O que é que se passa, gordi?
- Olha, eu sinto-me mal. Por mais que ele seja da tua família, que eu tente agir bem com ele…mata-me por dentro fazê-lo. Desde o momento em que soubemos…o que soubemos que eu tenho vontade de lhe dar um murro. Tenho vontade de o fazer sofrer como tu sofreste…
- Não, não tens Marcos – era a primeira vez que ele me dizia algo deste género – tu não és assim – eu sabia que ele tinha essa vontade. Dá para perceber isso, neste momento, nos seus olhos – eu percebo que sintas isso e, se eu tiver a mesma vontade, posso sempre pedir-te ajuda – ele sorriu, dando-me um beijo na testa – mas tem calma. Não precisas de ser simpático com ele…podes ignorá-lo, não lhe ligar nenhuma…mas não fiques assim, por favor.
- Desculpa.
- Não me peças desculpa, tonto – coloquei a minha cabeça sobre o peito dele – obrigada, Marcos. Por nunca desistires de mim e estares a ser o que és neste momento.
- No bom e no mau, na saúde e na doença.
- Até que a morte nos separe – olhei-o, não resistindo e juntei os meus lábios com os dele.

Não sei o que me esperam as próximas horas deste dia. Não sei se vou ter de enfrentar o meu irmão, se será ele a falar comigo. Não sei como reagir caso haja essa conversa. Apenas sei que hoje, hoje voltei a ser a Ania que o Marcos e a Morena precisam que eu seja. 


Olá a todas! 
Quase dois meses depois cá estou eu de volta com um capítulo! Sei que não tenho trazido capítulos com regularidade a esta história, mas espero que não tenham desistido dela. 
Fico à espera dos vossos comentários com as vossas opiniões! 
Beijinhos, 
Ana Patrícia.