quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

37º Capitulo: “Isso vai colocar em risco a vida do menos desenvolvido…”

- Puto tu acabaste de arranjar sarilhos dos grandes! – Marcos alertava, naquele momento, André para o que tinha acabado de fazer.
- Temos de tirar daqui a almofada – André tinha entornado um pouco de tequila em cima de uma das almofadas do sofá de casa de Marcos e Ania. Era o dia do aniversário de Marcos, cumpria 23 anos e Ania, juntamente com a família dele, tinha organizado uma pequena festa. Estavam presentes grande parte dos companheiros de equipa de Marcos, a sua família e o sol já se tinha posto.
- Achas mesmo que a Ania não repara que desapareceu uma almofada?
- Puto ela vai começar a mandar vir comigo!
- Quem é que vai mandar vir contigo? –
Perguntou Ania ao chegar à sala com Iara. Vinham da cozinha com dois pratos com alguns aperitivos. Marcos, Capel, Insúa, Cédric, Rui Patrício e André Martins, Carina, Noelia, Micaela, Solange e Franco riram-se todos com aquela pergunta de Ania. André sentou-se em cima da almofada, para disfarçar o que tinha acontecido.
- O que é que tu fizeste? – Inquiriu Iara, desconfiando da cara suspeita de André.
- Eu não fiz nada! Putos, vocês viram alguma coisa? – André olhou para todos, percebendo que não ia conseguir ter o apoio deles já que ainda se riram mais da situação – Obrigado, a sério. Vocês são uns queridos, não haja dúvida.
- Partiste alguma coisa? –
Ania olhou à sua volta, reparando que todas as molduras e jarras estavam no mesmo sítio.
- Cunhada emprestada, estás grávida de dois seres magníficos, não te chateies comigo.
- André Carrillo…
- Foi só a almofada… -
André retirou a almofada debaixo do rabo dele, mostrando-a a Ania – eu mando limpar, na lavandaria mais cara de todas se for preciso, mas não te enerves nem me chames nomes.
- É só uma almofada, por favor. Menos!
- A sério que não estás chateada? –
André atirou a almofada para trás do sofá, olhando seriamente para Ania que se sentava no sofá.
- Desde que a leves para lavar e não faças mais asneiras hoje…
- O teu marido já estava a dizer que eu tinha arranjado sarilhos dos grandes!

- Eu estou bem-disposta, não há problemas.
- Estás com sorte. Se calhar, se fosse eu, ela mandava vir comigo! –
Atirou Marcos, gerando uma nova gargalhada entre todos.
Mais do que simples amigos, todos aqueles que estavam presentes naquele momento estavam ligados ao casal como se de família se tratasse. Estava a família de Marcos presente, também, garantindo que Ania não abusava nos preparativos da festa e durante o tempo em que Marcos estava nos treinos.
Marcos tinha saído, por alguns minutos, até ao jardim da casa. Ania estranhou aquela atitude do marido, indo atrás dele. Marcos estava sentado numa das cadeiras junto da piscina, olhava a água calma e limpa que tinha na sua frente, segurava o copo meio cheio de uma bebida qualquer e pensava. Ania sabia que ele estava pensativo demais naquele dia. Não sabia, ainda, era o porquê.
- Um beijo pelos teus pensamentos – Ania chegou perto de Marcos, deu-lhe um beijo na bochecha e sentou-se na cadeira ao lado da dele.
- Estava a pensar no quanto tudo mudou desde o meu ultimo aniversário.
- O que é mudou? –
Ania sabia, melhor que ninguém, o que é que tinha mudado. Mas gostava de o ouvir falar, de ouvir as reflexões que Marcos fazia quando pensava em mudanças.
- Deixámos de estar em Moscovo para estarmos em Lisboa, deixei um clube onde eu não me consegui adaptar para estar num clube como se fosse uma família, deixámos de ser os dois…e vamos ser quatro dentro de seis meses – Marcos olhou para Ania, dando-lhe a mão – casámos, estamos felizes e eu não poderia pedir mais da minha vida. Aliás, eu não conseguiria imaginar a minha vida de outra maneira, neste momento. Já não me imagino fora deste país e do clube, não me imagino sem ter esta casa maravilhosa cheia de gente do bem, gente que tem um lugar importante na minha vida. Não imagino a minha vida sem estar contigo, sem estarmos casados, sem sermos pais. Eu ainda tenho sonhos e tu, melhor que ninguém, sabes quais são.
- Podes voltar a dizê-los…

- Tu estás naqueles dias em que estás super bem-disposta e alterada das hormonas? Onde me queres ouvir e começar a chorar pelo meio?
- Estou nesses dias, estou –
Marcos aproximou-se de Ania, dando-lhe um curto beijo nos lábios.
- Então, eu quero ser pai e garantir que eles estão bem, que nada lhes faltará a eles, nem a mãe deles; quero conquistar títulos no Sporting; afirmar o meu lugar na selecção principal do nosso país; receber amor da melhor mulher do Mundo e dar-lhe o mesmo amor, ou mais ainda; quero ser feliz contigo do meu lado – Ania deixou escapar as primeiras lágrimas que Marcos, depressa, as limpou sorrindo – quero limpar cada lágrima que cair por essas bochechas lindas, quero ver-te rir à gargalhada quando estás com a Iara ou quando te faço cócegas, quero ver-te cuidar dos nossos filhos, educá-los à nossa maneira e amá-los com o nosso amor. É pedir muito?
- Não…é pedir as coisas mais lindas do Mundo, meu amor –
Ania rodeou o pescoço de Marcos com os seus braços, beijando-o.
- Oh seus apaixonados de meia tigela – André…chegas sempre na hora certa, com as palavras certas! Marcos riu-se e os dois olharam para André – há pessoal lá dentro que quer ir embora e despedir-se de vocês. Não se preocupem, eu pretendo dormir cá hoje.
- Sim, com a quantidade de bebida que já ingeriste o melhor mesmo é ficarem por cá! –
comentou Ania.
- Fica sabendo que nem bebi assim tanto, ainda sei que me chamo André Martín Carrillo Diaz e que a minha namorada é a Iara e vocês dois são casados com comunhão de bens.
- Este se não nascesse tinha de ser inventado – disse, num tom mais baixo, Marcos.
Os dois levantaram-se e foram atrás de Carrillo para se despedirem daqueles que iam embora.



- Podíamos fazer um jogo, oh meninos! – Dizia André sentado ao fundo da cama de Ania e Marcos.
- Marcos, a sério, ou tu o tiras daqui ou dormem os dois juntos e eu com a Iara!
- Oh cunhada, eu não tenho sono.
- Olha, ainda não tinha percebido essa –
Ania sentou-se na cama, olhando para André – que mal é que eu te fiz?
- Nenhum, porquê cunhada?
- Porque eu quero dormir! E tu estás aí sentado à dez minutos a dizer que queres fazer um jogo!
- A Iara já está a dormir e rejeita-me! Só me restam vocês.
- Não, nem penses. Resta-te dormir, fazer um jogo com a tua mão ou até mesmo ir ver as estrelas lá fora. Mas, por favor, deixa-me dormir –
Ania voltou a deitar-se, olhando para Marcos – vai com ele até lá fora e afoga-o na piscina!
- És mesmo má, Ania! –
disse André, levantando-se da cama. Marcos deu um beijo na testa de Ania levantando-se também. Foi com André até ao quarto onde Iara dormia. Tinha de fazer com que ele acabasse por ficar ali sossegado.
- Puto, a sério, dorme. Amanhã temos treino, elas estão cansadas e não há jogos para ninguém.
- Desmancha-prazeres. Estás a ficar velho, os teus filhinhos vão querer andar comigo a brincar porque vão dizer que tu és chato.
- Sim André, e tu vais dizer boa noite e dormir antes que te bata! –
Disse Iara, acendendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira.
- Vês? Acordaste a tua namorada, agora arranja-te sozinho. Boa noite, Iara.
- Boa noite, Marcos –
Marcos saiu do quarto deles, indo até ao seu.
- Então?
- Está deitado, acordou a Iara e cheira-me que ela ainda lhe vai bater –
Marcos deitou-se ao lado de Ania, aconchegando-a nos seus braços – agora podes dormir, sossegadinha que ele já não chateia.
- Tens amigos muito chatos, sem dúvida. Aquele André, então. Que coisa mais chata, meu Deus.
- Sim, eu sei que gostas dele.

Ania não lhe respondeu e aproveitou o silêncio que ficou naquele quarto para se deixar adormecer. O contrário acontecia no quarto de Iara e André. Ainda foram precisas algumas palavras menos bonitas para que André conseguisse calar-se.
- Vês como ficas tão bem assim calado?
- Negaste jogar comigo, ter relações sexuais e dar beijinhos. Depois não te queixes! –
André virou as costas a Iara que se riu sozinha. Aproximou-se dele, apalpando-lhe um rabo – não penses que me seduzes assim, estou de greve.
- Então dorme seu chato.
- Juro que devia ganhar um prémio de honra por ser tão bom para as mulheres.
- Sobretudo quando elas querem dormir e tu jogar. Já agora, que jogo querias tu fazer?
- Não sei.
- Não sabes?
- Não. Eu só queria mesmo ficar acordado, não tenho sono.
- André, isso já é o álcool a falar por ti. Dorme –
Iara encostou a sua cara às costas de André, pensando para si mesma que ele ainda lhe iria responder. Tal não aconteceu e a respiração de André tornou-se mais pesada. Adormeceu. – E querias tu ficar acordado…santa paciência – riu-se sozinha, apagando a luz do candeeiro. Finalmente estava sossegada naquele quarto, sem André a chatear com a vontade louca de se manter acordado.



- Sabem…é um caso pouco falado mas que várias grávidas, de gémeos, sofrem. A síndrome feto-fetal é desconhecida na maioria das pessoas mas, infelizmente, acabou de se tornar conhecido para vocês.
- Mas…não há maneira de resolver tudo? –
Perguntou Marcos já que Ania não se sentia capaz de tal coisa.
- Podemos tentar uma cirurgia a laser para interromper a circulação do sangue entre as bolsas. Preciso de vos explicar isto bem para não terem quaisquer dúvidas. Os fetos estão a desenvolver-se na mesma placenta, alimentando-se do mesmo tipo de sangue, nutrientes e tudo mais. Mas estão em bolsas diferentes – à medida que ia falando, o médico fazia um desenho no papel para explicar todo o procedimento – o que acontece neste momento é que o feto que está menos desenvolvido passou a ser dador de sangue do outro, por assim dizer. O sangue que ele recebe para ele é transferido para o outro impedindo-o de se desenvolver.
- E esse cirurgia ia fazer o que?
- Ia interromper essa transmissão do sangue, fazendo com que passassem a depender de si mesmo.
- Isso vai colocar em risco a vida do menos desenvolvido… -
Ania falou pela primeira vez, apercebendo-se da situação.
- Vai. Porque está muito menos desenvolvido que o outro. Sei que, aos seis meses de gestação, não estavam à espera deste choque mas temos de decidir o quanto antes o que fazer. Se prolongarmos muito a situação podem ficar as duas em risco.
- Vamos fazer a cirurgia… -
Ania olhou para Marcos que lhe segurou na mão.
- Sim. Vamos, quando?
- Não a podemos fazer em Portugal. Não temos os equipamentos necessários para os fazer e o mais próximo de nós está em Londres.
- Isso não é problema. Marque a cirurgia que nós vamos até lá.

- Vocês tem de consciencializar-se que…podem perder uma das bebés – Ania apertou a mão de Marcos. Não podia colocar aquela hipótese naquela altura, tinha as suas filhas na sua barriga, uma mais pequena que a outra, uma mais frágil que a outra mas não podia colocar a hipótese de perder uma delas. Eram meninas, duas meninas que estavam a crescer dentro de si.



- Vai correr tudo bem, meu amor – garantiu Marcos, ao despedir-se de Ania no quarto do hospital. Estava na hora da cirurgia, estavam em Londres e tudo se iria decidir naquele momento. O médico deles tinha deslocando-se até Londres para os acompanhar e ia estar na sala de operações com Ania. Enquanto isso acontecia, Marcos esperava na sala de espera.
Uma. Duas. Duas horas e meia passaram desde que Ania entrou no bloco operatório. Duas horas e meia onde Marcos não soube o que fazer. Viu o médico chegar à sala de espera e aproximou-se dele na ânsia de saber como é que tinha corrido a cirurgia.
- Então, doutor? Como é que elas estão?
- A Ania está bem, a nível físico –
Oh não…não, não, não! – Marcos, quando se iniciou a cirurgia, percebemos que só havia um coração a bater. Eu sinto muito, mas chegámos tarde demais para salvar as duas.
- Não, por favor, não me diga isso –
Marcos levou as suas mãos até à cabeça, cambaleando de um lado para o outro. As lágrimas caiam grossas pela sua cara, as suas pernas tremiam e o coração parecia querer desaparecer do seu peito.
- Marcos, eu sinto muito. Mas tem uma filha a desenvolver-se muito bem, os exames indicam que ela esteja saudável e possivelmente não terá nenhum problema de saúde quando nascer.
- Eu posso ir ver a Ania?
- Espera mais alguns minutos. Ela ainda não foi transferida para o quarto. Posso fazer alguma coisa por ti?
- Não. Mas muito obrigada por tudo, doutor.
- Não precisas de me agradecer –
num gesto de amparo, o médico abraçou Marcos que não conseguia pensar em nada. Era como se tivesse ficado vazio.
Deixou-se ficar naquela sala de espera enquanto não podia ver Ania. Mil e uma coisas lhe passaram pela cabeça.


- Tu prometeste que eu escolhia o nome se fosse menina!
- Mas são duas, Marcos. Tu escolhes uma, eu escolho outra.
- Não acho isso justo.
- Vá, escolhe então tu. Mas eu tenho de gostar.
- Arya e Morena.
- Seremos dois A’s e dois M’s, então.
- Gostas?
- Amo! –
os dois selaram aquele momento com um beijo. Marcos já tinha nomes escolhidos para as suas filhas, era uma coisa que ele pensava com alguma regularidade.


- Estás preparado para quando elas chorarem as duas ao mesmo tempo, a meio da noite?
- Elas vão ser bem comportadas e não vão fazer disso ao pai, Ania.
- E se fizerem?
- Tu levantaste e vais meter a chucha –
Ania olhou-o chocada com o que ouvia – ei, calma, e eu levanto-me e vou meter a chucha à outra.
- Acho bem que sim! Se não troco-te pelo…
- Por quem? –
Perguntou indignado.
- Sabes bem que não te troco por nada nem ninguém.



Agora era só uma…continuavam as duas dentro da barriga de Ania, continuavam as duas dentro daquela barriga que Marcos via. Mas apenas batia um coração, sem ser o de Ania, apenas batia o coração de uma das filhas.
Marcos via Ania com os olhos fechados, como se estivesse a dormir tranquilamente, como se nada tivesse acontecido. Tinha o telemóvel na mão e André ligava-lhe. Já era a quinta vez que o fazia.
- Se não queres falar…manda-lhe só uma mensagem a dizer que lhe ligas mais tarde. Ele deve estar preocupado.
- Ania… -
afinal não estás a dormir.
- Faz isso… - Ania abriu os olhos, encarando Marcos. Percebeu que ele tinha estado a chorar, que ele estava triste e, mais do que isso, sentiu que um pedaço dele não estava ali. Marcos fez o que Ania lhe disse, deixou o telemóvel de lado e aproximou-se dela – como é que estás?
- Não…como é que tu estás?
- Estou irritada, chateada, triste e com vontade que tudo isto seja um pesadelo. Queria ter os dois corações das nossas filhas a baterem cá dentro, queria que as duas estivessem vivas e que as duas viessem ao mundo. Estou revoltada porque, se calhar, não devíamos ter apostado nesta gravidez, se calhar devia ter abortado e, neste momento, não estaríamos a sentir-nos assim.
- Ania…eu sei que é difícil, que nos dói e que machuca. Sei que te parece que, se não existisse esta gravidez, era mais fácil mas a vida está a dar-nos uma lição.
- Lição em perder filhos? Obrigada, mas não pedi nada disso.
- Ania…há uma criança dentro de ti viva, que precisa do teu amor e do teu bem para sobreviver. Ainda existe uma vida dentro de ti a precisar da força da mãe para vir ao mundo. Ela precisa de ti…ela vai precisar de ti e do teu amor. O meu ela tem…e tu também. Mais do que perdermos uma filha, nós hoje ganhamos uma. Não podemos viver o resto da gravidez e da vida ao pensar só que perdemos uma.

Ania não lhe disse nada e virou o seu olhar para a janela do quarto. Chorou, sem encarar Marcos, estava a precisar daquilo. Ouviu as palavras dele como um alerta, sabia que Marcos a estava a alertar para o facto de ainda terem uma filha viva. Mas, ao mesmo tempo, não se conseguia conformar com o facto de só ir ter uma.
- Morena.
- Hã? –
Marcos não compreendeu o que Ania lhe dizia – Morena?
- Importaste que ela seja Morena? –
Ania olhou para Marcos, agarrando-lhe na mão – É o teu M no inicio, o meu A no fim. Pode chamar-se Morena, a nossa filha?
- É Morena, é a nossa Morenita.
- Preciso de ver o mar, antes de regressarmos a Portugal. Preciso de deitar flores brancas ao mar pela Arya. Podemos fazer isso?
- Claro. Ania, vais falar sempre comigo quando precisares de desabafar?
- Contigo em primeiro lugar, com a Iara depois e ainda com as nossas mães. Não vai ser fácil, Marcos. Eu não sei como vai ser daqui para a frente, nem como vou reagir ao nascimento…peço que tenhas paciência comigo.
- Eu vou ter, vais ter-me sempre do teu lado –
Marcos deu-lhe um beijo na mão, encostando-a à sua cara – eu amo-te, Ania.
- Obrigada. Por me amares, por me acalmares neste momento e por…me dares uma filha. Queríamos duas, iam ser duas, mas esta será amada com o amor que tínhamos para dar às duas. Eu vou mimá-la, vou beijá-la a toda a hora…ela será a nossa menina.

- Já estou mesmo a ver: vais enche-la de mimo e depois só te quer a ti – Marcos conseguiu fazer com que Ania se risse por alguns segundos, conseguiu tornar aquele ambiente que os envolvia menos triste.



- Onde é que ela está? – Perguntou Iara depois de cumprimentar Marcos.
- Está lá em cima. Vai lá ter com ela – Marcos fechou a porta, cumprimentando André. Enquanto Iara foi até ao quarto ter com Ania, Marcos e André foram até ao jardim, sentando-se nas espreguiçadeiras.
No primeiro dia de Agosto, o tempo em Portugal estava quente e os dias estavam bons para aproveitar o sol. Ania e Marcos não tinham saído de Portugal desde que regressaram de Londres. Não podiam fazer viagens longas por causa da gravidez, daí não terem ido passar as férias a La Plata. Os familiares de ambos tinham vindo, uns de cada vez, passar algum tempo com eles e assim mataram as saudades. André regressava de férias com Iara. Tinham ido passar uns dias ao Peru, aproveitando para Iara conhecer a família do namorado.
- Como é que correu a lua-de-mel? – Perguntou Marcos a André.
- A minha família gostou dela, ela gostou deles e fizemos um filho.
- Fizeram?
- Então não? Desde que saímos de Portugal deixou-me a zeros. Diz que em casa da sogra não se fazem dessas coisas.

- A Ania também dizia a mesma coisa.
- Marcos? –
André olhou para o amigo que percebeu que vinha daí coisa séria.
- Que se passa?
- Quando é que percebeste que a Ania era a tal?
- Ui calma lá que ele vem todo atrofiado! –
Marcos riu-se à gargalhada, acabando por ser conter quando André lhe atirou com água da piscina para cima – calma lá, oh mano.
- Estás aí a rir-te e a gozar comigo!
- Pronto, eu peço desculpa. É que não estou habituado a essas coisas todas românticas vindas de ti –
Marcos riu-se por mais algum tempo parando para responder a André – respondendo à tua pergunta: acho que foi a conjugação de vários momentos. O pai da Ania foi meu treinador no Estudiantes e sempre me tratou por Faustino e, no dia em que a conheci, ele chamou-me Faustino mas ela tratou-me por Marcos. Logo aí foi especial. Passaram uns dias e ela foi para o centro de treinos, desmaiou quando viu o pai com sangue no nariz e acabámos por ir até à Catedral de La Plata nesse dia – Marcos recordava aquele dia como se o tivesse vivido ontem…foi algo que o marcou – ela disse que queria casar lá, tivemos a primeira conversa sobre aquilo que sentíamos. Ela fez-me rir até não puder mais, fez-me ficar nervoso. Foi nesse dia que surgiu o “Cinderela”, foi nesse dia que tudo começou e ela fez-me perceber que era a tal.
- Foram poucos dias para perceberes isso?
- Nós conhecemo-nos num dia, dois dias depois foi a ida a La Plata e ao fim do quarto dia beijámo-nos a primeira vez e chamei-a de namorada e ela não gostou.




- Avestruzes? Tens noção de que o teu pai treina a avestruz do teu namorado e ele não gostou de ouvir isso.
- Namo...que? –
Marcos…talvez não foi a melhor ideia teres feito esta abordagem - Marcos...há aqui uma coisa que tem de ficar esclarecida. Nós não somos namorados.
- Ania...
- Nós temos de ir com calma e ver onde é que isto vai dar. Não podes começar já para aí a fazer filmes porque é para ter calma.
- Ania. Eu sei disso.
- Sabes?
- Sei. Eu só disse aquilo porque me saiu, mas eu sei o que queres e estou de acordo contigo. Não te preocupes, guapa.




- Já pensaste que ela, se calhar, não queria namorar mesmo contigo?
- Cala-te! Mas vá, tu percebeste que a Iara é a tal?
- É. Eu acho que sim –
Marcos nunca tinha pensado em ver André daquela maneira. Desde que conhecera Iara tornou-se uma pessoa mais calma e Marco tinha quase a certeza que André estava mesmo apaixonado por ela – a Iara faz parte da minha vida à relativamente pouco tempo mas eu sei que estou apaixonado por ela. O que eu também sei, é que não estava preparado para isto. É tão bom que me dá medo. Ela faz-me rir, faz-me ter mais calma e pensar no meu futuro ao lado de uma mulher. Ela fez com que o André Carrillo se sentisse bem quando reclamam com ele por ter a roupa espalhada no quarto – os dois acabaram por se rir mas André continuou o seu raciocínio – mesmo quando ela reclama comigo eu riu-me e fico só a olhar para ela. Porque, no fim, eu sei que é só uma maneira de ela dizer que estamos a morar juntos e a tenho de ajudar. Estar com ela é a melhor forma de os meus dias se tornarem melhores. E oh já estou a falar demais.
- Puto, a sério isso não é vergonha nenhuma. Sabes que não te vou julgar ou gozar…posso rir-me mas só porque não estava à espera dessas coisas vindas de ti.
- Olha…nem eu!




- Puto, a sério. Já nasceu.
- Nós vamos já para aí – André desligou a chamada ficando alguns segundos sentado no sofá. Tenho de avisar a Iara.
Foi até ao seu quarto onde encontrou a namorada a vestir o pijama.
- Não faças isso.
- André, a sério…podias ser mais romântico a dizer que queres namorar um bocadinho.
- Não é nada disso, oh.
- Tu estás bem? –
Iara percebeu que ele estava estranho.
- É que…a Morena nasceu.
- O quê? –
Iara sentou-se na cama, sendo apanhada de surpresa – mas…como? Quer dizer…já?
- Pois. Ontem quando saímos lá de casa deles acho que a Ania começou a sentir umas dores e foram ao médico. Como ela tem o útero mais frágil por causa do tiro, teve de ser cesariana, mas a Morena nasceu. Hoje, à pouco mais de uma hora.

- André…tu não estás a brincar, pois não?
- Não. Estou mesmo a falar a sério…a nossa afilhada nasceu!
- Eu vou vestir-me, é rápido. Prometo.

André ficou a ver Iara andar de um lado para o outro e, quando ela estava despachada, foram os dois ter com Marcos ao hospital. Foram até ao andar onde Marcos tinha dito que estava e encontraram-no, juntamente com Martín e Romina, na sala de espera.
- Parabéns, meu menino! – Disse André ao abraçar Marcos.
- Elas estão bem? – Perguntou Iara depois de felicitar Marcos, cumprimentando, também, Martín e Romina.
- Estão. A Morena, apesar de ser prematura, só vai precisar de estar umas horas na incubadora.
- Eu disse que os filhinhos destes dois iam ser rijos –
Iara apertou-lhe a mão com alguma força fazendo com que André percebesse o que tinha acabado de dizer – ei, mano, desculpa.
- Tens razão, André. A Morena é uma menina rija, uma menina linda e…vocês vão adorar conhecer a vossa afilhada.
- Quando é a podemos ver? –
André estava entusiasmado com aquele momento. Tinha criado uma ligação muito forte a Marcos e Ania e o nascimento daquela bebé era algo esperado à algum tempo.
- Onde ela está só posso entrar eu e a Ania, ela agora está lá com a menina mas, quando voltar para o quarto depois vamos para ao pé dela.
E assim foi, cerca de vinte minutos depois já estavam todos no quarto junto de Ania.
- Parece que estás drogada, cunhada – André, como sempre, só dizia coisas para tentar animar quem estava ali presente.
- E tu deves saber muito desse assunto – falou Ania, não estando muito animada.
- Mana…tu estás bem? – Martín fez a pergunta que todos queriam fazer, mas que nenhum tinha coragem para tal. Notavam que Ania não estava apenas a recuperar da anestesia, estava com o seu olhar distante e sem qualquer tipo de brilho.
- Estou.
- É que não parece, gordita –
Marcos, sentado ao lado da mulher, aproximou-se um pouco mais da cama onde Ania estava deitada, agarrando-lhe a mão.
- Conseguem colocar-se na minha posição e ver que não é fácil só ter uma delas cá fora? – Todos fizeram silêncio acabando por não responder – Bem me parecia.


Marcos

O nascimento da Morena foi dos momentos mais assustadores da minha vida. Ela podia ter nascido com algumas mazelas, ela podia, até, ter morrido durante o parto, a Ania podia ter acabado por não aguentar a cesariana, elas podiam nem sequer ter saído daquele bloco operatório. Mas saíram. Vivas, saudáveis e minhas. Saíram para viverem, para amarem e serem amadas. Saíram do hospital e a nova etapa começava agora. Saíram do hospital…mas parte da minha Ania não.
A presença de apenas uma das nossas filhas, deixou a Ania diferente. Deixou-a distante e, para ser frontal e sincero, deixou-a fria e sem querer tocar na nossa filha. A única imagem que tenho delas duas num momento que parecia perfeito, foi quando a Morena chegou ao quarto do hospital.


- Ela é tão pequenina, Marcos.
- Mas é forte, saudável e está viva e é nossa.
 
- Eu sei… - Ania via Morena a agarrar o dedo mais pequeno de Marcos e acabou por dar o seu, também, à filha e ela segurou-o. Marcos capturou aquele momento, partilhando nas redes sociais o nascimento da filha.



O melhor dia da vida de um homem é, sem dúvida, quando está do lado da melhor mulher do Mundo com a melhor filha que Deus nos podia dar. 
 

Foi o único momento onde vi a Ania com um sorriso a olhar para a nossa filha. Foi o único momento onde a vi com um brilhozinho no olhar a olhar para a Morena. Foi o único momento onde vi a minha mulher com gosto, felicidade e amor para dar àquela menina. Fora isso…a Ania não parece estar a aceitar o nascimento da Morena.
- Ania, vá lá. Pega lá na menina que eu preciso de fazer ali umas coisas – não precisava…mas tinha de arranjar uma maneira de ela se ligar à filha. Era esse o objectivo dos próximos dias.
- Eu…eu tenho de ir tomar banho – como sempre, ela arranjava alguma coisa para fazer.
Sempre pensei que ela tivesse superado um bocado a perda de uma das meninas, pensava que ela ia amar a Morena como se toda a vida da nossa filha fosse apenas dela e que a aproveitasse. Nunca pensei que ela a fosse rejeitar.
- Moré… - acabei por arranjar um diminutivo para ela com a Iara…ela e o André têm ajudado imenso – a mãe não está a fazer isto por mal, sabes? É só que…tu tinhas uma mana, estávamos todos à espera que vocês nascessem as duas. Mas não, meu amor, a mana não conseguiu ser forte como tu. Eu sei que, no seu estado normal, a mãe ama-te. Ela só deve precisar de uns dias para voltar a ser ela…ou pelo menos eu quero acreditar que sim. Até lá, dormes do lado do pai, no colo do pai e o pai dá-te banhinho. Mas ela alimenta-te e eu só quero que nesses momentos ela se ligue a ti.



- Ania, vá lá!
- Não Iara…eu não consigo! –
A Iara implorava-lhe que segurasse na Morena para a acalmar. A menina já chorava à algum tempo no berço e estávamos a tentar que fosse ela a pegar na filha.
- Mas não consegues porque? – Era a primeira vez, desde que a Morena nasceu, que elevava a voz em casa…e logo para a Ania. Mas tudo isto estava a tornar-se demasiado para mim. Peguei na Morena ao colo, embalando-a nos meus braços – Custa-te assim tanto fazer isto? Segurares na nossa filha e amá-la? Custa?
- Marcos… -
a Iara olhou-me e acho que ela tentava chamar-me à atenção.
- Não Iara. Está na hora de ela me ouvir e não me interessa se sou bruto ou mau marido. Mas, joder, eu passei pelo mesmo que ela passou, eu vivi os mesmos dramas que ela. Ania, eu estive sempre do teu lado, estive em todos os momentos da gravidez e sofremos da mesma maneira. Mas…eu escolhi amar a nossa filha, escolhi dar-lhe amor e não ficar preso à que não nasceu – a Ania olhava-me atentamente e tinha lágrimas grossas a escorrerem-lhe, aos poucos, pela cara. Custava-me ser assim, falar assim para ela…mas eu preciso de minha Ania de volta – porque é que tu estás assim? Porque é que rejeitas a nossa filha?
- Tu não ias entender…vocês nunca vão compreender.
- Explica-nos… -
a Iara agarrou-lhe na mão, pedindo-lhe que nos explicasse. Precisávamos mesmo que ela nos explicasse o que ia naquela cabeça.
- Eu não sei explicar…mas – a Ania olhava para a Morena nos meus braços cheia de lágrimas a escorrerem-lhe pela cara – eu gosto dela…mas eu não consigo. Eu não me sinto capaz de ser a mãe que ela precisa, eu não me sinto capaz de a amar como queria.
- E preferes afastar-te dela? –
Perguntei-lhe.
- Eu prefiro…prefiro sim. Eu não estou a ser mãe dela, nem tua mulher. Não estou a ser amiga, nem irmã, nem filha. E eu tomei uma decisão que preciso que aceitem – eu ainda não sabia de nada, não sabia do que ela tinha decidido mas quase que aposto que envolve a viagem que as nossas mães iam comprar para Portugal – eu preciso de me afastar. Preciso do meu psicólogo, eu sei que estou a fugir da minha própria filha mas…eu preciso de ser egoísta neste momento.
- É por isso que as nossas mães vêm para cá?

- É. Não te posso deixar sozinho e elas, melhor que ninguém, vão ajudar-te a cuidar da Morena. Fico por lá…até sentir que estou preparada. Depois volto…e espero que me recebas. Sei que não me vais receber bem…mas que sintas que eu mudei nesse momento.
- Faz o que achas que é melhor para ti. Eu não vou a lado nenhum, sabes onde é que nos deixas.

Saí daquele quarto, indo até ao jardim com a Morena nos braços. Esta decisão da Ania…era algo que eu esperava, era algo que eu aguardava. Só não pensava que ela fosse para La Plata, não pensava que ela fosse fazer isso tão cedo. Pensei que a iria ter do meu lado sempre, a toda a hora e a todos os minutos. Pensei que ela iria ser a mãe que a Morena anseia por ter. Pensei que ela iria ser a Ania que todos nós precisamos. Mas não. Ela não consegue ser, nem sequer, a Ania para si mesma. 
 
 
Olá meninas
Aqui têm mais um capítulo. Um pouco mais triste mas, gostava que olhassem para ele como um recomeço. Porque a história deste casal está a recomeçar.
Espero pelos vossos comentários.
Beijinhos.
 
Ana Patrícia. 

5 comentários:

  1. Oláaaa


    Adorei *_*


    Beijinhos


    A.M

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  2. Olá!
    Ameiii mas...foi mais triste.
    Começou de maneira divertida com aquilo da almofada mas depois a perda de uma das meninas. Tinha de ser assim? Era mais bonito se pudessem ter nascido as duas!
    Depois ficou melhor pelo meio com a conversa fofa do André, ele está mesmo apaixonado!
    Depois mais felicidade....ieiii a bebe nasceu! Eu a pensar que vinha ai muita felicidade, amor e carinho entre mae e filha e familia e filhas mas ups. Foi de pai e filha. Não estava à espera daquela reacção da Ania mas por um lado até se percebe que ainda não tenha recuperado, era uma bebé que estava dentro de ela mas que nao foi tão forte. Podia era não ir para La Plata mas se é o melhor que seja! Mas que quando voltar, sejam os três muito felizes!!
    E quando se chega ao último depois de se ler vários capitulos seguidos....quero é mais!!
    Besos,
    Sofia

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  3. Holla :)
    Primeiro que tudo, quero pedir desculpa pq já tinha visto o capitulo, mas por falta de tempo ainda não o tinha lido e mt menos comentado :/...sorry.
    Mas já o li e só posso dizer q amei e quero mais :)
    Adorei a cena da almofada suja e o André aflito ahahah
    A sério que uma das gémeas tinha que morrer? :'(...mas se isso implicava o bem-estar da Ania e da Morena...se calhar foi msm o melhor...
    Nunca pensei que a Ania rejeitasse a filha :O
    Próximo rápido besitos

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  4. Fantástico...

    Quero mais... Tou super curiosa para ver o próximo...

    Continua...

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  5. Olá!
    Ironicamente a Ania teve uma reação completamente diferente daquela que eu acho que teria na posição dela.
    Acho que pensaria mais como o marcos "não perder uma filha, mas ganhar uma" principalmente vendo a gravidez que a Ania teve. Depois de tudo ela conseguiu ter uma filha saudável. Acho que eu amaria ainda mais essa bebé, daria a essa bebé o amor que tinha para as duas.
    E eu agora espero drama e reviravoltas. Eu imagino a Ania a voltar "pior" do que foi e a encontrar outro homem. Ou o contrário, a Ania demorar meses ou anos e o marcos ter encontrado outra mulher e mãe para a Morena.
    Acho que estou preparada para tudo menos para que isto termine bem xD
    Espero o próximo!

    Ana Santos

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