quinta-feira, 31 de outubro de 2013

16 - "O amor é o sentimento mais difícil de explicar...ele sente-se e não se sabe bem porque."

Marcos sentia-se intimidado, sabia que iria ser sincero no que ia dizer, mas ter a família toda de Ania à sua frente era intimidador. Agarrou a mão de Ania, entrelaçando os seus dedos com os dela. Aquilo dava-lhe confiança, dava-lhe a perspectiva de um futuro com ela, um futuro a dois.
- Conhecemo-nos à pouco tempo, talvez insuficiente para vocês compreenderem aquilo que nos une. Mas, desde o momento em que eu vi a Ania, eu soube que tinha de a conhecer, que tinha de meter conversa com ela. Nunca pensei que as coisas fossem ser sérias, sou sincero. Quando a vi desmaiar no centro de treinos percebi que ela era importante, ela não podia simplesmente ficar sozinha e fomos conhecendo-nos...e então tudo encaixou. Foi aí que percebi o porque de o Hugo nunca a levar ao futebol como leva os seus filhos. Queria proteger a sua menina, a sua única filha rapariga - Marcos falava directamente para Hugo, era a ele que tinha de demonstrar o que realmente sentia, era ao pai de Ania que Marcos tinha de demonstrar o quanto ama a filha dele - com tudo o que aconteceu entretanto...foi-se tornando tudo muito mais intenso, mais especial, mais forte...e eu amo a sua filha como nunca amei ninguém na minha vida. Juro-lhe pelo meu pai que, se fosse vivo, iria ser o primeiro a aprovar a minha relação com a Ania - Marcos ficou um pouco incomodado a falar do pai...ainda lhe custava, ainda sentia a falta dele...sempre foi mais ligado ao pai por ser o único filho dele homem - por isso, por amar a sua filha e sei que você também a ama tanto ou mais que eu, eu peço-lhe a sua bênção para que o nosso namoro seja real. Para não termos de andar às escondidas e que possamos ir crescendo com o seu consentimento.
Ania sabia que Marcos era capaz de falar assim sem qualquer problema. Fica surpreendida por ele ser assim, sempre pensou que os rapazes fossem mais complicados que as raparigas no que toca a expor os sentimentos, mas com Marcos é totalmente ao contrário: é Ania quem tem mais dificuldades em assumir o que sente. 
Os irmãos e cunhadas de Ania, sorriam. Martín tinha piscado o olho à irmã, sabia que aquele amor era verdadeiro...porque sabia o que a irmã sentia só olhando para os olhos dela. Sempre se conheceram bem e sabem os problemas um do outro detrás para a frente. 
Ortencia estava embevecida com o discurso de Marcos, o relacionamento dele com a filha fazia-lhe lembrar o dela com Hugo. Conheceram-se na rua, olharam-se e não descansaram enquanto não se conheceram melhor. Tiveram 4 filhos maravilhosos (apesar do que aconteceu com Lucas) e um casamento sempre apaixonado, com romance e com declarações de amor constantes. 
Hugo olhava Marcos e Ania...muita coisa lhe passou pela cabeça, mas depressa começou um pequeno discurso: 
- O amor é o sentimento mais difícil de explicar...ele sente-se e não se sabe bem porque. Eu vejo amor em vocês. Vocês são novos, têm a vida pela frente, fico feliz por a minha filha te confiar coisas que ela tanta dificuldade tem de partilhar. A ideia de te perder, Ania, é assustadora. Queria que fosses eternamente pequena, que passasses horas a ver a Cinderela na televisão e a imitá-la...serás sempre a minha pequenina, apesar de hoje seres uma grande mulher. Se...o vosso namoro passar a ser casamento, passar a ser uma família...eu só espero que nunca se esqueçam do dia em que se conheceram, do dia em que se apaixonaram um pelo outro. E tu...Faustino...tens de tratar dela como se fosse a tua vida! Como se fosse de vidro. Se algum dia magoares a Ania, nesse mesmo dia acabo contigo - Hugo tentava assustar Marcos, mas acabou por sorrir com o que acabara de dizer - quando deixares o Estudiantes...eu sei que esse dia vai chegar, se estiveres com a Ania...ela vai querer ir contigo. Nunca quis isso para a minha filha, mas vejo que ela é feliz e que vai ser ainda mais se eu vos der a minha bênção em relação a este namoro. 
Hugo levantou-se e Ania e Marcos fizeram o mesmo. Nada daquilo tinha sido pensado, nada tinha sido ensaiado. Era tudo automático, impulsivo...era tudo feito do fundo do coração. Hugo aproximou-se de Ania, beijando-lhe a testa, para de seguida se dirigir a Marcos: 
- Antes de eu dizer algo em relação ao namoro, promete-me uma coisa Marcos. 
- Diga. 
- Promete-me que serás sincero, como sei que és. Promete-me que a vais respeitar, que a vais entender, que lhe vais dar tempo antes de avançarem com outras coisas. 
- Pai! - Ania percebeu onde é que Hugo queria chegar, por isso interveio. 
- Pai nada. Ele tem de ouvir isto. Consegues prometer-me isso, Marcos? 
- Prometo-lhe pela saúde de todos os que amo e pela alma do meu pai. 
- Ele tem muito orgulho em ti. Desde que te conheci soube que eras um bom menino, o menino que é o orgulho dos pais. Quando te fiquei a conhecer melhor e soube o sofrimento que passavas pela morte do teu pai, afeiçoei-me a ti. Chamo-te Faustino, não pela brincadeira como os teus colegas, mas por respeito e para te lembrar todos os dias o grande homem que era o teu pai - Marcos estava surpreendido com Hugo, chorava, o que fez todas as mulheres presentes chorar. Ver o homem chorar deixava qualquer mulher mais sensível  com vontade de lhe dar colinho - Faustino Rojo...tens a minha bênção para namorar com a minha filha. 
Hugo abraçou Marcos, que não poderia estar mais feliz. 
Ania juntou-se a eles. Precisava de se juntar a eles. Precisava de um abraço dos dois homens da vida dela.

Ainda era, relativamente, cedo. 22:30h era cedo. O ambiente em casa de Ania era de celebração. Pelo facto de o namoro ser respeitado e abençoado por Hugo e todos os presentes e pela vinda do bebé de Francisco e Gloria. 
Marcos começou a falar com os irmãos de Ania e, pouco tempo depois, já se davam como já se conhecessem à imenso tempo. Tinham estado juntos umas quantas vezes mas nunca tinham falado. 
O casal estava sentado lado a lado no sofá, enquanto os restantes estavam a falar sobre o bebé: 
- Achas que posso tornar este dia ainda mais feliz? - perguntou Marcos, interrompendo o pensamento de Ania (pensamento de tia que vai mimar o sobrinho ou sobrinha que vai nascer). 
- Não sei como...ele já está mais que feliz, Marcos.
- E se aproveitássemos que ainda é cedo e fossemos até minha casa? Também quero que conheças as minhas mulheres lá de casa.
- Não será tarde? Sobretudo para a Micaela? 
- Não...elas ainda estão acordadas. 
- Por mim...vou só avisá-los e vamos.
- A sério?
- Claro...pensavas que ia dizer que não? 
- Não sabia que resposta darias...
- É um sim - Ania deu um beijo a Marcos antes de irem ter com os seus familiares e lhe anunciarem a ausência. 
Saíram de casa, indo em direcção ao carro de Marcos. Assim que começou a conduzir Ania nem deu conta do quão depressa ele conduzia. Sempre gostou de velocidade nos carros...sentia a adrenalina a correr-lhe pelas veias e só queria começar a conduzir para ela ter também aquele poder. 
Cerca de 20 minutos depois estavam a estacionar em frente da moradia de Marcos. Ania já lá tinha estado, já tinha conhecido Micaela mas não conhecia mais ninguém da família de Marcos. A ideia de ir conhecer todas as mulheres que constituíam a família do seu...namorado, não a deixava assustada. Pensou se a iam aceitar, mas já tinha tido um primeiro contacto com Micaela que a deixou confiante...e se elas forem como o Marcos, Ania tem a certeza que terá mais meninas com quem partilhar momentos de raparigas. 
Entraram em casa e, na sala, estava a mãe de Marcos. Uma senhora encantadora à primeira vista. Via-se no seu rosto que era feliz, que tinha uma vida confortável apesar do sofrimento que deveria ter com a perda do seu marido. 
- Buenas noches, madre - Marcos falou, fazendo com que a mãe olhasse para ele...e para Ania. A senhora sorriu-lhes, levantando-se. 
- É a nossa Ania? - para surpresa de Marcos, a mãe já sabia o nome da sua namorada...Micaela deveria ter feito algum comentário durante o dia de hoje. Marcos já tinha dito à mãe, tinha dito que ia jantar a casa da namorada, só não lhe tinha dado grandes pormenores sobre Ania. 
- É a minha Ania - respondeu Marcos.
- Ciumento. Deixa estar que eu não te roubo a princesa - a senhora dirigiu-se a Ania, colocando as suas mãos nos braços dela - fico muito feliz que nos tenhas vindo conhecer. Eu sou a mãe deste rapazeco, sou a Cari e podes ter a certeza que fico mesmo muito feliz que metas um sorriso no lábios do meu filho e juízo naquela cabeça - Cari, mãe de Marcos, abraçou Ania que se sentiu tão amada naquele momento. O abraço de Cari fazia-a sentir-se ainda mais confortada.
- Eu também estou muito feliz por a conhecer - o abraço entre as duas foi longo, mas ambas se sentiam bem naquele abraço. 
- As meninas? - perguntou Marcos, quando elas se afastaram uma da outra naquele abraço. 
- A Micaela e a Solange estão lá em cima no quarto delas, a Noelia foi ao lixo, mas já deve estar a chegar. 
- Bichas!? - Marcos gritou pelas escadas, deixando Ania confusa. 
- Ele trata as irmãs mais novinhas por bichas. É doido o rapaz - explicou Cari, rindo-se juntamente com Ania. 
Pouco tempo depois duas meninas desciam as escadas. Micaela, que Ania já conhecia, a mais nova e uma outra menina pouco mais velha que Micaela. 
- É a Ania? - perguntou aquela que Ania ainda não conhecia. 
- Mas como é que vocês já sabem o nome dela? - inquiriu Marcos. 
- Foi a Mica - respondeu Cari - mas foi porque eu insisti. 
- E ameaçaram-me que me iam tirar os posters do Justin da parede! - Micaela era fã de Justin Bieber e quando alguém lá de casa queria que ela falasse ou que fizesse alguma coisa "ameaçavam-na" com os posters. 
- Sim, é a Ania. Ania, é a Micaela que já conheces-te, e a Solange. Meninas, é a Ania - as duas foram abraçar e cumprimentar com dois beijinhos Ania. 
- Vocês são muito parecidas - comentou Ania - e parecidas com a vossa mãe. 
- É...as raparigas são parecidas com a mãe e o rapaz é com o pai.
- Têm uma boa genética então. Têm pais muito lindos e muito orgulhosos de vocês, tenho a certeza - Ania agarrou-se a Cari. Já sentia uma grande empatia por aquela senhora, sentia-se bem com ela. 
- O nosso pai morreu - disse Solange. 
- Sim...eu sei. Mas é certamente um homem feliz por ver os filhos que tem - Marcos, Micaela e Solange sorriram para Ania. As meninas abraçaram Ania e Cari, fazendo Ania sorrir e abraçá-las. 
- Tens aqui uma menina muito especial, Marcos - afirmou Cari. 
- Lo se madre...
Marcos juntou-se a elas, beijando Ania...que ficou um pouco envergonhada, mas descansada porque nenhuma delas comentou nada. 
- A Noe? - perguntou Solange. 
- Ela foi ao lixo, deve estar a chegar. 
- A Noelia é a mais velha das raparigas - informou Marcos. 
- Esse nome não me é estranho...tinha uma colega na faculdade com esse nome - constatou Ania. 
- A Noe anda na faculdade... - disse Cari. 
- Será que é a mesma que tu conheces? - perguntou Marcos, agarrando-se à cintura de Ania. 
- Não sei...era coincidência a mais - naquele momento, ouvem a porta de casa abrir-se e todos olham para a porta. Era Noelia. 
Ania olhava-a com expectativa e quando Noelia se virou para eles teve um clique na sua cabeça. Era a sua colega da faculdade. Aquela com quem partilhava o quarto, aquela com quem fazia os trabalhos, aquela com quem partilhou momentos felizes e outros nem tanto. 
- Noe!? 
- Eu não acredito! És mesmo tu!? - Noelia também estava surpreendia, tinha ficado a pensar se a Ania, namorada do seu irmão era a sua Ania. E agora tinha a confirmação: era mesmo a sua Ania. 
As duas foram na direcção uma da outra abraçando-se fortemente. 
- Ai! Eu não acredito que tu és irmã do Marcos!
- Eu às vezes também não acredito, mas sou - as duas desmancharam-se a rir, olhando uma para a outra. 
- Tinha tantas saudades tuas... - disse Ania. 
- E eu tuas pequi. Estás tão guapa! 
- Oh...olha quem fala - as duas voltaram a abraçar-se. 
Marcos estava surpreendido. A sua irmã e a sua namorada tinham sido colegas de faculdade e davam-se muito bem, pelo que percebia. 
- Sempre estás a ajudar os teus pais? - perguntou Noelia. 
- Sim...e tu continuas na faculdade não é?
- Sim. E...como é que está o resto? - Noelia sabia de tudo.
- Está tudo bem...agora está tudo bem, há muita coisa que aconteceu esta semana que envolve esse momento. 
- Tu sabes? - perguntou Marcos. 
- Sei? 
- Ele sabe - disse Ania esclarecendo Noelia. 
- Sim, sei Marcos...eu encontrei a Ania depois. Eu estava com ela. tínhamos ido sair as duas mais umas amigas. 
- Calma! A Ania é aquela rapariga? - perguntou Cari. 
- É melhor...esclarecer tudo. A Ania era a minha amiga da faculdade que naquela noite...vocês sabem - todos já sabiam daquela história...Ania sentia-se estranha, não sabia o que dizer ou o que fazer...Marcos simplesmente a amparou, beijando-lhe a testa. 
Cari pediu a Solange e a Micaela que fossem para o quarto e ficaram só os quatro na sala. Sentaram-se no sofá e Ania acabou por contar tudo o que tinha acontecido: o aborto e o descobrir quem tinha sido. 
- Que hijo da... - Noelia controlou-se antes de terminar a frase...Ania olhou-a e as duas gargalharam. 
- Bem...eu nem sei o que dizer - disse Cari. 
- Não tem de dizer nada, Cari...já passou e agora está a ficar tudo melhor aos pouquinhos. 
- Podes contar connosco para o que precisares. 
- Muchas gracias. 
- Querem comer alguma coisa? Um biscoito? - perguntou Cari. 
- Madre, gelado! - Noelia pediu e Cari foi até à cozinha. 
Os três ficaram ali na sala a falar sobre como é que ia a faculdade. Ania tinha saudades, mas ao mesmo tempo não queria voltar para lá tão depressa. Queria estar com o seu Marcos, aproveitar para o conhecer por completo e ser dele. 
Enquanto falavam com Noelia, Ania tinha a mão de Marcos nas suas costas...e algo nela desejava o corpo dele de uma maneira assustadora. Marcos sentia-a tensa, tentava acalmá-la com movimentos circulares nas costas, mas Ania sentia-se cada vez mais...com apetites. 
- Marcos pára quieto...estás a deixar-me com ganas de te saltar para cima! - Ania não se controlou e acabou por dizê lo em voz alta. Noelia desmanchou-se a rir e Marcos ficou boquiaberto com o que a sua namorada acabara de dizer, em plena sala com a sua irmã presente. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

15 - "Eu só me quero divertir"

- Como assim...sabes tudo? Lucas...o que é que estás a dizer?
- Sei que vais deixar de me ver como irmão, vais sair daqui a correr quando te contar, mas eu não aguento mais um dia a viver com isto. 
- Lucas...
- Naquela noite...naquela noite eu tinha ido à mesma discoteca que tu.

*Recordação ON - Lucas*
Lucas tinha tido um dia para esquecer. O trabalho estava a dar cabo dele, era imenso, era bom, mas chegava ao fim do dia cansado como se tivesse a correr uma maratona. As coisas com a mulher também não estavam bem...sempre foram um casal unido mas as coisas estavam diferentes desde que ela foi trabalhar para a sua área: moda. Lucas passou a ser mais ciumento e a ter menos a presença da sua mulher em casa. 
Naquele dia, decidiu ir dar uma volta com uns amigos. Foram até uma discoteca no centro de La Plata e beberam a noite toda. Dançaram com algumas raparigas, mas o forte daquela noite foi mesmo a bebida. Quando estavam a sair da discoteca, Lucas e os amigos vêm uma rapariga, na casa dos 20 anos, sozinha e é então que um dos amigos de Lucas o desafia: 
- Porque é que não vais meter-te com aquela? Esquecias um bocado a outra e sempre te divertias...
- Vai lá! - incentivou um outro amigo, empurrando Lucas. Os amigos dele foram embora e Lucas foi ter com a tal rapariga. Estava muito escuro no sitio onde estavam quase nem dava para ver a cara dela, mas sabia que ela estava a falar ao telemóvel.
- Desculpa? - disse ele, colocando a mão no ombro dela.
- Pode levar tudo! - a rapariga, pensado que era um assalto começou a entregar-lhe tudo o que tinha.
- Eu só me quero divertir - Lucas não pensou duas vezes, encostou a rapariga à parede e sem dó nem piedade fez dela o que quis. Teve o prazer que quis, sem pensar nas lágrimas que escorriam na cara da rapariga. Ela tentou afastá-lo, mas não o conseguiu fazer. Ele tinha demasiada força para que ela se conseguisse soltar. Quedou-se em silêncio, chorou, mordeu-o, mordeu-se mas ele conseguiu o que queria. 
Quando Lucas se sentiu satisfeito, simplesmente deixou a rapariga no chão, arrumando-se. Não queria saber quem ela era, sabia que o que tinha feito não era o correcto, mas que lhe tinha sabido muito bem, lá isso tinha. 
- Socorro! - a rapariga tinha tido a força de gritar, de pedir ajuda e naquele momento, ouvindo aquele sofrimento, ouvindo aquela voz, Lucas soube quem era a rapariga. Naquele momento soube que tinha violado a sua própria irmã.
Saiu dali a correr, sentia nojo de si próprio. Como é que iria viver com aquilo na consciência? 
*Recordação OFF*

Ania não conseguia acreditar naquilo que Lucas lhe acabara de contar. Reviveu cada momento como se estivesse a acontecer outra vez. Com um agravante...sabia a cara da pessoa que lhe tinha feito aquilo. 
- Nunca na vida me vais ver como irmão outra vez, mas eu tinha de o dizer.
- Mais valia não o teres feito - as lágrimas que Ania tinha a escorrerem-lhe pelas bochechas eram grossas, ela quase que tinha vontade de as arrancar com as mãos, por mais que ela chorasse tinha sempre vontade de chorar mais. 
Mas não o queria fazer em frente de Lucas. Saiu da cozinha a correr indo para a rua, correu, correu o mais que conseguiu, já tinha tirado os sapatos e só quando chegou à Catedral de La Plata é que parou. 

Marcos: 
Estava a falar com o Hugo quando a Ania saiu disparada de casa.
- Que é que se passou? - perguntou o Hugo, levantando-se. Ficámos todos alerta, levantei-me também, para segundos depois aparecer o Lucas. 
- Lucas, o que é que aconteceu com a tua irmã? - a Ortencia foi até junto do Lucas que chorava.
- Ela soube...ela soube que fui eu que a violei - é nestes momentos que não sabemos o que pensar. Só vêm palavras soltas e vontades de lhe partir aquela boca toda. O Martín foi mais rápido que eu...era o Martín que se dava melhor com a Ania e simplesmente deu um murro ao Lucas fazendo-o ir ao chão. 
- Como é que tens coragem de olhar para nós todos os dias? - o Martín estava completamente revoltado e deu mais um murro ao irmão. 
- Eu vou atrás da Ania - acabei por dizer. Era impossível ficar ali sem saber nada dela, sem saber onde é que ela estava, sem a conseguir confortar. 
- Eu vou contigo - prontificou-se o Hugo e saímos os dois de casa. Fomos no meu carro visto que o Hugo estava muito alterado para conduzir. Eu também o estava mas conseguia controlar-me para a procurar. 
O Hugo foi-me dizendo o sítios que a Ania costumava frequentar. Fomos a todos. Não falhamos um. E ela? Não estava em nenhum. Simplesmente tinha evaporado. 
- Onde é que ela poderá estar Marcos? - perguntou o Hugo, já desesperando completamente. 
- Eu não sei...já fomos a todos os sítios que me disse. E ela foi a pé é difícil que tenha ido muito longe. Mas...será que...
- O que? 
- Será que ela foi para a Catedral?
- A Catedral?
- Sim. Ela foi para lá! Venha - voltámos a entrar os dois no carro e tive de carregar no acelerador com mais força. Tínhamos de estar com ela o mais depressa possível.
Quando lá chegámos ela estava sentada no banco mesmo em frente da porta da Catedral. Como é que ela tinha andado até à Catedral a pé? São 20 minutos de carro desde casa dela e a Ania tinha vindo a pé.
- Vou lá - o Hugo saiu do carro indo directamente ter com ela. Eu fiquei...queria ver a reacção dela. Como esperava...afastou-se do pai. E o Hugo voltou para trás entrando no carro - tenta tu. 
Sinceramente, tenho medo que nem comigo ela consiga interagir. Sai do carro indo até junto dela. Não me sentei ao lado dela, apenas fiquei atrás dela, olhando a Catedral. 
- No que precisares estou aqui - o choro dela intensificou-se. Tinha vontade de a confortar, tinha vontade de a ter nos meus braços e garantir-lhe que ia ficar tudo bem. 
- Ele...era meu irmão Marcos...os irmão não fazem isto! - ela levantou-se, estava descalça e começou a caminhar. Eu ia mantendo uma distância entre mim e ela.
- Podes falar tudo o que quiseres agora... 
- Eu nem sei o que dizer...isto é tudo tão horrível  Eu tenho tanto nojo dele! Ele por mim podia morrer que eu iria ficar feliz por aquele monte de merda ter desaparecido da minha vida! - ela virou-se para mim...por causa da maquilhagem estava toda esborratada - Marcos, eu quero que o Lucas morra! Eu quero que ele desapareça da minha vida. Será que ele o fez a mais alguém!? Que nojo! Eu tenho nojo dele! Eu estive grávida dele! - ela sentou-se no chão, chorando ainda mais. Aquele sofrimento estava a dar comigo em doido! 
Ajoelhei-me junto dela que, automaticamente, se deixou cair no meu peito, agarrou-me com força continuando a chorar. 
- Eu estou aqui Cinderela. Tu agora tens de seguir com a tua vida...tens de o esquecer e contar com aqueles que te querem ajudar. 
- Marcos... - ela olhou para mim - ainda não parei de chorar porque...aquele nojo voltou...conhecer a cara da pessoa que me violou é horrível mas saber que foi ele...a pessoa que me viu crescer! Aquele a quem chamava de irmão! Mas eu estou feliz! 
- Como é que podes estar feliz? Vê-se tão bem que estás a sofrer Ania. Não me tentes esconder isso. 
- Sim, eu estou, não te vou esconder nada. Esse sofrimento é o de saber a verdade...mas essa verdade fez-me ter a certeza de tanta coisa. Marcos, eu quero ser feliz! Eu acho que mereço...nem que seja pouquinha felicidade, mas mereço-a. Não quero ir a psicólogo nenhum...
- Não...isso tens de ir.
- Não Marcos! Eu não quero...eu sei que posso falar disto com aqueles que se preocupam, sei que posso falar comigo...porque eu voltei a encontrar-me. Estou ali sentada à quase 25 minutos...passa-me o Lucas pela cabeça, mas eu encontrei-me ali. Eu só quero tomar um banho...ficar com o meu cheiro normal, ter o teu pertinho de mim e esquecer-me de tudo o resto. Marcos, se eu te estiver a pressionar tens de mo dizer, mas eu só quero ficar agarrada a ti, ganhar o teu cheiro e ser tua namorada até que te fartes de mim. 
- Eu não sei se acredito no que estás a dizer. Por muito que queira que seja verdade, o que tu acabaste de descobrir é horrível e eu não quero que te refugies em mim e depois quebres a qualquer momento - tinha de ser sincero com ela. Ela precisava daquele abanão. 
- Eu estou a ser sincera Marcos. Eu quero ser tua para todo o sempre, eu amo-te como nunca amei um rapaz, tinha medo mesmo de me estar a refugiar em ti, mas eu sei que não. Eu sei que esta necessidade de estar contigo, de te beijar, de te abraçar...esta necessidade existe porque eu te amo, porque eu quero ficar contigo independentemente de tudo. Yo te amo! 
Se ainda à pouco não sabia o que pensar por motivos completamente horríveis  neste momento não sei o que pensar por a Ania se estar a declarar a mim. Sorri, sei que fiz isso porque aquilo que ela dizia fazia-me sorrir. Ela esperava uma resposta minha...ou um "Eu também te amo" ou um "Tens de te ir tratar". Eu sabia o que lhe responder...sempre soube.
Coloquei as minhas mãos na cara dela, limpando-a. Aquelas lágrimas teriam de secar, aquela maquilhagem esborratada dava-lhe um ar de menina...aquele ar pelo qual eu me apaixonei. 
- Yo te amo Cinderela! - beijei-a, sem medos, sem receio. Fi-lo e ela aceitou-o e correspondeu. 

Ania e Marcos beijavam-se mesmo em frente da porta da Catedral de La Plata e com Hugo a vê-los, mas mesmo isso não fez com que Marcos se apressa-se em terminar o momento. 
Terminou-o quando ele achou que tinha de ser e pediu a Ania que regressa-se com ele e com o seu pai para casa. Ania fê-lo, só porque Marcos lhe garantiu que Lucas não iria estar lá em casa. 
Foram para o carro e Hugo já estava no banco de trás, fazendo com Ania e Marcos fossem no banco da frente. 
- Papi...obrigada - Ania olhou para o pai e Hugo não sabia ao certo porque é que a filha lhe agradecia - obrigada por ter vindo com ele. 
- Não tens nada que agradecer filha - Hugo beijou a mão da filha e Marcos começou a conduzir. Ania aproximou-se de Marcos, roçando o nariz na bochecha do Marcos e aconchegou-se nele.


Cerca de vinte minutos depois estavam em casa, Hugo tinha ligado à mulher que lhe garantiu que Hugo já não estava lá em casa. 
Quando entraram em casa, ficaram todos a olhar para Ania, que lhes sorriu.
- Desculpem lá ter saído sem jantar...mas ainda vamos a tempo - disse Ania, fazendo com que a mãe, os seus dois irmãos e as suas cunhadas a abraçassem. 
Todos foram jantar e Francisco anunciou que Gloria estava grávida. Aquela noticia animou Ania que, apesar de já saber dessa notícia, sentiu-se melhor e mais feliz por ter ali todos da sua família. 
Depois de um jantar calmo e quentinho no que toca a encher o coração de Ania, todos foram para a sala. Ania estava sentada ao lado de Marcos, encostada no peito dele pensativa. Marcos deu-lhe um beijo na testa, despertando-a.


- Em que é que pensas?
- Que ainda não disse quem eras aos meus irmãos. 
- Disseste...
- Mas a esse não interessa e não lhe contei quem és a sério. 
- Como assim? 
Ania desencostou-se de Marcos e olhou para o pai. 
- Que se passa Ania? - perguntou Hugo. 
- Há uma coisa que tem de ser dita. 
- O que? - voltou a interrogar Hugo. 
- O Marcos é meu namorado. Pai, quer tu queiras quer não, é o que ele é. Hoje eu tenho essa certeza e eu sei que aceitas a minha felicidade. Por isso se eu sou feliz, tu aceitas o Marcos como meu namorado?
- Ania...eu é que tenho de fazer esse discurso - Marcos...que não sabia que Ania estava a pensar em apresentá-lo com namorado, decidiu tomar a iniciativa e ser ele a falar para a família da sua namorada. 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

14 - "(...) nunca pensei em apaixonar-me outra vez."

O Marcos estava a cumprimentar a minha mãe. Ele estava com umas calças de ganga escura, uma T-shirt branca e um blazer por cima. Estava mesmo lindo e super elegante...o que me deixou completamente derretida. 
Aproximei-me dele e, graças aos meus saltos que se ouvem a bom som, o Marcos olhou para mim antes que pudesse surpreende-lo com a minha chegada. 
- Buenas noches - disse-lhe. Apesar de ter falado com ele à cinco minutos atrás, parecia que ainda não o tinha visto hoje...e vi, foi da parte da manha, mas vi.
- Vou ter com o teu pai - querida mãe...como é que sabias que eu queria ficar com ele sozinha? Ela lá foi e fiquei apenas com o Marcos que não dizia nada, apenas olhava para mim. 
- Passa-se alguma coisa? - perguntei.
- Não, não...mas tu estás linda...
- É demasiado eu sei, mas foi o que me apeteceu vestir. 
- Não, não...estás realmente linda - ele aproximou-se de mim...pois um beijo, não aqui. 
- Vamos até ao escritório...precisamos de falar e eu não quero que o meu pai apareça aí.
- Agora pergunto eu: passa-se alguma coisa?
- Acho que não, mas vá...anda lá - peguei na mão dele e levei-o até ao escritório do meu pai. Aquilo mais parece um museu...é molduras com coisas da carreira dele por todo o lado, troféus e mais medalhas...não sei como é que ele consegue ir todos os sábados limpar aquilo, mas pronto. 
- Bem...que máximo - comentou o Marcos. 
- Ai de ti que um dia enchas uma divisão da nossa casa com coisas assim! 
Mas...? O que é que eu acabei de dizer?! Às vezes saem-me umas que eu nem sei se as disse em voz alta, se as disse no pensamento, mas a julgar pela cara do Marcos eu disse-a em voz alta. 
Não sabia bem se ele estava surpreendido, feliz ou a achar-me uma palhaça...quem te manda a ti abrir a boca e despejar assim palavras que implicam...um futuro?
- Mas...se eu encher uma divisão da nossa casa com coisas destas é bom para mim...e para nós - ele disse aquilo...como que aliviado e simplesmente se precipitou na minha direcção para me abraçar. 
- Marcos...eu disse aquilo sem pensar. 
- Eu sei, eu sei... - ele olhou para mim, colocando as suas mãos no meu pescoço - mas é quando não pensas, quando não tens aquelas dúvidas, aqueles medos e aquelas preocupações que pensas no nós. No nosso futuro enquanto os dois juntos e mais ninguém...só nós. 
Sim...é essa a verdade, eu quando estou mais solta (o que acontece sempre com o Marcos) tenho a tendência de não pensar em mais nada...e é o que me saiu: um pensamento do que eu quero que aconteça mas que não sei quando é que irá acontecer.
- Marcos... - teria de lhe dizer alguma coisa...só ainda nem sei é o que...fiquei um bocado à nora e os tremeliques apareceram. 
- Não precisas de estar nervosa. Só estamos aqui os dois. 
- Sabes que para mim não é fácil falar as coisas como tu falas...e já sabes o porque...desde o que me aconteceu que me fecho um bocado, mas eu quero dizer-te qualquer coisa...eu tenho tudo na cabeça e no coração...exteriorizar é que é mais complicado. 
- Eu sei disso princesa, mas se não quiseres não é preciso dizeres nada. A seu tempo irás conseguir...
- Não...só preciso que não olhes para mim...pode ser? 
- Se o fizesses nos meus olhos seria melhor...
- Pois tens razão...mas não me interrompas. 
- Claro que não. 
- Então: durante os meus 19 anos de existência só tive uma relação mais séria. Acabou à um ano e com os acontecimentos neste espaço de tempo eu nunca pensei em apaixonar-me outra vez. Até...teres ido entregar a pasta ao meu pai...naquele instante, Marcos, eu senti uma atracção por ti mas estava a pensar naquela de que ia aproveitar para ser uma cena sem rótulos e apenas divertir-me...só que hoje, cinco dias depois de te conhecer, eu nem sei o que sinto por ti...nunca me senti assim - estava a ser sincera no que digo e a falar com as emoções todas à flor da pele...é mexer em coisas que mexem imenso comigo - dás-me confiança mesmo estando eu a sentir-me diferente, fazes com que eu sorria quando não tenho essa vontade, o meu coração fica quentinho quando estás por perto, tenho uma necessidade de estar contigo constantemente...mas eu tenho medo Marcos.
- Posso?
- Queres falar?
- Sim.
- Fala...
- Acredito em todas as coisas que estás a dizer porque eu também nunca senti nada assim por nenhuma rapariga...tive as minhas relações em que pensei que fosse mesmo amor, mas tu é que me mostraste a definição dessa palavra. É contigo que eu vejo o que é o amor...mas não precisas de ter medo. Não quero que tenhas medo por sentir uma coisa tão bonita como a nossa.
- Não é em relação a isso...eu tenho medo de me apegar demasiado a ti...de ser dependente de ti, eu quero fazer as minhas coisas sem estar a pensar sempre em ti...eu acho que estou a ficar paranóica porque eu penso eu ti todos os minutos e segundos de uma hora.
- E é por isso que tens medo?
- É...nunca me senti assim e tenho medo disto. 
- Então vamos os dois para o manicómio por sermos os dois completamente apaixonados um pelo outro?
- Mas...tu não tens medo?
- Tenho. É claro que tenho. Estamos os dois em situações delicadas. Tu pelas tuas razões e eu por tentar respeitar o teu espaço ao máximo e nem sei se o faço bem ou não. 
- Fazes.
- Então não tenho de ter medo de mais nada...o que acontecer será entre nós...se der para o lado errado, o que eu não quero que aconteça, só temos de saber lidar com as coisas. Eu não quero estar longe de ti...pelo contrário. 
- Eu também quero estar mais contigo...ainda temos tanto para conhecer um sobre o outro. 
- Concordo...vamos não pensar sobre o amanhã e ser só nós no hoje. Pensar neste jantar e só neste jantar. 
- Sim - não resisti e dei-lhe um beijo...que foi diferente de todos. As nossas bocas simplesmente pareceram imans querendo algo mais...intendo. 


Pela primeira vez...senti a necessidade de ser mais dele...e ele ser meu. Foi algo que ainda não tinha sentido, mas agi naturalmente, como se a nossa cena já durasse à anos. Pura e simplesmente levei as minhas mãos para dentro da camisola dele, entrando em contacto com a pele suave do Marcos.
As minhas mãos estavam geladas, comparando com as costas dele, o que lhe deve ter feito impressão e quebrado o beijo. 
- Mas tu estás com as mãos em gelo ou que? - perguntou ele, retirando as minhas mãos das costas dele, agarrou-as com as mãos dele e beijou-as. 
- É dos nervos...
- Deixa-te disso...
- Vou tentar - ele sorriu e voltou a beijar-me. Mas havia outra coisa que tinha de ser falada e tínhamos que nos despachar antes que o meu pai viesse à nossa procura - Marcos... - interrompi o beijo colocando as minhas mãos sobre o peito dele.
- Que se passa?
- Em relação ao jantar...como é que te apresento?
- Como...Marcos?
- Não te incomoda o facto de não dar um nome ao que temos?
- Não me incomoda nada...é o melhor, não há aquela pressão. Eles devem entender, mas para nós é o melhor não é princesa?
- Sim... - voltei a dar-lhe um beijo que eu queria muito continuar mas ouviu-se a campainha tocar - é melhor irmos para a sala...antes que o senhor Hugo venha à nossa procura. 
- Sim, sim. É melhor.
- Mas antes...Marcos quero uma foto contigo. 
- Uma foto?
- Sim...para...ter no fundo do telemóvel...
- E estás disposta a ver a minha cara sempre que fores ao telemóvel?
- É o que mais quero...
- Então vamos lá a isso - numa coisa muito rápida, sem grandes poses e à primeira tentativa fiquei com a primeira fotografia nossa. A cor ficou estranha porque só tínhamos um candeeiro acesso...mas dá para perceber. 


- Depois manda para mim que eu também quero - ele deu-me mais um beijo e saímos os dois do escritório, indo até à sala de mãos dadas...tê-lo aqui comigo só poderia ser a melhor coisa que este jantar tinha. 
Quando chegámos à sala comecei a ouvir a voz do meu irmão Lucas...e desde a última vez que ele me tinha chamado mimada nunca mais tínhamos falado. 
A Martina, a minha cunhada, foi a primeira a aparecer. Mas logo de seguida vieram o Lucas e os meus pais. 
- Olá Ania - disse a Martina, sempre carinhosa comigo. Deve ter ficado sem saber o que fazer porque não avançou muito. Fui eu quem tomou a iniciativa e fui dar-lhe um abraço. 
- Como estás, Martina? - perguntei. 
- Estou bem e tu?
- Eu estou bem.
- Isso é que é importante. 
- Este é o Marcos, está comigo - disse, apresentando-o - Marcos é a Martina, a minha cunhada e aquele é o meu irmão Lucas - apontei para o Lucas, mesmo ainda não ter falado para ele não o queria deixar de parte. O Marcos cumprimentou os dois e o Lucas, não sei bem como nem porque, veio ter comigo.
- Precisamos de falar...
- Precisamos?
- Sim...o jantar é especial não é?
- É...o Francisco vai dar uma novidade à família. 
- Também tenho uma a dar...mas tenho de falar contigo primeiro, antes de todos ficarem a saber. 
- Queres ir até à cozinha?
- Pode ser... - avisámos todos que íamos até à cozinha e quando lá entrámos senti-me...estranha.
- Estás tão bonita Ania.
- Obrigada Lucas. Que é que se passa?
- Há uma coisa que precisas de saber...uma coisa que eu já ando a esconder à dois meses.
- Tu tens andado estranho comigo, mas eu ainda não percebi porque...quando eu mais precisei e preciso dos meus irmãos tu simplesmente viraste-me as costas...
- Ania...o que eu tenho a dizer está relacionado com a tua violação.
- Está?
- Sim...sei que vais deixar de me ver como teu irmão, mas eu não aguento mais um dia sem te contar o que se passou nessa noite.
- O que se passou?
- Eu estive lá...eu sei tudo o que aconteceu... - esta conversa estava a deixar-me completamente desconfortável e aquela sensação tinha voltado. Aquela sensação de ser, de novo, aquela pessoa que ficou estendida no chão no dia em que foi violada. 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

13 - "Onde é que eu tinha a cabeça?"

Pela cara que o Francisco tinha quando começou a falar pensei mesmo que viesse algo mau a caminho. Mas, assim que estávamos mais sossegados, um sorriso enorme formou-se nos lábios do meu irmão. 
- A Gloria está grávida. Vamos ser pais - ele estava completamente feliz. Era visível nos seus olhos, nos seus lábios...no corpo do meu irmão. Sempre quis ter um filho com a Gloria e já não era sem tempo que o conseguiam. 
- Meu filho... - a minha mãe começou logo a chorar que nem uma Maria arrependida, mas era compreensível. Iria ser o seu primeiro neto e do filho que mais desejava ser pai - oh meu filho - ela abraçou o meu irmão, dando-lhe um beijo - muitos parabéns, meu querido. 
- Gracias mamacita - ele deu-lhe um beijo na testa, abraçando-a com força. 
O Francisco foi o segundo a nascer. Tem um ano de diferença do Lucas mas, desde que casou com a Gloria, que o desejo dele é ser pai. E o dela ser mãe. São um casal modelo a seguir, sem dúvida. Acho que os vejo com a mesma paixão desde o primeiro dia, são apaixonados todos os dias um pelo outro e demonstram-no a qualquer momento. 
Este bebé...fazia de mim tia! Eu vou ser tia! Ai se for menina vai andar sempre toda lindinha! Mas nada de cor de rosa choque! Ok...já ando aqui a pensar no que vestir à minha sobrinha e ainda nem dei os parabéns ao meu irmão...isto sinceramente.
Aproximei-me do Francisco, metendo-me debaixo do abraço que ele dava à minha mãe, fazendo com que ele me abraçasse também. 
- Parabéns maninho! 
- Conto contigo para ires às compras com a Gloria porque eu e compras só mesmo quando for para o quarto. 
- Com muito gosto! Vou encher a minha sobrinha de coisas da moda. 
- Vai ser um puto! - disse o Martín, abraçando-nos também. 
Ficámos ali os quatro abraçados, simplesmente assim...juntinhos enquanto família. Entretanto, os meus irmão tiveram de ir embora porque tinham de ir trabalhar. Mesmo estando a estudar o Martín já está a fazer estágio. 
Ficou combinado que iriam jantar todos lá a casa. Os meus três irmãos e as minhas cunhadas.
- Mamacita...? - cheguei à cozinha e encostei-me à bancada...queria pedir uma coisa à minha mãe.
- Que é que queres, Ania? 
- Já que é um jantar assim em família...achas que podes contar com o Marcos? 
- Ania! - ela olhou para mim muito espantada.
- Madre... - fui junto dela, dando-lhe um abraço - eu quero apresentá-lo aos manos e às meninas...
- E o teu pai?
- Eu falo com ele. Vou lá ao Estudiantes...agora. 
- Ania...
- Madre...por favor!
- Tudo bem. Mas se o teu pai disser que não, é não! 
- Gracias! - dei-lhe um beijo na bochecha preparando-me para sair da cozinha. 
- Vais já lá?
- Sim.
- Não devias ligar ao psicólogo...?
- Ah sim é verdade! - não era uma coisa que me deixaria menos animada. Teria de falar com ele...até para me encontrar interiormente - Ligo a caminho do Estudiantes. 
- Ligas mesmo? 
- Sim - fui de novo até ela, dando-lhe mais um beijo - eu sei que tenho de falar com ele, pelo menos, duas vezes. 
- Ainda bem que estás a pensar assim...e é impressão minha ou estás animada?
- Quero ir ter com o Marcos! - a verdade é que saber que vou ao Estudiantes é a mesma coisa que ir vê-lo.
- Então não ias falar com o teu pai?
- Junto o útil ao agradável. Besos madre! 
- Vê lá se chegas antes do jantar! Preciso de ajuda! - gritou ela da cozinha, já que eu me tinha pisgado. 
- Claro mãe! Não te preocupes - gritei também e sai de casa. 
Dirigi-me até à paragem do autocarro e em poucos minutos já estava em direcção do centro de treinos do Estudiantes. Aproveitei a viagem para ligar ao meu psicólogo. Tinha o número dele gravado no meu telemóvel e depois de alguns bips ele atendeu. 
- Buenas tardes, Dr. Sanchéz. Quem fala?
- Buenas tardes doutor. É Ania Gottardi. 
- Querida. Não vi que eras tu. Peço desculpa.
- Não tem mal doutor. 
- Como estás? 
- Vou indo...cada dia melhor que o anterior. 
- Isso é que é preciso...e estás a telefonar, porque?
- Por causa das nossas sessões. Talvez fosse melhor marcar algumas...
- Acho que fazes muito bem. Agrada-me que tenhas sido tu a tomar a iniciativa. 
- Sim...tenho de ser eu a tomá-la, eu preciso de me encontrar e de encontrar certas respostas. 
- Estarei ao teu dispor. Sabes que te vou ouvir e tentar que sigas o que deves fazer. 
- Agradeço-lhe muito. 
- Então deixa cá ver... - do outro lado da linha o Dr. Sanchéz fez uma pausa, para de seguida voltar a falar - a minha próxima vaga é para daqui a dois dias. 
- Na sexta?
- Sim. Da parte da tarde, às quatro. Achas muito cedo?
- Não, não...por mim está óptimo. 
- Então fica assim combinada a primeira sessão. Depois combinamos a outra, sim?
- Muito obrigada doutor. 
- De nada querida. Vemo-nos na sexta, então. 
- Vemo-nos sim. Cumprimentos para si e para a sua mulher. 
- Cumprimentos para ti também e para os teus pais.
- Obrigada doutor - desliguei a chamada, metendo o telemóvel na mala. 
O doutor Sanchéz já é conhecido dos meus pais à algum tempo. É um senhor com os seus 50 e poucos anos e trata-me com muito respeito e sem me ver como uma vitima. 
Na próxima paragem: centro de treinos do Estudiantes! Estava a ver que nunca mais chegava. Assim que o autocarro parou e as portas se abriram, fiz o meu caminho até ao portão do centro. Estava lá o segurança que eu já conhecia à imenso tempo.
- Olá menina Gottardi. 
- Boa tarde, Florenzo. 
- Veio ter com o seu pai? 
- Sim...acha que posso entrar?
- Claro. Ele está no treino, mas a menina já conhece os cantos à casa, não é?
- Sim. 
- Então esteja à vontade.
- Muchas gracias - entrei e, a verdade, é que me sentia mesmo à vontade. 
Em pequena lembro-me de que vim para aqui com o meu pai quando não havia escola e os treinos eram mais uma brincadeira para mim. Andar atrás da bola com os jogadores da altura, brincar com os pinos e desmontar o circuito de treino era o melhor. Ninguém ralhava comigo...e eu fazia mais e mais vezes. 
Estava a caminhar pelo corredor que dá acesso ao relvado quando sou puxada para dentro de uma sala...e aquele pânico veio ao de cima. Estava a ser agarrada pelo braço e só me apetecia bater na pessoa mas, ao mesmo tempo, senti-me impotente por não o conseguir fazer. 
- Largue-me! Eu grito! - a gritar já estava eu...mas o pânico..o medo. A minha respiração estava toda descontrolada, o meu coração parecia ir sair pelo peito fora...
- Cinderela, calma. Sou eu - aquela voz...ai... o Marcos meteu-se à minha frente, colocando as suas mãos no meu pescoço. 
- Marcos... - foi impossível não chorar...desfiz-me em lágrimas. 
- Desculpa, desculpa, desculpa. Oh princesa, desculpa - ele abraçou-me e eu deixei a minha cabeça no peito dele, acalmando o meu choro e o meu coração - fui tão parvo...desculpa mesmo princesa. 
- Já passou... - disse...ainda um pouco a tremer, mesmo assim olhando para ele. 
- Onde é que eu tinha a cabeça? Fui tão otário...desculpa mesmo, Ania.
- É tão bom que sejas tu... - voltei a encostar a minha cabeça no peito dele...para acalmar em definitivo. 
- Não te vai acontecer nada igual...eu prometo - ele deu-me um beijo na cabeça e eu voltei a olhar para ele. 
- Já passou...
- Passou mesmo?
- Sim...és tu, eu sei que não me fazes mal. 
- Lá se foram as minhas ideias de te dar uma trinca... - respirei de alivio e consegui rir-me. Ele abraçou-me, levantando-me um bocadinho do chão - minha coisa boa - ele voltou a colocar-me no chão, roçando o nariz dele na minha bochecha. 
- Ainda bem que...me puxas-te para aqui. Eu sei que é estranho...mas assim dás-me a resposta antes de falar com o meu pai. 
- Eu falei com o teu pai.
- Tu o que?
- Sim. Antes do treino, estivemos a falar no relvado sobre ti. 
- E o que é que falaram?
- Isso são coisas nossas...mas o que é que queres falar com o teu pai? 
- Marcos...! Já há segredinhos com o meu pai?
- São coisas nossas. Mas pode ajudar a que ele entenda as coisas mais facilmente. 
- Não estou a perceber nada...mas isso não interessa. Logo à noite há jantar lá em casa. Com todos...irmãos, cunhadas e os meus pais. Queres...ser o meu acompanhante? 
- Q-que?
- Ficaste gago?
- Eu...estar contigo...num jantar de família?
- Sim. Era mesmo importante, Marcos. Só tenho de convencer o meu pai. E tu dizeres que aceitas, claro...mas se não quiseres ir eu entendo.
- Ania - ele colocou as mãos nas minhas bochechas, fazendo-me olhar para ele - é uma honra ir a esse jantar. 
- Serio?
- Sim. Sim. Sim. Isto se o teu pai aceder ao pedido. Se ele não deixar, eu não posso ir. 
- Vou falar com ele...
- Queres que vá contigo?
- Tu estás aqui...mas é melhor eu ir sozinha. Pode ser?
- Claro, cinderela. 
- Agora...quero uma coisa que me faz falta e que me dá força...
- O que? 
- Um beijinho... - ele sorriu, desceu as suas mãos até à minha cintura, puxando-me para ele...ele é subtil no que faz...não sinto que seja um exagero porque ele faz com carinho. Trocámos um beijo também ele envolto em carinho e amor.
- Desejo-te muita sorte - disse ele, interrompendo o beijo. 
- Obrigada príncipe - dei-lhe um beijo curtinho e sai dali. 
Fui em direcção ao relvado, onde estava a equipa técnica, incluindo o meu pai. Ele viu-me e veio na minha direcção. 
- Ania - ele deu-me dois beijinhos - aconteceu alguma coisa?
- Não, não aconteceu nada papi
- Então o que fazes aqui?
- Se lhe disser que o vim ver não acredita, pois não?
- Não...vieste ver o Faustino?
- Também não...quer dizer, também. Mas já o vi. Eu queria falar consigo.
- Diz. 
- Logo à noite vai haver jantar de família. 
- Vai?
- Sim...o Francisco tem uma novidade para contar e quer todos juntos. 
- Cheira-me que já sabes o que é. 
- Sei eu, a mãe e o Martín. 
- E porque é que eu não sei?
- Porque o pai está aqui...mas logo à noite vai saber. 
- Ainda estou para ver o que vai sair daí...
- É bom, pai...é bom. Mas eu quero pedir-lhe uma coisa. 
- Lá porque já sabes, vais jantar connosco na mesma. 
- Sim, sim...não é isso. 
- Então...diz lá. 
- Pai...eu sei que o não tenho garantido...mas... - comecei a ficar completamente sem saber como avançar, mas vi o Marcos por detrás do meu pai já a fazer a corrida com a restante equipa. 
- Fala filha.
- O Marcos pode jantar connosco? Pronto...já está. 
O meu pai nada disse...ficou a olhar para mim até que se lembrou de que existia. Deu-me um beijo na testa e começou a afastar-se. 
- Queres que dê boleia ao rapaz ou ele sabe o caminho?
- Ele sabe o caminho...isso...é...
- É. Mas ajuda a tua mãe a preparar o jantar - maior felicidade que esta? É impossível
Fui a correr ter com o meu pai, abraçando-o. 
- Gracias, gracias, muchas gracias papi! 
- Oh filha - ele abraçou-me dando-me um beijo na cabeça - esse sorriso é a maior recompensa que posso ter. 
- Obrigada, a sério pai - olhei para ele, que me sorria. 
- Vá...tenho de ir treinar o teu Marcos...
- Não seja mauzinho para ele pai...e tome lá conta do seu Faustino - ele riu-se que nem um perdido e foi juntar-se à equipa técnica. 
Eu tinha vontade de ali ficar, mas decidi ir para casa. Tinha de ajudar a minha mãe. Quando há jantares de família há direito a tudo. Entradas, prato de sopa, prato de carne e montes de doces...somos todos super gulosos. 
Passei a tarde toda com a minha mãe na cozinha, entre carne, sopa e doces, ainda rapei os tachos a muita coisa. 
- Ania? - chamou-me a minha mãe, quando estava a por a mesa. 
- Sim mãe?
- Vai-te arranjar filha - ela chegou ao pé de mim já ela tinha tomado banho e trocado de roupa - eu acabo isso. 
- O pai? Já disse alguma coisa?
- Vem a caminho para se arranjar e disse que o Faustino também já foi para casa dele. 
- Sim...o Marcos mandou mensagem a dizer que estava em casa a arranjar-se e que não sabia o que vestir. 
- Homens...
- Mãe...eu vou ter o mesmo problema. 
- Ania, pensa que é um jantar normal.
- Oh...mas é especial mãe...
- Sim. Mas vai arranjar-te porque vais demorar imenso estou a ver. 
- Ok, ok. Eu vou. 
Subi até ao meu quarto e, depois de um duche super rápido, fui até ao meu roupeiro ver o que é que ia vestir...
Peguei numa coisa que nunca pensei usar...mas que era o que me apetecia vestir. Depois de estar toda arranjada (cabelo, maquilhagem simples, creme pelo corpo e a roupa e sapatos no sitio certo) desci até à sala, onde só estava a minha mãe. 
- Mãe...isto é demais, não é? - perguntei, fazendo-a virar para mim. 


- Ania...
- Pronto, já percebi...é demais, vou trocar.
- Ania, nada disso - disse ela, travando-me - tu estás deslumbrante filha. 
- E não é demais para um jantar de família? 
- Não...é um jantar especial, ou não? 
- É...
- Então estás perfeita filha. Estás mesmo muito bonita. 
- Obrigada mamacita - dei-lhe um abraço, sentia-me mais segura com a opinião da minha mãe - o pai? 
- Está a abrir o vinho na sala de jantar. 
- Vou lá ter com ele. 
Fui até à sala onde realmente encontrei o meu pai. 
- Precisa de ajuda? - perguntei. Ele olhou para mim, pousando o vinho na mesa. 
- Não...bem...a minha filha está uma autentica senhora. 
- Pai...acha que é muito exagerado?
- Sinceramente? Estás muito linda Ania. 
- Obrigada pai...também está muito janota! 
- Obrigado filha - nisto tocam à campainha - deve ser um dos teus irmãos. 
- Acho que é o Marcos...ele disse que já estava a chegar. 
- Então vai lá ter com o rapaz. 
Sai da sala indo até ao hall...onde estava a minha mãe a abrir a porta. 
Era o Marcos. Esta noite seria para a família. O Francisco vai revelar a todos que vai ser pai e que a vida dele está melhor que nunca...e eu tenho o Marcos comigo. Vou te-lo no primeiro jantar dele com a minha família. 
Não sei se lhe coloquei demasiada pressão em cima...mas ainda bem que os meus irmão ainda não chegaram...dá-me tempo para falar uma coisa muito, mas muito importante com ele. A forma como o apresento a todos.