Ania
olhava há muito tempo para a mesma fotografia. Aquela que tinha como fundo do
seu telemóvel e que havia sido tirada há dois dias quando Marcos levou Morena
para o jogo de apresentação da época.
Morena
dormia sossegada a seu lado no sofá e Marcos tinha chegado há pouco tempo do
treino. Ania não deixava de pensar no seu irmão Martín e em Romina. Todos os
tratamentos não tinham dado resultado nenhum e as únicas opções deles seriam:
uma barriga de aluguer ou a adopção. Ania queria, de todas as formas possíveis
e imaginárias, ajudá-los...apenas não sabe qual é o próximo passo a dar.
-
Estás bem? – questionou Marcos, chegando à sala.
-
Sim.
-
Que carita é essa? – Marcos sentou-se em cima das pernas de Ania, agarrando-lhe
o pescoço – estás aí há tanto tempo calada e só a olhar para a nossa
fotografia...
-
Queria que o meu irmão tivesse uma igual. Uma fotografia assim, onde fosse
visível todo o amor dele pela filha...eles não merecem isto. Eles, mais do que
qualquer pessoa, têm ajudado em tudo e todos, têm vivido a vida ao máximo
e...eles não pediram nada de especial, apenas um filho.
-
Ania...
-
Eu sinto que vou fazer qualquer coisa por eles. Ainda não sei o que é mas eu
quero mesmo.
-
Não há nada que possas fazer. Não és médica, não consegues solucionar o
problema deles...
-
Daqui a pouco vamos buscá-los – Martín e Romina iriam passar os próximos dias
em Portugal já que dentro de três dias, Morena iria completar o seu primeiro
ano de vida – e eu quero falar com eles, perceber o que é que posso fazer.
-
Continuas com aquelas ideias na cabeça?
-
São apenas ideias – Ania desviou o seu olhar de Marcos, depositando-o agora em
Morena – ninguém iria aceitar tal coisa.
-
Ia ser complicado – Marcos sentou-se ao lado de Ania que, naquele momento, teve
a confirmação que não poderia colocar aquela sua ideia como uma hipótese para
ajudar o irmão – mas podes tentar.
-
Posso? – voltou a olhá-lo, estranhando aquela afirmação de Marcos – tu próprio
acabaste de dizer que seria complicado. Isto não seria uma coisa que só eu
decido...
-
Não. Teria de ser decidido a quatro.
-
E qual é que seria a tua posição no assunto? – virou ligeiramente o seu corpo
para Marcos, olhando-o.
-
Não faço ideia.
-
Enquanto tu não me deres a tua opinião eu nunca poderei avançar com a proposta
ao Martín e a Romina.
-
Dá-me tempo, por favor.
-
Claro – Ania deitou a sua cabeça sobre o peito de Marcos, sentindo os braços do
marido envolverem-lhe o corpo – independentemente de qualquer coisa, é bom
saber que estás disponível a pensar no assunto.
-
Estarei sempre disponível a pensar sobre tudo o que te envolva a ti e a nós
enquanto casal.
-
Onde é que eles se meteram?
-
Acho que estão lá fora com a More – depois de responder a Ania, Marcos puxou-a
para si chocando o seu corpo com o da mulher – parabéns, mamã.
-
Parabéns é a ti que há um ano fazias de mãe e pai para ela. E ainda o fazes
hoje.
-
Temos conseguido fazer um bom trabalho, não temos?
-
Eu acho que sim. Creio que nunca vi uma criança tão feliz como a nossa filha.
-
E ela também será feliz com todos os primos da vida dela.
-
Já o é com o Diego, com os futuros filhos das tuas irmãs e, ainda, aqueles que
os meus irmãos tenham para dar. A nossa família será sempre enorme, tens noção
disso?
-
Se tenho! – Marcos abraçou a mulher, encostando os seus lábios ao pescoço de
Ania – quando estiveres pronta, podemos falar com o Martín e a Romina – Ania
não sabia muito bem o que Marcos queria dizer com aquilo...aquele assunto tinha
caído no esquecimento desde que o seu irmão e a cunhada tinham chegado a
Lisboa.
Olhou
o marido, sentindo as mãos de Marcos chegarem-lhe ao pescoço.
-
Como assim?
-
Eu não sei quando o queres fazer, nem como o queres fazer mas eu estarei a teu
lado.
-
Vai ser estranho, não vai?
-
Possivelmente – os dois foram surpreendidos pela chegada de Iara à sala.
-
Ai desculpem seus pombinhos, não queria interromper o momento dos pais da
aniversariante!
-
Não interrompeste nada... – começou Ania.
-
Ai isso é que interrompeu! É que foi logo no momento chave!
-
Não me digas que a ias pedir em casamento? – os três começaram a rir-se e Iara
seguiu o seu caminho.
-
Quando é que será boa ideia falar com eles?
-
Ou mais para a noitinha ou quando a Morena acalmar...
-
Acho que, no dia de hoje, ela não vai conseguir acalmar antes da noitinha.
-
Pode ser que sim...vá, agora vamos até lá fora – Marcos deu a mão a Ania,
caminhando com ela até ao exterior.
Ania
foi, de imediato, ter com Morena que brincava com Romina. Tinham escolhido
fazer uma festa simples, apenas com alguns amigos e o único que estava da
família de Ania era Martín com Romina e Micaela do lado de Marcos. Os restantes
tinham ficado por La Plata.
-
Que tal se está a portar a senhora Morena? – Ania sentou-se na relva perto das
duas.
-
Super bem. Se ninguém se meter com ela, ela não dá trabalho a ninguém e brinca
com as coisinhas dela sossegadinha.
-
Já é assim desde bebézinha, pelo que me dizem – Romina olhou-a, esboçando um
sorriso – achas que podemos falar um bocadinho?
-
Claro. Passa-se alguma coisa?
-
Romi... – Ania aproximou-se da cunhada, agarrando-lhe numa das mãos – tem a ver
com vocês...
-
Comigo e o teu irmão?
-
Sim. Eu sei o quão difíceis são todos os tratamentos mas não imagino, sequer, o
que será dizerem-nos que não é possível ter uma gravidez porque o nosso corpo
rejeite que o bebé se forme... – Ania, por momentos, teve medo de avançar com o
que queria dizer à cunhada. Tinha Marcos a observá-la, sentando à mesa debaixo
do toldo. Fez-lhe um coração com as mãos, assentindo que sim com a
cabeça...quase como se as estivesse a ouvir.
-
Está tudo bem? – questionou Romina que não deixou aquele momento passar-lhe ao
lado – Também andas a tentar?
-
Não, não – Ania focou-se, de novo, na cunhada – já pensaram em barriga de
aluguer?
-
Nós não podemos fazer isso...eu nunca poderia seguir tão perto o crescimento do
meu bebé. Sabes que só o poderíamos fazer ou nos Estados Unidos ou no Brasil? –
Ania assentiu que sim com a cabeça – iria ser complicado...muito complicado
mesmo.
-
E se...a vossa barriga fosse a minha?
-
Ania...
-
Não me digas nada. Nem um sim, nem um não...eu sei que é uma coisa que
precisaríamos imenso tempo para ponderar e pensar e, até, ver se eu posso ser a
vossa barriga. Porque não sabemos se eu também o poderia ser – Ania agarrou as
mãos de Romina, aproximando-se dela – mas eu estaria disposta a ajudar-vos e o
Marcos também. Seria complicado, mas não custa nada tentarmos.
Romina
sentia-se sem chão, sem nada na cabeça. Não por ter recebido uma má noticia mas
por ser uma situação com a qual não sabia lidar. Olhou para Martin que estava à
conversa com Micaela e Marcos.
-
Já falaste com o Marcos? – perguntou Romina, quase sussurrando.
-
Já. Ele deu-me força para que pudesse falar convosco mas, ambas sabemos que
será um processo complicado. Mas poderiam acompanhar a gravidez, o crescimento
do vosso filho...e acredito que confiassem em mim para o carregar durante nove
meses.
-
Claro que sim – Romina olhou-a – de entre todas as hipóteses tu serias a nossa
escolhida, sem qualquer dúvida. Mas, Ania, tu já passaste por tanto numa
gravidez...nem eu, nem o teu irmão te conseguiríamos pedir tal coisa.
-
Vocês não me estão a pedir nada, nem iriam pedir. Sou eu que me estou a
oferecer para vos ajudar. Só isso.
-
Achas que podemos falar disto noutro momento?
-
Claro, claro.
-
Mas obrigada, Ania – Romina passou com a sua mão pela cara de Ania, sorrindo –
é um gesto que eu nunca me esquecerei – as duas foram interrompidas por Morena
que atirou um dos seus brinquedos para junto de Romina – alguém está a querer
brincar com a tia! – aproximou-se de Morena, dando-lhe um beijo na testa.
Ficaram
as três durante bastante tempo ali a brincar com Morena até que Martín e
Micaela se juntaram a elas. Ania aproveitou aquele momento para ir ter com o
marido e os amigos.
-
Olha quem é ela! – disse André, atirando um rebuçado para Ania – já brincaste
tudo, miúda?
-
Já, já. Mas tu bem que podias ajudar a manter a Morena ocupada.
-
A piriti não gosta de mim – Ania sentou-se em cima das pernas de Marcos que, de
imediato, rodeou o corpo da mulher com os seus braços.
-
Tu é que não gostas de te mexer, isso sim – atirou Iara, fazendo com que todos
se rissem menos André.
-
Só por causa disso, adeus! – André levantou-se indo até à relva. Os primeiros
momentos dele junto de Morena e de todos os que estavam junto dela, só fizeram
com que Ania, Marcos e Iara se rissem. Ultimamente, Morena fazia de tudo para
afastar André de perto dela. Mesmo que o puxasse para brincar com ela.
-
Já falaste com a Romi? – perguntou, baixinho, Marcos ao ouvido de Ania.
-
Já – Ania virou ligeiramente o seu corpo para o marido, levando as suas mãos à
cara de Marcos – coloquei a hipótese de ser eu a carregar o filho deles em cima
da mesa. Mas vamos precisar de falar muito bem disto todos.
-
Devo dizer que poucas seriam as pessoas capazes de tal coisa – Marcos levou as
suas mãos às costas de Ania, por dentro da camisola que ela envergava – e que
consegues tornar-te ainda mais bonita a cada dia que passa – Marcos deu um
beijo no pescoço de Ania que aproveitou o momento para o abraçar – nós vamos
ter de falar muito mesmo.
-
Oh meninos! Façam essas coisas quando eu não estiver por perto! – os dois começaram
a rir-se já que se tinha esquecido completamente que Iara estava presente.
Ania
virou-se para a amiga, continuando a sentir as mãos de Marcos no seu corpo.
-
Pedimos imensa desculpa, Iara.
-
Acho bem. Eu dispenso saber como é que é o vosso processo de preliminares! –
todos se riram, acabando por tornar aquele momento mais leve para Ania e
Marcos.
-
Não, não, não!
-
Martín, deixa a tua irmã acabar de falar – pediu Marcos.
-
Não, Marcos. Desculpa mas eu já ouvi o suficiente. Eu não quero que vocês
passem por uma gravidez que não é vossa...podendo correr todos os riscos que a
Ania correu quando foi da Morena. Eu não quero isso – Martín olhava a irmã que,
naquele momento, estava petrificada a olhar para ele – não me olhes assim,
Ania.
-
Mas...
-
Mas nada. Nós haveremos de arranjar uma solução, alguém que nos ajude.
-
Eu quero ajudar. Eu estou a oferecer-me para ajudar...eu quero carregar o meu
sobrinho e dar-vos a hipótese de seguirem todos os passos da vossa gravidez.
-
E o que é que vais explicar à tua filha quando ela perceber as coisas? O que é
que vais explicar às pessoas que vos seguem?
-
A verdade...se vocês quiserem, claro. Podemos sempre esconder ao máximo...
-
Não, Ania. Não podemos – Martín levantou-se do sofá, olhando para a irmã e o cunhado
– eu agradeço o que vocês querem fazer, não me achem ingrato mas eu não posso
aceitar. Eu vou dar uma volta – Martín não deu qualquer hipótese para lhe
responderem já que saiu imediatamente de casa.
-
Obrigada – disse Romina, chamando a atenção dos dois – obrigada mesmo por
tentarem.
-
Eu não vou desistir – Ania olhou para Marcos – eu vou voltar a falar com ele
sobre isto – voltou a olhar para Romina – e eu vou conseguir convence-lo a
olhar para a hipótese que eu vos estou a dar como uma hipótese bastante válida.
-
Mas deixa passar uns dias – avisou Marcos.
-
Claro. Acho que até podemos falar com o nosso médico e ver o que é que ele diz
sobre o assunto – Ania sentiu a mão de Marcos procurar a sua, enquanto Romina
os olhava com um sorriso nos lábios.
-
Eu não tenho palavras para agradecer o que querem fazer por nós.
-
Não precisas de agradecer, Romi – disse Ania.
-
Somos família e estamos dispostos a fazer tudo para ajudar – ao falar, Marcos
acabou por surpreender a própria mulher. Sabia que ele se sentia bem naquela
família...mas surpreendia-a por estar a dizer aquilo a Romina.
-
Eu acho que vou andando para o hotel...
-
Não queres ficar por aqui? – perguntou Ania.
-
É melhor ir para lá. Quero estar lá quando o Martín chegar... – Romina levantou-se
e os dois fizeram o mesmo – obrigada...
-
De nada, Romi – Ania abraçou-a e, depois, Marcos repetiu o gesto.
-
Fiquem bem.
-
Tu também. E, qualquer coisa, liga – disse Marcos, começando a caminhar para as
escadas.
Assim
que Ania fechou a porta já ele não estava naquela divisória da casa. Antes de
subir, Ania apagou todas as luzes da sala indo até ao seu quarto. Marcos já
estava deitado e Morena dormia tranquilamente no seu berço.
Ania
começou por se despir, sob o olhar atento do marido.
-
Precisamos de falar... – Ania sobressaltou-se com aquela afirmação de Marcos,
sentando-se ao fundo da cama virada para Marcos, estando apenas em roupa
interior.
-
Isto é demais para ti, não é?
-
Não se trata disso – Marcos sentou-se, também, entrelaçando as suas mãos uma na
outra e olhando para Ania – promete-me que, se o médico dizer que é perigoso tu
não avanças com a ideia...
-
Marcos...
-
Ania, promete-me – aproximou-se da mulher, agarrando-lhe as mãos – não sabemos
como é que o teu útero poderá reagir a uma gravidez tão próxima da outra, não
sabemos como tu própria irás reagir. Tanto a nível físico como psicológico.
Este bebé não seria nosso...tu terias de abdicar dele no momento em que
nascesse.
-
Eu abdicarei dele no momento em que estiver dentro de mim. Eu sei que é o meu
sobrinho, eu só o vou trazer ao mundo enquanto os pais dele tratam de tudo cá
fora para o terem.
-
Ania...
-
Marcos – Ania levou as suas mãos à cara do marido – eu prometo que, se disserem
que é perigoso, eu não avanço. Mas deixa-me tentar, por favor.
-
Tenho medo de tudo o que isso possa implicar. Nós ainda queremos dar um irmão à
Morena, queremos não queremos?
-
Claro que queremos. Mas isto que eu quero fazer por eles não vai interferir com
as nossas vidas.
-
Claro que vai...tu podes ficar grávida, podes ficar novamente com aquelas
mudanças de humor brutais, podes...eu só não quero que tu fiques em risco, que
o bebé deles fique eu risco e que o nosso futuro enquanto pais fique em risco,
também.
-
Eu prometo que só avanço com o sim seguro do médico, com o teu sim e o sim
deles dois.
-
Promete, também, que me ouves todas as vezes antes de qualquer decisão.
-
Claro que sim – Ania precipitou-se na direção dele, beijando-o – estamos nisto
juntos, é o combinado não é?
-
É.
-
E tu vais falar sempre comigo sobre tudo o que sentires ao longo deste
processo, não vais?
-
Vou.
- Vai
correr tudo bem, meu amor – voltou a beijar o marido, com a certeza que não
será um processo fácil. Para ninguém.
Olá meninas!
Espero que tenham gostado do capítulo que vos trouxe para terminar o ano de 2015! Aguardo pelos vossos comentários.
Aproveito, também, para vos desejar a todas um excelente 2016 com muito sucesso, saúde e união. Isso será o essencial. O resto virá por acréscimo e será bem vindo.
Beijinhos.
Ana Patrícia.