23 - "Depende do que tu me deres todas as noites..."

Ania começava a acordar com os raios de sol que iluminavam a sua cara. Sentia-se bem, preenchida, amada e respeitada. O momento pelo qual ansiava tinha chegado, tinha acontecido e a forma como tudo se tinha proporcionado tinha sido a perfeita. Ania sentiu-se ainda mais amada por Marcos, sentiu-se respeitada e protegida. Aquele momento, aquela noite ficará para sempre marcada nas vidas deles.

Do seu lado tinha a pessoa que lhe tinha devolvido a vontade de perspectivar um futuro. De sonhar com o que virá no futuro. Ania começa a ansiar por um futuro com alguém, como um casal. Marcos estava a dormir serenamente ao lado de Ania. Estava de barriga para baixo com o tronco despido.

Ania pegou na camisola de Marcos que estava no chão e vestiu-a. Estava com frio, talvez por ter acordado destapada também. Continuou deitada, mas colocou-se mais junto de Marcos dando-lhe beijos nas costas. Começava a conhecer aquele corpo como se fosse o dela, queria passar a maior parte do tempo a olha-lo e a toca-lo.

Marcos começou a mexer-se, escondendo a sua cara na almofada. Ania apercebeu-se disso e acabou por se colocar junto dele. O seu nariz ficou colado à bochecha de Marcos e levou a sua mão direita a percorrer as costas de Marcos.

- Isso é tudo soninho? - a vontade de ser...a Ania romântica e apaixonada estava lá. Aquela vontade estava de volta...tudo porque a relação dos dois tinha passado a um outro patamar. Ania sentia que isso tinha acontecido mas, mesmo assim, queria que as coisas decorressem com naturalidade. 

Depositou um beijo na bochecha de Marcos e encostou-se de novo nele. Marcos estava cheio de sono, essa era a verdade. Custava-lhe abrir os olhos e só tinha vontade de fechar as cortinas, ficar agarrado a Ania e adormecerem os dois outra vez. Virou a sua cara para Ania, permanecendo de olhos fechados. 

- É sono...muito sono - respondeu com a voz a sair-lhe arrastada.

- Até parece que passámos a noite toda a conversar, bebé - Ania riu-se, colando os seus lábios aos de Marcos - bom dia, oh tonto. 

- Posso contar contigo animada todas as manhãs a partir de hoje? - Marcos abriu, finalmente, os olhos virando o seu corpo para o de Ania. Colocou a sua mão por dentro da sua camisola que Ania tinha vestida e puxou-a para mais perto dele. 

- Depende do que tu me deres todas as noites...

- Olha...quem és tu que eu não te conheço?

- Sou a Ania que ainda está a ressacar do que aconteceu, sou a Ania que quer passar o resto dos dias com o seu Marcos, sou a Ania...que quer um futuro bom.

- E essa Ania, por acaso, quer mais um beijo do namorado?

- Ela querer queria...mas ele parece que não dormiu o suficiente e, então, está lentinho a fazer as coisas. 

- Eu te digo quem é o lentinho.

Marcos beijou Ania e tudo começou a seguir o caminho natural das coisas. Beijos levaram a mais beijos, que levaram a mordidelas e os dois ficaram naquele quarto de hotel até entenderem que estavam, de novo, ligados como namorados.

Ania chegava a casa depois de ter almoçado com Marcos no hotel. Teria de explicar certas coisas aos pais...eles iriam fazer imensas perguntas, mas ela estava feliz e era isso que iria mostrar. Entrou em casa e ouviu a voz da mãe vinda da cozinha. Começou a aproximar-se e sentiu que iria bloquear. Lucas estava na cozinha com a mãe...e os dois falavam:

- Como é que queres vir cá para casa depois do que aconteceu? O teu pai e eu estamos muito magoados contigo, a Ania nem se fala...como é que queres vir para cá?

- Mãe...eu e a Martina vamos divorciar-nos...eu não vou ficar na casa dela...mas também não espero que me recebam. Desculpe ter cá vindo - Lucas preparava-se para se despedir da mãe, quando Ania decidiu entrar na cozinha. 

Olhou para a mãe, que ficou dividida entre olhar para a filha e olhar para o seu filho mais velho. Lucas percebeu que alguém tinha entrado...só não esperava que fosse Ania. Quando os dois se olharam, os sentimentos eram distintos: Ania tinha pena, raiva, ódio...e ao mesmo tempo saudades do tempo em que Lucas era o seu irmão mais velho; já Lucas...sentia ódio de si próprio por tudo o que tinha feito, sentia-se revoltado, arrependido e envergonhado por estar na frente da sua irmã.

- Olá mãe! - disse Ania, entrelaçando as suas mãos uma na outra - boa tarde...Lucas - tanto Lucas, como Ortencia não esperavam que Ania falasse ao irmão. 

- Filha...o Lucas estava já...

- Sim, eu ia já embora - Lucas sentia que era isso o que deveria ser feito. Ir embora e não perturbar Ania.

- Não é preciso...podemos falar...Lucas? - A outra grande novidade da terapia, esta para todos, era que Ania queria estar com o irmão. Perguntar-lhe coisas, como que interrogá-lo pelo que aconteceu. Só isso a faria voltar a olhar Lucas como seu irmão.

- Tu...queres falar comigo? - Lucas estava surpreendido. Muito surpreendido mesmo, assim como Ortencia que não se conseguia prenunciar. 

- Sim...podemos ir para o escritório do pai? 

- Claro... - Ania foi a primeira a sair da cozinha, Lucas ainda olhou para a mãe mas seguiu caminho atrás da irmã. 

Os dois entraram no escritório e não foi preciso muito mais tempo para que Ania começasse a falar.

- Eu tenho andado em terapia...e isso já me levou a fazer coisas para as quais eu não estava preparada, Lucas. E o meu psicólogo tem vindo a trabalhar comigo as minhas dúvidas. Cheguei ao ponto em que te queria confrontar e o facto de estares aqui hoje...só me deu ainda mais vontade.

- Ania...

- Lucas, espera, não fales nada de "eu não queria ter feito aquilo", porque tu querias. Se não tivesse sido eu, era outra rapariga que estivesse no meu lugar. Tiveste uma noite complicada, estavas a viver tempos complicados com a Martina...e eu fui a tua vitima. Mas...já o tinhas feito a mais alguém? Ou já o voltaste a fazer?

- Não...não Ania.

- Eu tenho nojo de ti...acho que entendes isso.

- Até eu sinto nojo de mim mesmo...

- Já pensaste em ir a um psicólogo?

- Tenho ido...e talvez seja bom ser honesto contigo.

- Diz.

- Eu e a Martina não estamos bem...ela estava grávida, já não está. Mas mesmo antes disso...nós já não éramos os mesmo. Eu não sou o mesmo. Eu tenho andado muito confuso, muito...diferente. E...naquela noite, foi como que uma prova para mim?

- Eu fui uma prova? Violaste-me para provar o que? Que és nojento?

- Não, não...não é isso - Ania deixara cair lágrimas, aquele choro começava por ser de alívio, porque estava finalmente a livrar-se daquele peso - eu vou contar-te a verdade sobre mim...eu pensei que era feliz ao lado da Martina...pensava mesmo que era feliz com a minha mulher, com mulheres no geral. Mas não...Ania...eu não assumi isto a ninguém...mas eu gosto de homens.

Ania sentiu que, se pudesse, teria deixado o seu queixo cair-lhe até ao chão. Lucas sabia que aquilo não ia apagar nada do que se tinha passado, mas era a primeira vez que o dizia em voz alta. E acabou por fazer sentido ter contado a Ania. 

- Sabes que isso não apaga nada, não sabes?

- Sei...sei que nada vai apagar o que aconteceu, que nada te fará voltar a olhar para mim como teu irmão mais velho...e que as coisas ainda serão piores para mim. Os pais e os manos já me desprezam e se eu assumir aquilo que sou ainda será pior. 

- Lucas...eu vou fazer a minha vida fora desta casa.

- Vais?

- Sim...eu ainda não disse aos pais, mas eu vou viver com o Marcos. 

- Fico muito feliz por vocês.

- Obrigada...mas podemos jantar os dois hoje com os pais...e tu vens cá para casa. Eles não te vão fechar as portas se souberem que eu te perdoei. 

- Mas...tu não me perdoas Ania.

- Perdoar é uma coisa, esquecer é outra. Eu não consigo olhar para ti, pelo menos para já, como o meu Lucas. O meu irmão mais velho que me protegia...mas consigo perdoar-te como Lucas...aquele que fez aquilo que fez. 

- Eu não mereço o teu perdão.

- Mereces... - Ania aproximou-se de Lucas, sempre olhando os olhos do irmão - tu destruís-te o que havia em mim...mas fizeste de mim uma pessoa mais forte. Mereces o meu perdão porque me deste vida...porque, ao fim ao cabo, és meu irmão. Aquela Ania super confusa continua cá, já percebeste, não é? - Ania falava mas acabava por se contradizer toda - Lucas, o que eu quero dizer é que...eu quero viver como se tudo entre nós começasse hoje. És meu irmão e eu não consigo esquecer o que de bom me fizeste. Mas também não consigo esquecer aquilo que foi o pior momento de sempre da minha vida. Posso, apenas, dar-te o meu perdão e um abraço?

Lucas estava surpreendido com tudo aquilo que Ania lhe dizia...era estranho mas, ao mesmo tempo, bom. Ania abraçou Lucas. Sentia-se estranha, mas aquele abraço também durou pouco tempo. Afastou-se de Lucas e olhou-o. 

- Jantas cá logo?

- Não sei se os pais...

- Sou eu que estou a convidar.

- Ah...acho que sim.

- Então pronto. Eu agora tenho de ir. Vou à praia. 

- Sim sim...Ania...obrigada.

- De nada Lucas...se arranjares alguém...gostaria muito de conhecer essa pessoa. 

- Não sei...

- O amor é tramado é só isso Lucas.

Ania saiu do escritório indo até à sala onde estava a mãe. 

- Mamacita...sei que deves querer falar montes de coisas comigo, mas eu vou trocar de roupa e vou à praia com o Marcos. Não faz mal?

- Não...mas Ania está tudo bem?

- Tudo perfeito mami - Ania deu um beijo na bochecha da mãe e foi até ao seu quarto. 

Ania e Marcos estavam deitados lado a lado nas toalhas. Aproveitaram para namorar (ainda mais) e falarem sobre o que fazer em relação à vida como casal. Mas Ania ainda não lhe tinha contado nada sobre Lucas.

- Marcos? - Ania estava de barriga para cima e Marcos sentou-se na toalha. 

- Que se passa?

- É que...o Lucas esteve lá em casa.

- Que? - Marcos estava surpreendido e preocupado ao mesmo tempo.

- Sim...e falámos os dois...e está tudo mais ou menos bem. É óbvio que tenho nojo dele...mas eu abracei-o hoje. 

- Uau...não estava à espera disso.

- Nem eu. E olha...ele contou-me umas coisas e em principio vai viver lá para casa. 

- Contigo por lá?

- Não Marcos! Achas que eu ia conseguir viver com ele? Nós vamos os dois viver juntos...e ele vai para lá.

- E...tu estás bem?

- Mais feliz não poderia estar! - Ania puxou Marcos para si e os dois beijaram-se. 

O resto da tarde na praia foi, sobretudo, para planear à séria onde iriam arranjar a casa deles. Queriam apenas um apartamento, nada muito grande, até porque Marcos não ficava em La Plata por muito mais tempo. 

Perto da hora de jantar Ania desceu do seu quarto com uma moldura na mão. Foi até à cozinha e mostou-a à mãe.

- Que achas?

- Que estão os dois muito felizes. 

- Nem se vê nada disso mãe.

- Uma mãe vê sempre. 

- Oh...

- Vá, ajuda-me é a por a mesa.

- Vem mais uma pessoa jantar.

- O Marcos?

- Não... - Ania ainda não tinha dito nada aos pais...e a campainha acabara de tocar.

Começou a correr até à porta mais foi tarde demais. O seu pai já a tinha aberto e o cenário não era o melhor. 

- Eu quero-te longe desta casa! - Hugo gritou com Lucas, sem que este tivesse falado. Ania teria a árdua tarefa de resolver as coisas entre eles.