Tínhamos planeado ficar em casa a descansar, a ver um filme, a falar e tal. Mas nada disso tinha sido feito, quer dizer: ficámos a descansar. E comecei a ver o filme. Não sei qual era, o Marcos é que o tinha escolhido mas eu adormeci. Devo ter dormido três horas seguidas, aninhada no sofá e só acordei quando o Marcos me acordou.
Ele sabia que ter conhecido a irmã dele já tinha sido uma coisa de outro mundo hoje e...conhecer mais alguém da família dele deixava-me estranha e entendeu que eu quisesse sair dali antes de alguém chegar.
Saímos de casa dele, indo na direcção da minha...e foi então que eu me voltei a sentir insegura. Iria estar com os meus pais, com os meus irmãos e as minhas cunhadas...estariam todos à minha espera, todos a olhar para mim, a querer fazer-me perguntas...a quererem abraçar-me.
O Marcos tinha parado o carro dele em frente do portão de minha casa.
- Não sei como é que vou entrar ali... - confessei.
- Cinderela, é a tua família. Eles só querem o teu bem.
- Mas é muita gente Marcos. São os meus pais, os meus três irmãos com as minhas três cunhadas...
- E o que é que pensas em fazer?
- Ficar cá fora é que não adianta...
- De qualquer maneira eu vou entrar contigo.
- Vais o que? Não, não...
- Porque não? Eu tenho estado sempre contigo hoje, a tua mãe disse-me para não te deixar sozinha e só quando estiveres entregue é que eu vou embora.
- Marcos...
- Ania. Está decidido. Eu vou contigo lá dentro.
- E...eles vão começar a fazer perguntas.
- Só respondemos ao que temos respostas.
- Falando assim parece fácil.
- Não tem de ser muito dificil.
- Vamos entrar então - retirei da mala as chaves de casa que tinham o comando que abria o portão.
O Marcos entrou com o carro e estacionou-o junto dos carros dos meus irmãos. Saímos do carro e dirigimo-nos para a porta que, antes que eu metesse a chave para abri-la, já a minha mãe estava a fazer isso.
- Ania! - a minha mãe...sendo minha mãe, abraçou-me. Não era como receber o abraço do Marcos. Não era nada igual, nem coisa parecida. Não me sentia mal...mas não era a mesma coisa.
- Mãe...já chega - afastei-me dela, embatendo no Marcos, que colocou as suas mãos na minha cintura...e aquele toque, era perfeito. Estava na presença de duas pessoas muito importantes para mim, mas não conseguia ser a mesma para ambas.
- Entrem. Os teus irmãos vão gostar de te ver - e eu? Irei gostar de os ver? Entrei em casa, afastando-me então do Marcos. Não ia aparecer em frente do meu pai com ele agarrado a mim...
Fomos os três até à sala onde sete pares de olhos me olharam. Foi como...perder os sentido por uns segundos. Senti-me estranha e confusa. Porra! É a minha própria família e eu estou com medo dela...deles! Nem os meu pai nem os meus irmãos...tinham culpa do que me tinha acontecido, nenhum deles me tinha violado, mas eram homens, tinham um cheiro a homem que já se infiltrava nas minhas narinas.
- Ania! Filha! - o meu pai, que até agora estava sentado no seu sofá, levantou-se vindo na minha direcção. Senti-lo perto de mim foi horrível, aquela proximidade, aquele cheiro deixou-me...com medo. Como é que é possível? Como é que eu posso estar com medo do meu próprio pai? A minha cabeça está tão confusa que tem momentos que nem pareço ser eu a pensar.
- Pai...eu não quero abraços. Por favor...
- Claro...desculpa.
- Não pai...tu não tens culpa. Eu é que tenho de pedir desculpa.
- Deixa filha. Vai sentar-te - fui sentar-me no sofá. Olhei para todos e TODOS estavam com aquela cara: "Coitadinha, nem imagino o que é que ela está a sofrer." Estão com aquela cara que eu não queria ver em ninguém. A cara de quem tem pena do que me aconteceu e está pronto para me abraçar, dar beijos...fazer perguntas, tudo o que eu não quero.
Olhei para o Marcos...era o único que sorria naquela sala. Nos olhos percebi que havia preocupação, mas ele sorria. Sorria-me. Todos estavam sentados, à excepção dos meus pais e do Marcos. Quando o meu pai se sentou, a minha mãe disse ao Marcos que se sentasse e ele sentou-se a meu lado. A perna dele tocava a minha...e como é que eu me posso sentir bem com isso?
Como é que eu, com ele, sinto-me uma pessoa, mas com as pessoas da minha família sinto-me outra? Percebi que todos continuavam a olhar para mim...para nós. Desta vez era algo do género: "Quem é que é a Ania que está ao lado do Faustino?" Deveria ser mais ou menos o que o meu pai pensava...é o que eu penso. Quem sou eu ao lado do Marcos? Ao lado do meu Faustino...
Encostei a minha cabeça ao ombro dele, colocando a minha mão sobre a sua perna. Alguém falou algo muito baixo que eu não percebi...e tinha a certeza que iam começar as perguntas. O primeiro: o meu pai.
- Descansas-te alguma coisa, Ania?
- Sim pai. O dia todo.
- É verdade Marcos? - mãe...sempre a desconfiar do que eu digo.
- Não se preocupem...a Ania esteve a tarde toda a dormir e descansou.
- Satisfeitos? - disse...com a voz que nem eu gostava de me ouvir. Parecia ser de ironia, misturada com raiva.
- Ania...os pais só querem o teu bem. Podes entender isso e deixar de ser uma miúda mimada? - Lucas...o meu irmão mais velho e a pessoa mais estúpida que conheço. É meu irmão, mas mais parece que foi adoptado. É super diferente de todos nós...e acha-me mimada.
- Quando, na tua vida, te acontecer alguma coisa quero ver o que é que te vai passar pela cabeça, seu estúpido!
Sai de junto deles e fui para o meu quarto. No topo de toda a casa, no meu sotão, no meu cantinho.
(Marcos)
Talvez a relação da Ania com o irmão não seja assim tão boa, pelo que acabei de assistir.
- Lucas, não tinhas nada de falar assim com a Ania! Tu não sabes o que é que ela sofre. E desde quando é que ela é mimada? - falou outro irmão dela.
- Se os pais não lhe dessem tanta protecção ela não era assim!
- Lucas tu está calado! - desta vez quem falou foi o Hugo - No dia em que aceitares a tua irmã vais puder opinar sobre o que ela é ou deixa de ser.
- Marcos...desculpa estares a assistir a isto - disse a Ortencia, sentando-se a meu lado.
- Não me tem de pedir desculpa, mas...a Ania e o Lucas não se dão bem?
- É complicado...eles nunca se deram muito bem e não sei o que é que aconteceu entre eles, mas o Lucas, desde que a Ania foi violada, deixou de ser o mesmo para ela.
- Talvez não saiba lidar com a situação...
- Não sei meu querido...mas gostei muito de ver que a Ania é diferente contigo.
- Avançamos um bocadinho...mas também não lhe sei explicar porque é que é assim.
- O Hugo agora vai ficar ali a falar com o Lucas, que me dizes de irmos ver da Ania?
- Talvez seja melhor, D. Ortencia.
- Vamos lá então - levantamo-nos os dois e eu segui a mãe da Ania.
Subimos as escadas, indo até ao fundo do corredor onde encontramos mais umas escadas. A Ania tinha o quarto dela no sotão?
Lá subimos as escadas e a Ortencia bateu à porta.
- Eu não quero falar com ninguém!
- Não precisamos de falar... - respondeu-lhe a Ortencia - posso entrar? Estou com o Marcos...
- Entrem - a mãe da Ania abriu a porta e entramos os dois. A Ania estava deitada na cama, virada para a parede, aninhada no seu próprio corpo.
A Ortencia sentou-se na cadeira da secretária do quarto e eu ao fundo da cama da Ania. Ela...chorava, tinha a certeza disso!
- Ania...filha, sabes que o teu irmão está diferente... - começou a mãe dela.
- E porque é que é só comigo? - a Ania sentou-se na cama, olhando a mãe.
- Eu não sei filha...não sei mesmo. Queres que te faça um chá para acalmares?
- Eu só queria que tudo isto passasse!
- Ania... - a Ortencia precipitou-se na direcção da Ania. Ao inicio pensei que ela se fosse afastar, mas abraçou a mãe como uma menina pequenina que precisa do colinho da mãe - sabes que podes deitar tudo o que te vai pela cabeça cá para fora.
- Eu sei mãe...
- Bom, talvez eu vá indo - avisei, levantando-me.
- Não! - disse ela, agarrando-me na mão - Não vás...não vás já. Fica mais um bocadinho, por favor.
Tinha como lhe negar algum pedido destes? Não. A nossa ligação era para lá de um amor, ou de uma amizade. A nossa ligação é para lá do imaginável, para lá do sentimento.
Conseguir explicá-la não é fácil, mas não é impossível.
Sei que eu e a Ania estamos ligados emocionalmente. Temos um mecanismo de dependência um do outro que, só com o olhar, se percebe. Sabemos o que um pensa e o que o outro quer dizer. Não sabemos, às vezes, o que é que queremos, mas sabemos o que desejamos. Sabemos, com todas as certezas, que é entre nós que o mundo existe. Para lá de nós só existem as pessoas que chamamos de família ou amigos. Mas...se vivesse só com a Ania no nosso mundo não precisaria de mais ninguém. Nem de nada.
Penso que, no futuro, existirá algo entre nós. Seremos apenas namorados? Seremos casados? Teremos filhos maravilhosos? Isso nenhum de nós sabe...só o tempo o dirá.
- Eu vou até lá abaixo buscar-vos algo para comerem - avisou a mãe da Ania, dando um beijo na testa da filha para, de seguida, sair do quarto.
Sentei-me ao lado da Ania, sem lhe tocar. Não sabia em que estado estava ela e queria ter a certeza de que não a iria forçar em nada.
- Não me dou assim tão bem com os meus irmãos... - começou ela.
- Não é só com o Lucas?
- Eu não entendo o que é que lhe fiz...sinceramente, não sei. Uns tempos antes de eu ter sido...violada, ele mudou completamente. Ele nem com a mulher é a mesma pessoa. Mas não foi pelo que me aconteceu...mas mais parece. Chama-me mimada por precisar de apoio? Juro-te não o entendo, nem quero entender.
- Ania...poderá ter acontecido alguma coisa na vida dele.
- E na minha não? Eu sei que cada um tem de superar os seus problemas, mas como meu irmão não lhe custava nada dar-me mais apoio. E, se lhe aconteceu alguma coisa, também deveria falar connosco - em toda a conversa que estávamos a ter, embora já não chorasse, a Ania tremia imenso.
- Porque tremes? - perguntei-lhe.
- Não sei...não sei mesmo Marcos.
- Mas sentes-te bem...fisicamente?
- Sim. Está tudo bem a esse nível.
- Colinho? - teria de tentar. Teria de saber se ela queria que lhe tocasse, se queria que eu a recebesse nos meus braços. Tinha de ter a certeza de que a minha Cinderela sabe que pode contar comigo. Eu não lhe lanço os olhares que a família lança. Ela falou tudo comigo, eu sei o que ela pensa, sei o que ela sente e sei que não lhe tenho de fazer tantas perguntas sobre o estado psicológico dela.
A Ania sorriu com a minha pergunta. Sorriu e os seus olhos encheram-se de água. Não os vi transformarem-se em lágrimas grossas, não se transformaram num choro imenso porque ela se lançou no meu colo antes que eu pudesse ver isso. Mas assim que a rodeei com os meus braços, os soluços desesperados dela feriam-me como se fossem flechas apontadas directamente ao meu coração.
- Vai ficar tudo bem princesa.
- Quando Marcos? Quando?
- Em breve pequenina. Tens de ter calma e começar a apreciar o que a vida tem de pequenino para te dar. Depois vêm as grandes e com elas vêm a tua felicidade.
- Sais-te com cada uma...até parecem frases feitas.
- Estás a duvidar da minha capacidade de falar com o coração?
- Então o teu coração fala melhor que o de todo o mundo... - a Ania...ela está instável. Tem os seus momentos de quebra, mas também tem estas pequenas coisas dela. Do antes dela.
- Ele só fala assim neste momento porque está juntinho a ti.
- O que é que eu fiz para merecer uma pessoa como tu? - esta rapariga tem problemas, muito sérios! Desde quando é que esta pergunta se faz? Ela olhou-me, esperando mesmo por uma resposta minha.
- Queres uma resposta tão estúpida como a tua pergunta? - disse, rindo-me um pouco.
- Achas que a minha pergunta é assim tão estúpida? Tem o seu fundamento: tu, um jogador de futebol com uma aparência que poderia ir conquistar miúdas novas todos os dias, estás aqui comigo, uma rapariga que foi violada, odeia o cheiro de todos os homens menos o teu, sente nojo de si própria e tem a cabeça a andar mais às voltas que o centro de um tornado.
- Ania, quero que fiques a entender umas coisas.
- Vamos ter uma conversa séria?
- Vamos - ela afastou-se de mim, limpou as bochechas que estavam encharcada e ficou a olhar para mim.
- Fala - disse ela.
- Eu, sou um jogador de futebol que não, não quer ir com qualquer uma para a cama. Ao contrário do que possas pensar eu quero ter uma mulher a serio, com confiança para ser a minha mulher. Quero construir uma família e viver com eles felizes. Estou...aqui contigo porque quero que sejas essa mulher. Quero que sejas a minha mulher no futuro, a minha namorada no presente, a mãe dos meus filhos daqui a uns anos.
- Marcos...
- Vais deixar-me acabar porque tu querias uma resposta. Estou aqui contigo, porque sou teu amigo e sei que precisas de apoio. Não imagino o que sentes, não sei porque nunca vivi algo do que estás a passar. Mas sei, sei que precisas de alguém. Eu precisei de alguém a meu lado quando o meu pai morreu. Precisei que cuidassem de mim e tinha a mesma idade que tu tens agora.
(Ania)
O Marcos falava-me olhos nos olhos. Sem nunca se "ausentar". Estava bem presente, estava a marcar a sua presença em mim, na minha vida, no meu corpo.
Mas...vê-lo frágil é a pior sensação do mundo. Deixou-me estranha, não o queria ver assim, não sabia como reagir ao vê-lo chorar por ter falado na morte do pai dele.
- Precisei que cuidassem de mim e tinha a mesma idade que tu tens agora. Não tens de te sentir mal em pedir ajuda...eu estarei aqui porque quero e não porque te vejo como uma coitadinha - ele falava e as lágrimas escorriam-lhe pela cara. O Marcos estava triste...estava mesmo triste. Falar no pai dele deixa-o assim, com uma tristeza devastadora.
- Ei, ei, ei - ajoelhei-me na cama, à frente dele, puxando-o para mim. Encostando a cabeça dele no meu peito...também ele precisava de colo. Também o Marcos precisava de mim. Se, depois da morte do pai, tinha sido ele a apoiar as irmãs...sendo ele o único homem em casa...aquilo não teria sido benéfico para ele - tu não chores Marcos Rojo! Não chores!
- Eu tive de ser o apoio para a minha família. Para a minha mãe, para as minhas irmãs...e só conseguia desabafar com um colega do Estudiantes. Mas nunca chorei a morte do meu pai em público. Chorei todas as noites, com saudade dele.
- Ai então chora! Chora que te vai fazer bem... - a minha mãe aparece, entretanto, na porta do meu quarto. Vinha com um tabuleiro com comida. Fiz-lhe sinal que não entrasse e ela apenas deixou o tabuleiro no chão e foi embora.
Ficámos alguns minutos em silêncio. O Marcos deixou de chorar e afastou-se um pouco de mim para me olhar.
- Eu é que te tenho de dar colinho, não tu a mim - disse ele, formando um pequeno sorriso nos lábios.
- Acho que podemos dar colinho um ao outro.
- Podemos, mas tu irás ter mais do que eu. Lembrar-me do meu pai faz-me ter saudade dele e por isso faz-me fazer figuras tristes a chorar, mas faz-me ter vontade de seguir com a minha vida porque sei que ele olha por mim todos os dias.
- Figuras tristes?
- Estou para aqui a chorar...
- E foi um momento bonito Marcos. Tu tens coração e as lágrimas que tens aí dentro têm de sair.
- Andas a falar com o coração também?
- Parece que de sentir o teu tão descompensado faz o meu ter a obrigação de te falar assim.
- Então entendes o porque de eu saber falar contigo...
- Acho que começo a entender. Marcos...quando falaste à bocado sobre eu...ser tua mulher...
- Eu estava a falar a sério. Somos novos, poderíamos viver a vida sem pensar no futuro, mas eu quero pensar no meu futuro e quero começar a construí-lo.
- E esperas por mim?
- Como assim?
- Se esperas por mim? Esperas que eu fique a 100% para todos e para ser tua...namorada?
- Eu espero todo o tempo que precisares. O que nós estamos a construir não tem um só significado. Não é só amor e não é só amizade...
- É muito mais que isso Marcos. Eu sinto-o, mas não te sei explicar.
- Ainda à pouco estava a pensar nisso...a nossa ligação é diferente e especial.
- E tem tão poucos dias.
- Foram três dias e uma noite a sentir a todo o momento que te via o meu coração acelerar e...
- O estômago a ficar cheio de borboletas - terminei a frase do Marcos, era assim que nos sentíamos um ao pé do outro. O coração parecia que ia sair da boca e na minha barriga parecia ficar cheia de borboletas.
- Exacto.
- Mas...é complicado Marcos. São tão poucos dias para...se sentir algo assim.
- Sim, assusta-me não te vou mentir. Vivi estes últimos dias tão intensamente que nem os sei explicar. Mas também sei que o que sinto por ti é sincero, é puro e é muito bom.
- Eu quero contar ao meu pai.
- O que?
- Quero contar-lhe uma coisa...a nossa cena. Quero ver como é que ele reage, quero explicar-lhe o melhor que conseguir.
- Estarei ao teu lado no dia em que fizeres isso.
- É agora.
- Ania! Agora? Mas eu, o teu pai, ele vai começar... - o nervosismo do Marcos...atingiu o máximo. Falava tão depressa e estava todo trocado. Calei-o. Beijei-o. E são estas coisas que não compreendo em mim. Quero estar com ele, quero beijá-lo, mas preciso do colinho dele. Preciso de ser a pequenina dele porque, mesmo tentando abstrair-me, às vezes ainda me vem à cabeça as mesma imagens, os meus sons, os cheiros...ele consegue atenuá-los, mas continuam a existir.
Quando ele deixou de estar rígido e a estar mais solto no beijo, interrompi-o.
- Marcos...entre nós os beijos não te podem excitar.
- Ania...
- Eu não me vou meter na cama contigo, não vamos fazer muito mais que beijinhos e festinhas, está dito acho que... - ia a explicar o meu raciocínio, mas ele voltou a beijar-me.
Foi longo, doce, apaixonado e as minhas passeavam nas costas dele de forma descontrolada. Desta vez ele parou o beijo.
- Assim que os teus beijos me começarem a excitar eu paro-os.
- Então excitas-te muito depressa, logo temos beijos curtinhos - Ania...onde é que foste buscar esta? Bonito...
- E tu estás...perigosa.
- Estou a tentar não pensar e, se contribui para não te excitares mais, vamos lá abaixo falar com o meu pai.
- Agora?
- Sim.
- Vamos a isso! - levantamo-nos os dois, peguei no tabuleiro que a minha mãe tinha deixado no chão e levei-o até à cozinha antes de nos dirigirmos para a sala.
(Marcos)
Cheio de cagufa? Medo, pânico e tudo mais. Falar com o Hugo...sobre a minha cena com a Ania era mais assustador do que...nem sei, não se compara com nada. Nunca, acho que nunca me tinha sentido assim todo cheio de miufa. Mas...é o pai dela! Que é meu quase treinador! Que é exigente! Um ditador quase!
Depois de sairmos da cozinha, dirigimo-nos até à sala onde já só estavam os pais da Ania.
- Já se foram embora? - perguntou a Ania.
- Sim. Eles perceberam que precisas do teu espaço e foram. Voltam amanha - respondeu a Ortencia, olhando para mim...apesar de ela saber do que se passa, acho que ir ter esta conversa com a família Gottardi era assustadora demais e ponto final.
Sentamo-nos os dois no sofá, lado a lado, de frente para os pais dela.
- Precisamos de conversar... - começou a Ania.
- Parece-me que sim - só o tom de voz do Hugo arrepiou-me. Meu Deus, esta conversa ou dá para o melhor, ou para o pior.
- Pode parecer-lhe estranho eu estar muito tempo com o Marcos... - e pronto...começou - mas nós temos uma relação especial. Muito especial.
- Ania...
- Pai, deixe-me falar. Vai já começar com as perguntas sem ouvir tudo e isso não é o que quero.
- Como queiras...continua.
- Obrigada - as minhas mãos já soavam e não conseguia mante-las quietas - então, desde o dia em que desmaiei lá no centro de treinos do Estudiantes...eu e o Marcos temos andado a falar. Eu menti-lhe - o Hugo ia espingardar algo, mas a Ortencia colocou-lhe a mão sobre o ombro - menti-lhe no dia em que disse que ia sair à noite com umas amigas. Eu fui sair com o Marcos. E desde aí...somos como um só. Temos uma ligação que nenhum de nós sabe explicar. Não há uma palavra que a defina em concreto. O Marcos tem estado, nos últimos dias, ao meu lado e em todos os momentos que mais precisei dele. Papi...eu suporto estar com um homem, com ele. Não sei como, mas rejeito os homens da minha família mas não o rejeito a ele...pelo contrário. Ele tem sido mais que um amigo ou um namorado. Tem sido o meu colinho, tem abafado as minhas lágrimas e ajuda-me imenso. O que eu lhe estou a tentar dizer...é que...eu quero tentar algo com o Marcos, quero ultrapassar esta crise ao lado dele, quero estar com ele a todo o instante sem pensar em si. Andávamos a falar às escondidas porque eu sei o que o pai pensa, sei que não queria que eu namorasse com um futebolista, mas na vida nada se escolhe...simplesmente há coisas que acontecem. E o Marcos aconteceu e é a melhor coisa que podia ter acontecido. Pai, mãe... - a caixinha de surpresas que é a Ania dava comigo perdido em pensamentos. Ela tem a certeza que me quer ao lado dela e eu tenho a certeza que estou preparado para estar ao lado dela e todos os dias - eu queria pedir-vos uma coisa.
- Diz filha - a Ortencia foi quem falou. O Hugo...não conseguia perceber se olhava para mim ou para a Ania, se estava assustado ou a odiar-me. Não o percebia.
- Sei que a mãe me entenderá melhor que o pai...mas eu quero pedir-vos que aceitem o Marcos na minha vida. No meu dia-a-dia. No nosso dia-a-dia e nas nossas vidas. Sei que é difícil para o pai o aceitar, nunca quis que eu me aproximasse do futebol para não me apaixonar...mas...aconteceu - perdi-me...a Ania agarrou na minha mão, olhou-me e voltou a direccionar-se para os pais - eu estou apaixonada pelo Marcos, quero te-lo na minha vida, mas quero o vosso apoio. Se...não mo derem, irei viver com isso mas não sem ele.
As nossas mãos manifestaram-se sem qualquer problema. Estavam bem apertadinhas e sobre a minha perna. A Ania estava a enfrentar os pais por mim...é algo que eu não queria que ela fizesse...não neste momento mas...ao mesmo tempo foi a melhor coisa que ela poderia ter feito para provar o que realmente se anda a passar entre nós.
- Eu não admito que me fales nesse tom de voz! - o Hugo...não se levantou, mas lançou-lhe um olhar que a deve ter magoado - como é que me podes dar um desgosto destes? Diz-me? Como é que queres que eu aceite uma relação destas? Qual relação isto não é nada.
- É pai! Acredite que é muito mais do que alguma vez imaginei que pudesse acontecer entre mim e um rapaz.
- E tu...Faustino, garantiste-me no hospital que eram só amigos! Não passas de um mentiroso.
- Desculpe...Hugo, eu não lhe menti. Nós somos amigos...mas também somos mais que isso.
- Eu não vos quero ouvir mais hoje, mas Ania, para estares com ele tem de ser fora desta casa! Aqui dentro vocês os dois nunca estarão juntos - o Hugo...estava a reagir como eu esperava. Simplesmente não aceitava. Eu entendia-o. É da menina dele que estamos a falar, vê-me como uma ameaça, mas eu só quero o bem da Ania. Ele levantou-se indo embora, sem antes a Ania lhe dar uma última resposta.
- Como queira. Muito obrigada pelo seu tempo - quando o pai já não estava na sala ela começou a chorar - pensei que tinha um pai mais compreensível.
- Tens de lhe dar tempo, pequenina - encostei-a ao meu ombro e olhei a Ortencia. Ela sorria-me. Estava...feliz por nós?
- O teu pai quer o teu bem, Ania, não estava era à espera que fosses apaixonar-te por uma pessoa com a mesma profissão que ele teve. Ele sabe a vida que um jogador da bola leva. São viagens, distâncias...e se continuares com o Marcos, ou outro jogador, ele sabe que não te terá perto dele.
- Mas, mãe, eu nunca iria viver eternamente aqui em casa.
- E a situação do estrangeiro? Podes ir para o estrangeiro e o teu pai...não se vê nessa situação.
- Eu vejo-me! E não me importo um pouco.
- Ania, dá-lhe tempo. Vocês chegaram a comer alguma coisa?
- Não mãe...como é que queres que pense em comida agora?
- Tens de te alimentar... - concordei com a mãe dela...a Ania tinha de repor as suas energias.
- Vocês os dois...
- Não te queixes! Mas queres comer ou não?
- Não me apetece...mais logo. Mãe...Marcos... - a Ania olhou para mim e para a mãe receosa...com um certo medo de continuar a falar.
- Que se passa? - perguntei.
- Precisas de alguma coisa? - inquiriu a Ortencia.
- Preciso...sim, é isso eu preciso de uma coisa. Daqui a nada é horas de jantar...e o pai quer jantar e eu tenho de lá estar. Queria pedir-vos uma coisa aos dois se não fosse abusar. Eu vou abusar, é melhor não dizer nada.
- Fala Ania - não estava a entende-la. Estava mesmo à nora e sem coragem de perguntar alguma coisa.
Ficou ainda alguns segundos a olhar para a mãe e para as nossas mãos entrelaçadas até que fez a pergunta mais surpreendente e maravilhosa que podia ter feito.
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Quero agradecer imenso a todas todo o carinho que me têm dado. Receber os vossos comentários é a melhor coisa do Mundos. Deixo-vos este capitulo, esperando os vossos comentários.
Espero que não achem demasiado secante e que o tenham conseguido sentir. Acho que é mais importante sentir-mos o que lemos do que simplesmente ler.
Mais uma vez, muito obrigada por tudo! Besos. Ana Patrícia Moreira.