sexta-feira, 23 de agosto de 2013

10 - "- Queres uma resposta tão estúpida como a tua pergunta?"

Tínhamos planeado ficar em casa a descansar, a ver um filme, a falar e tal. Mas nada disso tinha sido feito, quer dizer: ficámos a descansar. E comecei a ver o filme. Não sei qual era, o Marcos é que o tinha escolhido mas eu adormeci. Devo ter dormido três horas seguidas, aninhada no sofá e só acordei quando o Marcos me acordou. 
Ele sabia que ter conhecido a irmã dele já tinha sido uma coisa de outro mundo hoje e...conhecer mais alguém da família dele deixava-me estranha e entendeu que eu quisesse sair dali antes de alguém chegar. 
Saímos de casa dele, indo na direcção da minha...e foi então que eu me voltei a sentir insegura. Iria estar com os meus pais, com os meus irmãos e as minhas cunhadas...estariam todos à minha espera, todos a olhar para mim, a querer fazer-me perguntas...a quererem abraçar-me. 
O Marcos tinha parado o carro dele em frente do portão de minha casa.
- Não sei como é que vou entrar ali... - confessei. 
- Cinderela, é a tua família. Eles só querem o teu bem. 
- Mas é muita gente Marcos. São os meus pais, os meus três irmãos com as minhas três cunhadas...
- E o que é que pensas em fazer? 
- Ficar cá fora é que não adianta...
- De qualquer maneira eu vou entrar contigo.
- Vais o que? Não, não...
- Porque não? Eu tenho estado sempre contigo hoje, a tua mãe disse-me para não te deixar sozinha e só quando estiveres entregue é que eu vou embora. 
- Marcos...
- Ania. Está decidido. Eu vou contigo lá dentro. 
- E...eles vão começar a fazer perguntas.
- Só respondemos ao que temos respostas. 
- Falando assim parece fácil. 
- Não tem de ser muito dificil. 
- Vamos entrar então - retirei da mala as chaves de casa que tinham o comando que abria o portão. 
O Marcos entrou com o carro e estacionou-o junto dos carros dos meus irmãos. Saímos do carro e dirigimo-nos para a porta que, antes que eu metesse a chave para abri-la, já a minha mãe estava a fazer isso. 
- Ania! - a minha mãe...sendo minha mãe, abraçou-me. Não era como receber o abraço do Marcos. Não era nada igual, nem coisa parecida. Não me sentia mal...mas não era a mesma coisa. 
- Mãe...já chega - afastei-me dela, embatendo no Marcos, que colocou as suas mãos na minha cintura...e aquele toque, era perfeito. Estava na presença de duas pessoas muito importantes para mim, mas não conseguia ser a mesma para ambas. 
- Entrem. Os teus irmãos vão gostar de te ver - e eu? Irei gostar de os ver? Entrei em casa, afastando-me então do Marcos. Não ia aparecer em frente do meu pai com ele agarrado a mim...
Fomos os três até à sala onde sete pares de olhos me olharam. Foi como...perder os sentido por uns segundos. Senti-me estranha e confusa. Porra! É a minha própria família e eu estou com medo dela...deles! Nem os meu pai nem os meus irmãos...tinham culpa do que me tinha acontecido, nenhum deles me tinha violado, mas eram homens, tinham um cheiro a homem que já se infiltrava nas minhas narinas. 
- Ania! Filha! - o meu pai, que até agora estava sentado no seu sofá, levantou-se vindo na minha direcção. Senti-lo perto de mim foi horrível, aquela proximidade, aquele cheiro deixou-me...com medo. Como é que é possível? Como é que eu posso estar com medo do meu próprio pai? A minha cabeça está tão confusa que tem momentos que nem pareço ser eu a pensar. 
- Pai...eu não quero abraços. Por favor...
- Claro...desculpa. 
- Não pai...tu não tens culpa. Eu é que tenho de pedir desculpa. 
- Deixa filha. Vai sentar-te - fui sentar-me no sofá. Olhei para todos e TODOS estavam com aquela cara: "Coitadinha, nem imagino o que é que ela está a sofrer." Estão com aquela cara que eu não queria ver em ninguém. A cara de quem tem pena do que me aconteceu e está pronto para me abraçar, dar beijos...fazer perguntas, tudo o que eu não quero. 
Olhei para o Marcos...era o único que sorria naquela sala. Nos olhos percebi que havia preocupação, mas ele sorria. Sorria-me. Todos estavam sentados, à excepção dos meus pais e do Marcos. Quando o meu pai se sentou, a minha mãe disse ao Marcos que se sentasse e ele sentou-se a meu lado. A perna dele tocava a minha...e como é que eu me posso sentir bem com isso? 
Como é que eu, com ele, sinto-me uma pessoa, mas com as pessoas da minha família sinto-me outra? Percebi que todos continuavam a olhar para mim...para nós. Desta vez era algo do género: "Quem é que é a Ania que está ao lado do Faustino?" Deveria ser mais ou menos o que o meu pai pensava...é o que eu penso. Quem sou eu ao lado do Marcos? Ao lado do meu Faustino...
Encostei a minha cabeça ao ombro dele, colocando a minha mão sobre a sua perna. Alguém falou algo muito baixo que eu não percebi...e tinha a certeza que iam começar as perguntas. O primeiro: o meu pai. 
- Descansas-te alguma coisa, Ania?
- Sim pai. O dia todo. 
- É verdade Marcos? - mãe...sempre a desconfiar do que eu digo. 
- Não se preocupem...a Ania esteve a tarde toda a dormir e descansou. 
- Satisfeitos? - disse...com a voz que nem eu gostava de me ouvir. Parecia ser de ironia, misturada com raiva.
- Ania...os pais só querem o teu bem. Podes entender isso e deixar de ser uma miúda mimada? - Lucas...o meu irmão mais velho e a pessoa mais estúpida que conheço. É meu irmão, mas mais parece que foi adoptado. É super diferente de todos nós...e acha-me mimada. 
- Quando, na tua vida, te acontecer alguma coisa quero ver o que é que te vai passar pela cabeça, seu estúpido! 
Sai de junto deles e fui para o meu quarto. No topo de toda a casa, no meu sotão, no meu cantinho. 

(Marcos)

Talvez a relação da Ania com o irmão não seja assim tão boa, pelo que acabei de assistir.
- Lucas, não tinhas nada de falar assim com a Ania! Tu não sabes o que é que ela sofre. E desde quando é que ela é mimada? - falou outro irmão dela.
- Se os pais não lhe dessem tanta protecção ela não era assim!
- Lucas tu está calado! - desta vez quem falou foi o Hugo - No dia em que aceitares a tua irmã vais puder opinar sobre o que ela é ou deixa de ser. 
- Marcos...desculpa estares a assistir a isto - disse a Ortencia, sentando-se a meu lado. 
- Não me tem de pedir desculpa, mas...a Ania e o Lucas não se dão bem?
- É complicado...eles nunca se deram muito bem e não sei o que é que aconteceu entre eles, mas o Lucas, desde que a Ania foi violada, deixou de ser o mesmo para ela. 
- Talvez não saiba lidar com a situação...
- Não sei meu querido...mas gostei muito de ver que a Ania é diferente contigo. 
- Avançamos um bocadinho...mas também não lhe sei explicar porque é que é assim. 
- O Hugo agora vai ficar ali a falar com o Lucas, que me dizes de irmos ver da Ania? 
- Talvez seja melhor, D. Ortencia. 
- Vamos lá então - levantamo-nos os dois e eu segui a mãe da Ania. 
Subimos as escadas, indo até ao fundo do corredor onde encontramos mais umas escadas. A Ania tinha o quarto dela no sotão?
Lá subimos as escadas e a Ortencia bateu à porta.
- Eu não quero falar com ninguém!
- Não precisamos de falar... - respondeu-lhe a Ortencia - posso entrar? Estou com o Marcos...
- Entrem - a mãe da Ania abriu a porta e entramos os dois. A Ania estava deitada na cama, virada para a parede, aninhada no seu próprio corpo.
A Ortencia sentou-se na cadeira da secretária do quarto e eu ao fundo da cama da Ania. Ela...chorava, tinha a certeza disso!
- Ania...filha, sabes que o teu irmão está diferente... - começou a mãe dela. 
- E porque é que é só comigo? - a Ania sentou-se na cama, olhando a mãe.
- Eu não sei filha...não sei mesmo. Queres que te faça um chá para acalmares?
- Eu só queria que tudo isto passasse!
- Ania... - a Ortencia precipitou-se na direcção da Ania. Ao inicio pensei que ela se fosse afastar, mas abraçou a mãe como uma menina pequenina que precisa do colinho da mãe - sabes que podes deitar tudo o que te vai pela cabeça cá para fora. 
- Eu sei mãe...
- Bom, talvez eu vá indo - avisei, levantando-me. 
- Não! - disse ela, agarrando-me na mão - Não vás...não vás já. Fica mais um bocadinho, por favor. 
Tinha como lhe negar algum pedido destes? Não. A nossa ligação era para lá de um amor, ou de uma amizade. A nossa ligação é para lá do imaginável, para lá do sentimento.
Conseguir explicá-la não é fácil, mas não é impossível. 
Sei que eu e a Ania estamos ligados emocionalmente. Temos um mecanismo de dependência um do outro que, só com o olhar, se percebe. Sabemos o que um pensa e o que o outro quer dizer. Não sabemos, às vezes, o que é que queremos, mas sabemos o que desejamos. Sabemos, com todas as certezas, que é entre nós que o mundo existe. Para lá de nós só existem as pessoas que chamamos de família ou amigos. Mas...se vivesse só com a Ania no nosso mundo não precisaria de mais ninguém. Nem de nada. 
Penso que, no futuro, existirá algo entre nós. Seremos apenas namorados? Seremos casados? Teremos filhos maravilhosos? Isso nenhum de nós sabe...só o tempo o dirá. 
- Eu vou até lá abaixo buscar-vos algo para comerem - avisou a mãe da Ania, dando um beijo na testa da filha para, de seguida, sair do quarto. 
Sentei-me ao lado da Ania, sem lhe tocar. Não sabia em que estado estava ela e queria ter a certeza de que não a iria forçar em nada. 
- Não me dou assim tão bem com os meus irmãos... - começou ela. 
- Não é só com o Lucas? 
- Eu não entendo o que é que lhe fiz...sinceramente, não sei. Uns tempos antes de eu ter sido...violada, ele mudou completamente. Ele nem com a mulher é a mesma pessoa. Mas não foi pelo que me aconteceu...mas mais parece. Chama-me mimada por precisar de apoio? Juro-te não o entendo, nem quero entender. 
- Ania...poderá ter acontecido alguma coisa na vida dele.
- E na minha não? Eu sei que cada um tem de superar os seus problemas, mas como meu irmão não lhe custava nada dar-me mais apoio. E, se lhe aconteceu alguma coisa, também deveria falar connosco - em toda a conversa que estávamos a ter, embora já não chorasse, a Ania tremia imenso. 
- Porque tremes? - perguntei-lhe. 
- Não sei...não sei mesmo Marcos.
- Mas sentes-te bem...fisicamente? 
- Sim. Está tudo bem a esse nível. 
- Colinho? - teria de tentar. Teria de saber se ela queria que lhe tocasse, se queria que eu a recebesse nos meus braços. Tinha de ter a certeza de que a minha Cinderela sabe que pode contar comigo. Eu não lhe lanço os olhares que a família lança. Ela falou tudo comigo, eu sei o que ela pensa, sei o que ela sente e sei que não lhe tenho de fazer tantas perguntas sobre o estado psicológico dela. 
A Ania sorriu com a minha pergunta. Sorriu e os seus olhos encheram-se de água. Não os vi transformarem-se em lágrimas grossas, não se transformaram num choro imenso porque ela se lançou no meu colo antes que eu pudesse ver isso. Mas assim que a rodeei com os meus braços, os soluços desesperados dela feriam-me como se fossem flechas apontadas directamente ao meu coração. 
- Vai ficar tudo bem princesa. 
- Quando Marcos? Quando?
- Em breve pequenina. Tens de ter calma e começar a apreciar o que a vida tem de pequenino para te dar. Depois vêm as grandes e com elas vêm a tua felicidade.
- Sais-te com cada uma...até parecem frases feitas. 
- Estás a duvidar da minha capacidade de falar com o coração?
- Então o teu coração fala melhor que o de todo o mundo... - a Ania...ela está instável. Tem os seus momentos de quebra, mas também tem estas pequenas coisas dela. Do antes dela. 
- Ele só fala assim neste momento porque está juntinho a ti. 
- O que é que eu fiz para merecer uma pessoa como tu? - esta rapariga tem problemas, muito sérios! Desde quando é que esta pergunta se faz? Ela olhou-me, esperando mesmo por uma resposta minha. 
- Queres uma resposta tão estúpida como a tua pergunta? - disse, rindo-me um pouco. 
- Achas que a minha pergunta é assim tão estúpida? Tem o seu fundamento: tu, um jogador de futebol com uma aparência que poderia ir conquistar miúdas novas todos os dias, estás aqui comigo, uma rapariga que foi violada, odeia o cheiro de todos os homens menos o teu, sente nojo de si própria e tem a cabeça a andar mais às voltas que o centro de um tornado. 
- Ania, quero que fiques a entender umas coisas.
- Vamos ter uma conversa séria? 
- Vamos - ela afastou-se de mim, limpou as bochechas que estavam encharcada e ficou a olhar para mim.
- Fala - disse ela. 
- Eu, sou um jogador de futebol que não, não quer ir com qualquer uma para a cama. Ao contrário do que possas pensar eu quero ter uma mulher a serio, com confiança para ser a minha mulher. Quero construir uma família e viver com eles felizes. Estou...aqui contigo porque quero que sejas essa mulher. Quero que sejas a minha mulher no futuro, a minha namorada no presente, a mãe dos meus filhos daqui a uns anos. 
- Marcos...
- Vais deixar-me acabar porque tu querias uma resposta. Estou aqui contigo, porque sou teu amigo e sei que precisas de apoio. Não imagino o que sentes, não sei porque nunca vivi algo do que estás a passar. Mas sei, sei que precisas de alguém. Eu precisei de alguém a meu lado quando o meu pai morreu. Precisei que cuidassem de mim e tinha a mesma idade que tu tens agora. 

(Ania)

O Marcos falava-me olhos nos olhos. Sem nunca se "ausentar". Estava bem presente, estava a marcar a sua presença em mim, na minha vida, no meu corpo. 
Mas...vê-lo frágil é a pior sensação do mundo. Deixou-me estranha, não o queria ver assim, não sabia como reagir ao vê-lo chorar por ter falado na morte do pai dele. 
- Precisei que cuidassem de mim e tinha a mesma idade que tu tens agora. Não tens de te sentir mal em pedir ajuda...eu estarei aqui porque quero e não porque te vejo como uma coitadinha - ele falava e as lágrimas escorriam-lhe pela cara. O Marcos estava triste...estava mesmo triste. Falar no pai dele deixa-o assim, com uma tristeza devastadora. 
- Ei, ei, ei - ajoelhei-me na cama, à frente dele, puxando-o para mim. Encostando a cabeça dele no meu peito...também ele precisava de colo. Também o Marcos precisava de mim. Se, depois da morte do pai, tinha sido ele a apoiar as irmãs...sendo ele o único homem em casa...aquilo não teria sido benéfico para ele - tu não chores Marcos Rojo! Não chores! 
- Eu tive de ser o apoio para a minha família. Para a minha mãe, para as minhas irmãs...e só conseguia desabafar com um colega do Estudiantes. Mas nunca chorei a morte do meu pai em público. Chorei todas as noites, com saudade dele. 
- Ai então chora! Chora que te vai fazer bem... - a minha mãe aparece, entretanto, na porta do meu quarto. Vinha com um tabuleiro com comida. Fiz-lhe sinal que não entrasse e ela apenas deixou o tabuleiro no chão e foi embora. 
Ficámos alguns minutos em silêncio. O Marcos deixou de chorar e afastou-se um pouco de mim para me olhar.
- Eu é que te tenho de dar colinho, não tu a mim - disse ele, formando um pequeno sorriso nos lábios.
- Acho que podemos dar colinho um ao outro. 
- Podemos, mas tu irás ter mais do que eu. Lembrar-me do meu pai faz-me ter saudade dele e por isso faz-me fazer figuras tristes a chorar, mas faz-me ter vontade de seguir com a minha vida porque sei que ele olha por mim todos os dias. 
- Figuras tristes? 
- Estou para aqui a chorar...
- E foi um momento bonito Marcos. Tu tens coração e as lágrimas que tens aí dentro têm de sair. 
- Andas a falar com o coração também?
- Parece que de sentir o teu tão descompensado faz o meu ter a obrigação de te falar assim. 
- Então entendes o porque de eu saber falar contigo...
- Acho que começo a entender. Marcos...quando falaste à bocado sobre eu...ser tua mulher...
- Eu estava a falar a sério. Somos novos, poderíamos viver a vida sem pensar no futuro, mas eu quero pensar no meu futuro e quero começar a construí-lo.
- E esperas por mim?
- Como assim? 
- Se esperas por mim? Esperas que eu fique a 100% para todos e para ser tua...namorada?
- Eu espero todo o tempo que precisares. O que nós estamos a construir não tem um só significado. Não é só amor e não é só amizade...
- É muito mais que isso Marcos. Eu sinto-o, mas não te sei explicar. 
- Ainda à pouco estava a pensar nisso...a nossa ligação é diferente e especial. 
- E tem tão poucos dias. 
- Foram três dias e uma noite a sentir a todo o momento que te via o meu coração acelerar e...
- O estômago a ficar cheio de borboletas - terminei a frase do Marcos, era assim que nos sentíamos um ao pé do outro. O coração parecia que ia sair da boca e na minha barriga parecia ficar cheia de borboletas.
- Exacto.
- Mas...é complicado Marcos. São tão poucos dias para...se sentir algo assim. 
- Sim, assusta-me não te vou mentir. Vivi estes últimos dias tão intensamente que nem os sei explicar. Mas também sei que o que sinto por ti é sincero, é puro e é muito bom. 
- Eu quero contar ao meu pai. 
- O que? 
- Quero contar-lhe uma coisa...a nossa cena. Quero ver como é que ele reage, quero explicar-lhe o melhor que conseguir.
- Estarei ao teu lado no dia em que fizeres isso. 
- É agora. 
- Ania! Agora? Mas eu, o teu pai, ele vai começar... - o nervosismo do Marcos...atingiu o máximo. Falava tão depressa e estava todo trocado. Calei-o. Beijei-o. E são estas coisas que não compreendo em mim. Quero estar com ele, quero beijá-lo, mas preciso do colinho dele. Preciso de ser a pequenina dele porque, mesmo tentando abstrair-me, às vezes ainda me vem à cabeça as mesma imagens, os meus sons, os cheiros...ele consegue atenuá-los, mas continuam a existir. 
Quando ele deixou de estar rígido e a estar mais solto no beijo, interrompi-o. 
- Marcos...entre nós os beijos não te podem excitar.
- Ania...
- Eu não me vou meter na cama contigo, não vamos fazer muito mais que beijinhos e festinhas, está dito acho que... - ia a explicar o meu raciocínio, mas ele voltou a beijar-me. 
Foi longo, doce, apaixonado e as minhas passeavam nas costas dele de forma descontrolada. Desta vez ele parou o beijo. 
- Assim que os teus beijos me começarem a excitar eu paro-os. 
- Então excitas-te muito depressa, logo temos beijos curtinhos - Ania...onde é que foste buscar esta? Bonito...
- E tu estás...perigosa. 
- Estou a tentar não pensar e, se contribui para não te excitares mais, vamos lá abaixo falar com o meu pai. 
- Agora? 
- Sim.
- Vamos a isso! - levantamo-nos os dois, peguei no tabuleiro que a minha mãe tinha deixado no chão e levei-o até à cozinha antes de nos dirigirmos para a sala. 

(Marcos)

Cheio de cagufa? Medo, pânico e tudo mais. Falar com o Hugo...sobre a minha cena com a Ania era mais assustador do que...nem sei, não se compara com nada. Nunca, acho que nunca me tinha sentido assim todo cheio de miufa. Mas...é o pai dela! Que é meu quase treinador! Que é exigente! Um ditador quase! 
Depois de sairmos da cozinha, dirigimo-nos até à sala onde já só estavam os pais da Ania. 
- Já se foram embora? - perguntou a Ania. 
- Sim. Eles perceberam que precisas do teu espaço e foram. Voltam amanha - respondeu a Ortencia, olhando para mim...apesar de ela saber do que se passa, acho que ir ter esta conversa com a família Gottardi era assustadora demais e ponto final. 
Sentamo-nos os dois no sofá, lado a lado, de frente para os pais dela. 
- Precisamos de conversar... - começou a Ania. 
- Parece-me que sim - só o tom de voz do Hugo arrepiou-me. Meu Deus, esta conversa ou dá para o melhor, ou para o pior. 
- Pode parecer-lhe estranho eu estar muito tempo com o Marcos... - e pronto...começou - mas nós temos uma relação especial. Muito especial. 
- Ania... 
- Pai, deixe-me falar. Vai já começar com as perguntas sem ouvir tudo e isso não é o que quero. 
- Como queiras...continua. 
- Obrigada - as minhas mãos já soavam e não conseguia mante-las quietas - então, desde o dia em que desmaiei lá no centro de treinos do Estudiantes...eu e o Marcos temos andado a falar. Eu menti-lhe - o Hugo ia espingardar algo, mas a Ortencia colocou-lhe a mão sobre o ombro - menti-lhe no dia em que disse que ia sair à noite com umas amigas. Eu fui sair com o Marcos. E desde aí...somos como um só. Temos uma ligação que nenhum de nós sabe explicar. Não há uma palavra que a defina em concreto. O Marcos tem estado, nos últimos dias, ao meu lado e em todos os momentos que mais precisei dele. Papi...eu suporto estar com um homem, com ele. Não sei como, mas rejeito os homens da minha família  mas não o rejeito a ele...pelo contrário. Ele tem sido mais que um amigo ou um namorado. Tem sido o meu colinho, tem abafado as minhas lágrimas e ajuda-me imenso. O que eu lhe estou a tentar dizer...é que...eu quero tentar algo com o Marcos, quero ultrapassar esta crise ao lado dele, quero estar com ele a todo o instante sem pensar em si. Andávamos a falar às escondidas porque eu sei o que o pai pensa, sei que não queria que eu namorasse com um futebolista, mas na vida nada se escolhe...simplesmente há coisas que acontecem. E o Marcos aconteceu e é a melhor coisa que podia ter acontecido. Pai, mãe... - a caixinha de surpresas que é a Ania dava comigo perdido em pensamentos. Ela tem a certeza que me quer ao lado dela e eu tenho a certeza que estou preparado para estar ao lado dela e todos os dias - eu queria pedir-vos uma coisa. 
- Diz filha - a Ortencia foi quem falou. O Hugo...não conseguia perceber se olhava para mim ou para a Ania, se estava assustado ou a odiar-me. Não o percebia. 
- Sei que a mãe me entenderá melhor que o pai...mas eu quero pedir-vos que aceitem o Marcos na minha vida. No meu dia-a-dia. No nosso dia-a-dia e nas nossas vidas. Sei que é difícil para o pai o aceitar, nunca quis que eu me aproximasse do futebol para não me apaixonar...mas...aconteceu - perdi-me...a Ania agarrou na minha mão, olhou-me e voltou a direccionar-se para os pais - eu estou apaixonada pelo Marcos, quero te-lo na minha vida, mas quero o vosso apoio. Se...não mo derem, irei viver com isso mas não sem ele. 
As nossas mãos manifestaram-se sem qualquer problema. Estavam bem apertadinhas e sobre a minha perna. A Ania estava a enfrentar os pais por mim...é algo que eu não queria que ela fizesse...não neste momento mas...ao mesmo tempo foi a melhor coisa que ela poderia ter feito para provar o que realmente se anda a passar entre nós. 
- Eu não admito que me fales nesse tom de voz! - o Hugo...não se levantou, mas lançou-lhe um olhar que a deve ter magoado - como é que me podes dar um desgosto destes? Diz-me? Como é que queres que eu aceite uma relação destas? Qual relação isto não é nada.
- É pai! Acredite que é muito mais do que alguma vez imaginei que pudesse acontecer entre mim e um rapaz.
- E tu...Faustino, garantiste-me no hospital que eram só amigos! Não passas de um mentiroso.
- Desculpe...Hugo, eu não lhe menti. Nós somos amigos...mas também somos mais que isso.
- Eu não vos quero ouvir mais hoje, mas Ania, para estares com ele tem de ser fora desta casa! Aqui dentro vocês os dois nunca estarão juntos - o Hugo...estava a reagir como eu esperava. Simplesmente não aceitava. Eu entendia-o. É da menina dele que estamos a falar, vê-me como uma ameaça, mas eu só quero o bem da Ania. Ele levantou-se indo embora, sem antes a Ania lhe dar uma última resposta.
- Como queira. Muito obrigada pelo seu tempo - quando o pai já não estava na sala ela começou a chorar - pensei que tinha um pai mais compreensível. 
- Tens de lhe dar tempo, pequenina - encostei-a ao meu ombro e olhei a Ortencia. Ela sorria-me. Estava...feliz por nós? 
- O teu pai quer o teu bem, Ania, não estava era à espera que fosses apaixonar-te por uma pessoa com a mesma profissão que ele teve. Ele sabe a vida que um jogador da bola leva. São viagens, distâncias...e se continuares com o Marcos, ou outro jogador, ele sabe que não te terá perto dele.
- Mas, mãe, eu nunca iria viver eternamente aqui em casa. 
- E a situação do estrangeiro? Podes ir para o estrangeiro e o teu pai...não se vê nessa situação. 
- Eu vejo-me! E não me importo um pouco. 
- Ania, dá-lhe tempo. Vocês chegaram a comer alguma coisa?
- Não mãe...como é que queres que pense em comida agora?
- Tens de te alimentar... - concordei com a mãe dela...a Ania tinha de repor as suas energias. 
- Vocês os dois...
- Não te queixes! Mas queres comer ou não?
- Não me apetece...mais logo. Mãe...Marcos... - a Ania olhou para mim e para a mãe receosa...com um certo medo de continuar a falar. 
- Que se passa? - perguntei. 
- Precisas de alguma coisa? - inquiriu a Ortencia. 
- Preciso...sim, é isso eu preciso de uma coisa. Daqui a nada é horas de jantar...e o pai quer jantar e eu tenho de lá estar. Queria pedir-vos uma coisa aos dois se não fosse abusar. Eu vou abusar, é melhor não dizer nada.
- Fala Ania - não estava a entende-la. Estava mesmo à nora e sem coragem de perguntar alguma coisa. 
Ficou ainda alguns segundos a olhar para a mãe e para as nossas mãos entrelaçadas até que fez a pergunta mais surpreendente e maravilhosa que podia ter feito. 

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Quero agradecer imenso a todas todo o carinho que me têm dado. Receber os vossos comentários é a melhor coisa do Mundos. Deixo-vos este capitulo, esperando os vossos comentários.
Espero que não achem demasiado secante e que o tenham conseguido sentir. Acho que é mais importante sentir-mos o que lemos do que simplesmente ler. 
Mais uma vez, muito obrigada por tudo! Besos. Ana Patrícia Moreira. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

9 - "Agora eu só quero que contes comigo para todos os momentos"

Ania

Tive a "brilhante" ideia de ser independente, muito independente. 
Por-me a andar não foi nada boa ideia. É certo que tive um aborto, mas pensei que fosse capaz de andar calmamente. Não andei ao meu ritmo normal, mas cansei-me o dobro. E quando parei parecia que este cansaço não desaparecia. 
Parecia que, por muito que estivesse sentada, tinha andado a correr que nem uma maluca...e depois...tenho esta necessidade de estar com ele...tinha dormido bem graças a ele...tinha conseguido estar horas sem que aquelas imagens me passassem pela cabeça.
Quando lhe telefonei, a voz dele fez-me aliviar um pouco, era como se o cansaço tivesse sido um pouco dominado. Tudo...com a voz dele...assim que lhe pedi que viesse ter comigo não hesitou...aposto que descobrir onde eu estava não foi fácil, mas assim que o vi...foi fantástico. Deixou-me tranquila, fez com que surgisse a necessidade de lhe dizer que era dele que precisava. Que era do Marcos que eu preciso, eu preciso dele e admiti-lhe tal coisa frente a frente. 
Quando o fiz...senti-me leve, solta, com vontade de me agarrar a ele, mas depressa a barreira se levantou. Sei que quero estar com ele, mas o meu corpo não reage ao que o meu coração fala...se fosse pelo músculo que tenho a bombear todos os dias no meu peito, neste momento estaria agarradinha a ele, choraria e pedia-lhe mimo. Mas não, apenas estou sentada ao lado dele, com as mãos dele a agarrarem as minhas. 
- Era só isso que eu precisava de ouvir da tua boca...eu estarei aqui para tomar conta de ti.
- Marcos...o que nós estávamos a...
- Nós estávamos a avançar, sem o teu pai saber. Agora eu só quero que contes comigo para todos os momentos. Quer precises de falar, ou chorar...estarei sempre pronto para ti.
- Mas...Marcos, eu sinto que há uma barreira entre mim e qualquer homem no Mundo...até com o meu pai. Eu não sei quando é que podemos voltar a tentar...que haja um nós. 
- Cinderela... - foi inevitável não ficar rendida com a forma como ele me trata - somos amigos, não somos?
- Claro que somos...somos mais que isso, ambos sabemos. Iamos ser muito mais que amigos, estávamos a começar isso à duas noites. Mas agora...por um episódio do meu passado...
- Ania, não penses como é que podíamos ficar ou estar se isto não tivesse acontecido. Nós somos o agora. E agora eu quero cuidar de ti, pequenina. Pode ser?
- E quando eu estiver com as minhas crises? Não vai ser fácil para ti estar comigo, nem para mim estar contigo...eu não sei como é que reajo a ti. 
- A mim?
- Sim...eu sinto que te quero abraçar. O meu coração diz isso, mas o meu corpo não. O meu corpo rejeita o corpo de um homem...não é só o corpo...é a minha cabeça. Mas no meu coração, se fosse por ele eu já te tinha abraçado. 
- Queres que te abrace?
- Agora?
- Sim. 
- Mas...eu não sei...
- Queres ou não que eu tome conta de ti?
Olhei nos olhos dele...porque é que o nosso psíquico é tão problemático? Se não fosse aquele momento me ter afectado tanto eu estava a ser feliz, com o rapaz que me faz feliz. Desde que comecei a dar-me com o Marcos, e podem ser poucos os dias, sinto que ele é o tal. Eu sei que também só tenho 19 anos, mas são coisas que se sentem. 
Ele sorria-me. Sorria com os lábios, com os olhos, as bochechas dele faziam covinha...a cara dele estava iluminada...estava feliz. Fazia-me sentir calma. Ele é homem...e estar frente a frente com ele não me fazia ter pânico dele. 
- Sim. Marcos, eu quero que cuides de mim. Eu quero que sejas a pessoa que estará para mim sem ter medo de lidar comigo. Mas quando sentires que sou um peso para ti...avisa. 
- Vais ser a minha pequenina. Vou cuidar todos os dias de ti e quero que isto seja uma prova do que nós estávamos a criar. 
- Eu não sou assim tão pequenina...
- És sim. És a minha pequenina. Estás frágil, precisas de miminho, de carinho, de apoio, de proteção e eu estou aqui para tudo. Vou encher-te de mimo, ouvis-te? Eu estou aqui para ti...pequenina. 
- Mas, Marcos, sempre que quiseres ou precisares de te afastares de mim tens de estar à vontade com isso. 
- Isso não vai acontecer. E agora...um abraçinho meu?
- Importas-te...que não seja para já?
- Claro que não, quando achares que posso dar-te um abraço avisas.
- Mas tem se ser com calma. 
- Claro! Ania...porque é que vieste para aqui sozinha?
- Não me apetecia ir logo para casa...os meus pais vão fazer-me montes de perguntas e eu ainda não quero lidar com elas.
- Mas vais ter de o fazer...mais tarde ou mais cedo. Se eles forem ao hospital vão saber que já sais-te de lá. 
- Sim, eu sei - levantei-me e andei um pouco - mas eu não quero. Eles vão encher-me com perguntas e vão querer estar sempre ao pé de mim. E eu não quero lidar com eles.
- Mas eles são teus pais...querem o teu bem, não lhes podes esconder que já sais-te do hospital. 
- Marcos...lidar todos os dias com as mesmas perguntas, as mesmas conversas...cansa. Eu só queria um tempinho sozinha. 
- Mas agora não estás sozinha.
- Eu sei...porque eu afinal não quero estar sozinha. Eu estou confusa! Não quero ir para casa...talvez mais tarde, ao fim do dia. Não agora. 
- E até lá?
- Fico por aqui...podes ficar um bocadinho comigo?
- Podemos ficar aqui...mas tens de telefonar à tua mãe. Vais avisar que estás comigo e que vais mais tarde lá para casa.
- Digo?
- Sim...a tua mãe não ficará tão preocupada e se falar com o teu pai ele também entende. 
- Tudo bem...vou ligar à minha mãe.
Fui até à minha mala e retirei de lá o telemóvel, iniciando a chamada com a minha mãe. Depois de alguns bips ela atendeu:
"-Ania? Está tudo bem?"
- Sim, está tudo bem mãe. Já tive alta.
"- Já? Eu vou avisar o teu pai então, e vamos buscar-te."
- Não. 
"- Não?! Como não?"
- Mãe, eu já sai do hospital...à uma hora. Fui dar uma volta, sabes que precisava de estar sozinha. 
"- E foste te por a andar sozinha? Tu sofreste um aborto Ania!"
- Eu sei mãe...fiquei mesmo cansada. Mas eu agora já estou bem.
"- Onde é que estás?"
- Estou num jardim. Com o Marcos.
"- Estás...com ele?"
- Sim, eu só quero que saibas que só ao fim do dia é que vou para casa. Preciso de pouca gente à minha volta. 
"- Ania...os teus irmãos estão cá em casa."
- Por isso mesmo, mãe...eu estou com o Marcos, ao fim do dia vou para casa. 
"- Posso falar com ele?"
- Para que?
"- Ania...deixa-me falar com ele."
- Ok - virei-me para o Marcos e passei-lhe o telemóvel - a minha mãe quer falar contigo.
Ele pegou no telemóvel e eu sentei-me no banco do jardim.

Marcos

Sabia que a Ania tinha mesmo aquela vontade de estar sozinha, mas ela chamou-me e eu vou cuidar dela. Não a quero deixar sozinha. Quero que ela sabia e sinta que comigo pode contar sempre. 
Ela falou com a mãe e a D. Ortencia pediu para falar comigo. 
- Bom dia D. Ortencia. 
"- Bom dia Marcos, como estás?"
- Estou bem e a senhora?
"- Vai-se andando, há-de melhorar quando ela melhorar."
- Vai ver que esta recaída pode ser rápida, e ela tem boas pessoas à volta dela.
"- Quanto ao melhorar...temos de esperar, mas quanto às pessoas, isso eu tenho a certeza. Obrigada por estares com ela agora."
- Não me tem de agradecer nada. Sabe perfeitamente que a Ania é especial, nós estavamos a desenvolver uma relação bonita e eu agora só quero estar a apoiá-la como amigo que sou. 
"- Marcos...o que é que eu digo ao Hugo?"
- Se quiser diga-lhe a verdade. Diga-lhe que a Ania está comigo. Eu não tenho qualquer problema em ser confrontado com o seu marido. 
"- Penso que é o melhor, a Ania o que é que achará?"
- Ania - virei-me para ela - que é que achas de a tua mãe contar ao teu pai que estás comigo?
- Decidam vocês...neste momento ele não virá atrás de nós. 
"- Que é que ela disse?" - perguntou a Ortencia. 
- Para nós decidirmos. 
"- O que é que faço?"
- Diga a verdade. Assim fica tudo esclarecido. 
"- Acho melhor. Mais uma vez obrigada Marcos."
- Não tem nada que agradecer. 
"- Toma bem conta dela. E se ela não quiser vir para casa não a deixes sozinha."
- Fique descansada que ela não ficará sozinha. Nunca ficará. 
"- Podes passar-lhe de novo o telefone?"
- Claro. Beijinhos D. Ortencia.
"- Beijinhos e muito obrigada Marcos."
Passei o telemóvel à Ania e sentei-me ao lado dela no banco.
Ela ainda esteve alguns minutos a falar com a mãe até que deram a chamada por terminada e ela olhou-me. 
- Ela pediu-te para seres minha ama, não foi?
- Hã? 
- A minha mãe...ela pediu para tomares conta de mim, não foi?
- E eu não te tinha dito que ia fazer isso mesmo? 
- Tinhas...
- Ania, neste momento eu quero ser teu amigo, quero estar contigo quando precisares. O resto virá com o tempo.
- Se não fosses tu...eu não tinha aguentado a noite passada.
- Mas tu não querias. Até quase que me mordeste. 
- Desculpa...
- Nada disso. Eu percebo-te, eu não queria ter insistido contigo, mas queria mesmo dar-te mimo e que tivesses a certeza de que podias contar comigo. 
- Eu agora sei disso, com todo o meu coração Marcos.
- Espero que não seja só o coração a sentir...a tua cabecinha também tem de entender que a minha cabeça já quer viver com ela em sintonia. 
- Acho que elas já vivem...
- Achas?
- Tenho quase a certeza - levantei a minha mão na direcção da Ania, passando-lhe com o meu dedo indicador sobre a cana do nariz. 
Inicialmente parecia que ela se ia afastar, vi o medo invadir o seu olhar, todo o corpo dela estremeceu e algo deve ter acontecido na sua cabeça. Mas, em fracções de segundos, a Ania mudou. Vi...um brilhozinho no seu olhar, pequeno, mas que a fez mudar um pouco. Ela pousou a sua face na minha mão, como que pedindo carinho. E pouco depois tive a certeza disso:
- Dás-me um abraço? - pediu ela, quase em sussurro.
Tais palavras foram como que...uma ordem para mim. Sabia que se ela estava a pedir era porque precisava, sabia que ela queria que eu tocasse nela, que os nossos corpos estivessem juntos. 
Avancei com calma. Coloquei a minha mão no braço dela, avançando para junto do seu corpo. Foi ela que pedira o abraço, tinha sido ela que o tinha feito. Mas, mesmo assim, sabia que havia ali ainda alguma coisa que a impedia de avançar. 
Encostei a cabeça dela no meu peito e rodeei o seu corpo com os meus braços. 

Ania

Sinto-me bem com o Marcos a meu lado. Sinto-me bem quando ele me olha, quando ele fala tudo sem pensar muito, quando ele simplesmente é ele próprio, como se nada tivesse acontecido. Senti-lo a meu lado...dava-me a certeza de que ele é o ser humana mais compreensível à face da terra. Eu não tenho medo dele. Contrariamente ao que pensava. 
Não estou como estive nos meses a seguir à...ao que me aconteceu. Eu tinha medo que um homem se aproximasse de mim. Os meus irmão nunca me tocaram, o meu pai nunca me deu um beijo durante esse tempo...eu tinha medo deles, que são da minha família. 
Mas com o Marcos...não havia nada disso. Bom, ao inicio houve, mas porque não queria que ele me visse como uma coitadinha. Mas agora, quero o mimo dele, os abraços dele, as festinhas, quero-o juntinho a mim. 
Estar nos braços dele, fez-me ter medo, sim. Mas foi por milésimas de segundo. Aquele cheiro dele...era completamente o oposto do que senti. Era doce, um cheiro que antes não tinha cheirado...nunca me tinha apercebido do perfume dele nos últimos dias. 
O corpo dele recebeu o meu e eu sentia que pertencia ali, em certa maneira. Parecia que aquele espaço estava feito à minha medida, ele era feito à minha medida. Seria feito para mim? Merecia ele alguém como eu? Cheia de dúvidas, problemas e pai treinador de futebol no clube onde ele joga.
- O teu colinho é bom, Marcos. 
- Foi feito pelos meus pais, aperfeiçoado por mim e para todas as minhas mulheres. 
- E essa resposta veio de onde?
- Foi estranha não foi?
- Para o fim...sim. 
- As minhas mulheres são: as minhas irmãs e a minha mãe...e tu. 
- Marcos... - afastei-me um pouco dele, continuando a ser agarrada pelos seus braços, e olhei-o - eu não sou tua mulher. 
- Nunca tinha tido uma amiga rapariga como tu. Todas queriam sempre mais do que o normal. Queriam estar comigo por pensarem que eu tinha dinheiro. Tu não. Tu tens tudo. E procuras as pequenas coisas da vida, ou estou enganado?
- Estás certíssimo, Marcos. Como é que me entendes assim?
- Tem momentos que é mais difícil decifrar-te, mas és parecida com a minha irmã mais nova. Têm uma personalidade idêntica. A minha irmã é mais faladora do que tu...
- Isso não é difícil
- Pois não. Mas tu olhavas-me com os mesmos olhos que a Micaela olha. 
- Os teus olhos também mudaram quando falaste da tua irmã. 
- É provável - ele olhava-me, mas pensativo. 
- E agora estás a ficar pensativo...
- A Micaela...é quase como minha filha. Acho que ela sente que sou um pouco pai dela, e eu também me sinto responsável por ela. 
- Está relacionado com a morte do vosso pai...?
- Sim. O nosso pai morreu à um ano e a Micaela é a mais nova, tem treze anos, na altura tinha doze. E aproximamo-nos bastante. Ela ficou afectada com isso, mas desabafava comigo e eu com ela. 
- É tão lindo ver-te falar dela. 
- Fala-me de um irmão teu e eu digo-te a mesma coisa. 
- É diferente. Eles são rapazes. Eu tinha uma relação mais próxima com o a seguir a mim, mas desde que ele saiu de casa...falamos menos, e coisas mais parvas.
- Mas dás-te bem com eles?
- Claro. Mas acho que os rapazes a falar das irmãs é mais...bonito de se ver. 
- E eu tenho três meninas. 
- És o irmão galinha. 
- Galinha Ania? 
- Galo fica mal - desmachamo-nos os dois a rir e eu acabei por encostar a minha cabeça ao peito dele. 
- É lindo o teu sorriso. 
- Dizem que é o da minha mãe. 
- É impressão minha, ou a Ania está a responder-me como a minha Cinderela?
- Não...não é impressão tua - olhei-o de novo...porque é que isto acontecia ao pé dele? - fazes-me bem. 
- E tu a mim, Cinderela. 
Os nossos olhos estavam fixados um no outro, queriam algo mais, mas sabiam que não era para já. 
- E se fossemos até minha casa? A esta hora está toda a gente fora de casa, almoçávamos e descansavas um bocadinho...
- Eu não te quero dar trabalho Marcos...
- Não sou o teu cuidador e fornecedor de mimo?
- És?
- Sou.
- És.
- Então, não dás trabalho nenhum.
- Tens a certeza...que não está ninguém em casa?
- Acho que sim. A Sol está na escola, a Noelia e a minha mãe a trabalhar. 
- E a Micaela?
- Ela só tem escola de tarde, mas já não deve estar em casa. 
- Vamos então...?
- Sim - levantamo-nos os dois do banco e seguimos lado a lado até ao carro do Marcos. 

A viagem até casa dele tinha sido rápida. 
Era uma bonita vivenda, perto do centro de treinos, e eu se já por ali tinha passado não me recordava. Dirigimo-nos ao interior da casa, que estava bem mais fresco que na rua. Era uma casa linda, via-se perfeitamente que vivia com mulheres. Estava tudo arrumadinho e sem aquele ar de casa de rapaz jovem solteirão jogador de futebol. 
- Bem vinda à minha casinha. 
- Muito obrigada. 
- Vem - o Marcos levou-me até ao sofá e sentamo-nos - vais ficar aqui a descansar, enquanto eu preparo o almoço, sim?
- Marcos...eu não estou inválida, posso ajudar.
- Não, tu tens de descansar. 
- E...se entra alguém?
- Fica tranquila. 
- Tudo bem, mas eu não quero que andes por aí a ser meu escravo...olha, não tens treino?
- Tinha. Pedi o dia de folga. Tinha treino para a tarde e estava a pensar que te ia ver ao hospital...
- Devias ir ao treino. 
- Não. Quero ficar aqui contigo e descansar também. 
- Estou a ver...estás a usar-me como desculpa para te escapares a cansar-te. 
- Nada disso. Mas entre um treino com o teu pai e estar contigo...a escolha é bem fácil. 
- Marcos, não sabia que... - uma voz feminina fez ouvir. Na sala uma menina surgiu. Estava de avental e um pouco espantada. Deveria ser a Micaela...
- Ei...eu também não sabia que ainda estavas em casa - o Marcos levantou-se e eu também, colocando-me ao lado dele, um pouco atrás. 
- Podias ter telefonado, ou mandado mensagem. Assim eu tinha-me arranjado melhor para receber as visitas e tinha feito almoço a contar com vocês, seu bronco! - foi impossível não rir com a irmã do Marcos. Tinha mesmo respostas...fortes. 
- E tu podias moderar a forma como me tratas não?
- Só porque estás acompanhado queres que eu te trate bem, maninho?
- Ania...é a Micaela no seu estado normal. 
- Já me tinha apercebido. 
- E eu estou a ver que já falaram de mim - ela aproximou-se de nós, deu dois beijos ao irmão e olhou para mim - pensei que não te fosse conhecer tão cedo. 
- Eu também pensava que não estaria ninguém em casa...mas é bom conhecer-te - ela deu-me dois beijinhos, ao qual eu correspondi.
- Vocês queriam era a casa só para vocês. Eu vou só almoçar e depois saiu logo. 
- Micaela!
- Marcos! Não atrapalho mais...vou almoçar e tu tens de te safar com o almoço. 
- Força!
- Bom almoço, Micaela - disse-lhe. 
- Obrigada...como é que te chamas?
- Ania. 
- Obrigada Ania.
- De nada - a irmã do Marcos saiu da sala e nós ficamos os dois parados no mesmo sitio. Apenas o Marcos se movimentou para ficar de frente para mim. 
- Eu não sabia que ela estava em casa...
- Percebi...a tua irmã é um máximo!
- Só quando quer. 
- Não sejas assim. Ela é tudo para ti, bem vi. 
- Tudo bem, mas ela não precisa de saber.
- Estavas à espera que fosse eu a contar-lhe?
- Não...
- Então...
- Vamos esperar que ela saia para ficarmos mais à vontade. 
- Mais...à vontade?
- Para tu descansares e eu ir fazer o almoço, pequenina. 
- Claro. 
Ficámos os dois sentados no sofá, até que a Micaela voltou à sala, despedindo-se. Ia para a escola. O Marcos...depressa ditou as ordens. Ele ia para a cozinha inventar o nosso almoço, segundo ele, e eu ficava sentada no sofá a ver televisão. Boa! 
Estava à algum tempo sentada, quando me apeteceu ir ter com ele. Andei pela casa...como se a conhecesse. Fui direita ao sitio que queria, mas o Marcos não deu pela minha presença, o que me ajudou. Fiquei parada, junto da porta, simplesmente a contemplá-lo.
Ainda não me tinha apercebido do quão...bonito ele estava. Envergava o género de umas calças de treino, mas mais sofisticadas, justinhas nas pernas, algo largas na zona das cochas e voltavam a ficar...apertadinhas no rabo dele. Pretas...extremamente sexy's. Meu Deus...eu aqui parada, a olhar para o rabo do Marcos! Onde é que isto já se viu? Eu acho que nem me conheço...não me consigo conhecer a mim própria. Passam-me as imagens pela cabeça, mas ao mesmo tempo passa-me o Marcos e tudo passa.
Ele mexia em batatas e carne...era o que ele tinha inventado para o almoço. Percorri os braços dele...aqueles músculos  com aquelas tatuagens...e aquela camisola de cavas branca que lhe definia...todos os recantos do tronco dele...o Marcos está uma coisa de me arrepiar toda e eu só agora reparei? Depois de uma manhã com ele? Ania...tens de usar óculos de certeza!
Aproximei-me dele...e eu estremeci. Não de medo, não de receio, nem de sofrimento...eu estremeci pelo contacto que ia ter. Estar pertinho dele...fez-me despertar. Com a minha mão esquerda, percorri o braço esquerdo dele, beijando-lhe as costas. 
- Ei, ei! O que é que tu fizeste à minha Ania? De onde é que apareceste? - perguntou ele, fingindo-se de aflito. 
- Ai Marcos...és tu! És tu e essa tua maneira de estar. Eu nem sei o que estou a fazer...as minhas mãos simplesmente...agiram por elas. Desculpa. Talvez não devesse ter feito isto. 
Ele virou-se para mim e eu voltei a estremecer toda...
- Sabes que não são todas que têm a sorte de estar assim comigo. 
- E tu és um convencido!
- Sou?
- Não! Mas...ai Marcos, porra! Eu não sei o que é que estou a pensar, quanto mais o que é que estou a dizer!
- E...Ania, eu amo ver-te assim.
- Como?
- Com os olhos a brilhar, corada, a tremer sempre que te toco. 
- Como é que tu me fazes isto?
- Porque te sou especial?
- Achas que é isso?
- Não é?
- Será?
- Paras com as perguntas?
- Sim...eu paro. 
- E eu posso continuar o nosso almoço?
- Sim... - o Marcos virou-se para a bancada e continuou a preparar o almoço.
Eu coloquei-me do lado direito dele e...a minha mãe esquerda voltou a agir descontroladamente. Quer dizer...eu tenho bem noção do que é que estou a fazer. 
Percorri as costas do Marcos, até chegar junto do elástico das calças. 
- A tua mão hoje quer ir passear por sítios perigosos!
- Se fosse só a minha mão... - nisto toca o meu telemóvel, estava no meu bolso. Com a mão direita retirei-o do bolso e atendi, ao mesmo tempo que apalpei o rabo do Marcos. 
- Pai! - disse ao atender a chamada do senhor Hugo. 
"- Ania, filha, como estás?"
- Estou bem e tu?
"- Estou preocupado contigo."
- Papi, não estejas...a serio, eu estou bem melhor do que possas pensar, acho eu - tinha caminhado até à mesa e virei-me para o Marcos, que me olhava...ai santo Deus! A falar com o meu pai e ele...assim. 
"- Tu estás com o Faustino, não é?"
- Eu estou com o Marcos. 
"- Vai dar ao mesmo. Posso saber porque é que foste com ele e não com os teus pais?"
- Posso explicar quando chegar a casa? Iamos almoçar agora...e eu preciso de me alimentar, papi
"- Queres esquivar-te da conversa...mas logo à noite falamos. Porta-te bem"
- Fica descansado, paizinho. Besos para ti e para todos aí em casa. 
"- Beijinhos para vocês também."
Desliguei a chamada e o Marcos avançou na minha direcção. 
- Lá porque o meu pai já desligou a chamada, não tens o direito de avançar assim na minha direcção!
- Eu só estou a andar...normalmente. 
- Marcos, calma. 
- Tu apalpas-me o rabo e eu é que preciso de calma...acho que estás afetadinha.
- Não estou coisa nenhuma. Eu não sei como é que é possível, mas eu não quero saber do que é que aconteceu ontem. Quero o hoje e quero-te a ti porra! 
- Tu...tens a certeza do que é que estás para aí a falar ou isso é falta de comida no estômago?
- Eu tenho a certeza absoluta porra. A serio, Marcos. A serio, a serio!
- E eu posso ir até ti ou não?
- Já cá devias estar até... - ele aproximou-se e rodeou-me com os seus braços, beijando-me a testa. Eu coloquei as minhas duas mãos no fundo das suas costas - eu sei que sou confusa. Ainda à bocado te pedi para ires com calma e agora já estou louca por ti...é o que me fazes.
- A tua cabecinha teve uma quebra e agora está a recuperar...e está a puxar-te para mim, o que eu amo.
- Eu também, muito! 
- Ania...eu não te quero forçar a nada. 
- Não és tu que me estas a forçar. Eu é que quero, percebes isso e dás-me um beijo?
- Tu...o que é que acabaste de dizer?
- Faz só aquilo que te digo...disseste que ias cuidar de mim...não estou a ver nada disso.
- Com a sua licença, Cinderela - o Marcos simplesmente colocou as suas mãos no meu pescoço e colou os nosso lábios. Completamente coladinhos, encaixados na totalidade, super apaixonado. Sentia-me livre, sem complicações na minha cabeça, pronta para assumir que quero o Marcos como o homem da minha vida. Mesmo quando estava na minha crise...ele esteve lá para mim, aproximou-me dele e fez com que tudo fosse diferente. Mas...e fora daqui? Sem o Marcos? Como é que eu sou? "Esquece isso e enfia mas é a língua na boca do gajo" - a minha cabeça a pensar sozinha...pensa melhor que tu em estado consciente Ania! 
Ficamos simplesmente envolvidos num beijo que se prolongou pelo tempo que quisemos, da forma que quisemos. O beijo parecia não ter fim...mas o Marcos, se calhar o único mais consciente ali, interrompeu-o.
- E se fossemos almoçar, amor? Ainda não comeste nada desde que estás comigo e ainda estás fraquinha. 
- Estou fraquinha? 
- Sim...não neste beijo que acabou de acontecer, mas precisas de te alimentar bem e descansar. 
- Sim. Lá estás tu com a tua razão. 
- Serei o mais responsável que conseguir perto de ti. 
- Isso é uma indirecta para a minha irresponsabilidade?
- Eu não disse que era irresponsável, porque não és. 
- Acho bem.
- Almoçar?
- Sim...mas dá-me só mais um...
Devo ter feito o beicinho mais mal feito, porque o Marcos se desmachou a rir, mas lá...me deu um beijo. As minhas mãos...bem essas foram parar ao rabo dele e...aquilo é como sentir nem sei bem o que. O rabo do Marcos...mãe do céu, perdoa os meus pecados, mas este rabo! Louvado seja! 
Olhamo-nos, mas eu "esqueci-me" das minhas mãos nas nádegas dele. 
- Juro-te...as tuas mãos nunca andaram por sitio tão perigoso como hoje. 
- Quem te garante? Antes de ti...
- Antes de mim o que? Tu pensa bem no que vais dizer, Cinderela!
- Eu ia dizer...antes de ti, nunca nenhum rabo era tão apetecível.
- Tu andaste a beber?
- Não. Estado normal, puro, apaixonado e louco por ti. 
- És tão doidinha e tão perfeita.
- Sou parecida com o meu louco, que me diz para irmos almoçar mas continuamos aqui.
- Tens razão princesa...mas a culpa também é tua - o Marcos deu-me mais um beijo, para de seguida me puxar a cadeira da mesa para me sentar.
Almoçamos os dois tranquilos, sem pressa nenhuma, sempre com piadas e conversas sem nexo, mas...a planear o que seria a nossa tarde.