sexta-feira, 11 de março de 2016

47º Capitulo: “Vamos ter que dar tempo ao tempo”

MARCOS

- More? – quando ela está tanto tempo sossegada, é de estranhar. Regressamos há pouco tempo de casa do André e da Iara já que a Morena tinha ficado lá enquanto estive no treinohija, donde estás?
- Escundida! – ouvi, quase num sussurro, a voz dela. Vinha da sala, ela estaria aqui mas…onde? – procua papu, procua – tinha mesmo de a procurar, se ela me está a desafiar para jogar às escondidas é porque quer alguma coisa. Mas, não havia maneira de a encontrar. Nem debaixo da mesa estava, nem atrás do sofá, nem das cortinas.
- More…eu desisto, eu não sei onde é que estás!
- Aqui – a porta do armário começou a abrir-se e ela saiu de lá. Com o seu jeito de bailarina, rodopiou sobre o seu corpo batendo palmas – ahora esconde tu.
- Mas tens de tapar os olhos!
- Tá bom – escondi-me atrás do sofá, reparando que ela se mantinha de olhos tapados – já podo?
- Já, já podes – ela, numa correria frenética, veio direta a mim saltando para o meu colo – como é que sabias que eu estava aqui?
- Eu vi o cabelo! Não o escondeste!
- Ai eu não escondi o cabelo – comecei a fazer-lhe cócegas, parando só quando ela já estava com soluços.
- Papu – ela sabe dizer pai e padre mas anda com aquele jeito de me chamar papu – poque é que a mamã tá em casa do padinho?
- Uma pergunta difícil, garota! – levei as minhas mãos à cara dela, dando-lhe um beijo na testa – a mamã precisava de…estar com eles. Só por uns dias.
- E yo vou ir lá todos os dias?
- Sim. Sempre que o pai não estiver em casa, vais ficar com a mamã.
- E o padinho não. Só com a madinha.
- O padrinho está com o pai nessas alturas – tocaram à campainha, fazendo com que ela fosse a correr para a janela. Meteu-se em cima do banco que lá estava, olhando para o exterior.
- É a tia Mina! – levantei-me do chão, indo abrir a porta. A Morena desatou a correr para abrir o pequeno portão para que a Romina entrasse – tia Mina! – A Romina pegou logo nela ao colo e as duas trocaram um abraço. Acabei por me encontrar com elas a meio caminho, cumprimentando a Romina – a tia touxe papinha!
- Obrigado, Romi.
- De nada, aproveitei que o Martín foi a uma formação e lembrei-me de passar para vos ver.
- Obrigado, a sério – aproximei-me novamente dela, dando-lhe um beijo na testa – vamos lá almoçar – peguei nos sacos que ela trazia consigo, dando-lhe passagem para entrar em casa – eu vou buscar as coisas à cozinha – pousei os sacos em cima da mesa de jantar, reparando que a Morena aproveitava para dar uns quantos desenhos à tia.
Depois de recolher pratos e talheres, fui colocá-los na mesa voltando à cozinha para levar os copos.
- Papu! – a Morena correu na minha direção, agarrando-se às minhas pernas – vamos papar?
- Vamos sim senhora, mi gordita!
- Tia Mina, anda! – como já era hábito dela, avançou na direcção da sua cadeira subindo para a mesma. É impressionante o quanto ela já faz com pouco mais de um ano – o tio? – perguntou, olhando para a Romina que se sentava ao lado dela.
- O tio foi aprender umas coisas. Foi à escola – esclareceu-lhe aquela dúvida, fazendo com que a Morena se risse – vamos comer sopinha primeiro?
- Sopa no! – olhou para mim, fazendo beicinho...ela sabe que, comigo, consegue sempre levar a melhor. É difícil dizer-lhe que não...
- More, tem de ser. Sopinha primeiro e depois mais qualquer coisa.
- No, eu no quiero.
- A tia dá só um bocadinho, sim? – ela voltou a olhar para o Romina, que dividiu a sopa por duas tigelas mostrando-lhe aquela que tinha menos – pode ser este bocadinho?
- Só esse?
- Sim, a tia promete.
- Bien – a Romina aproximou-se dela, começando a dar-lhe a sopa.
- Se quiseres eu faço isso... – acabei por lhe dizer.
- Não te preocupes. Tenho de aproveitar, enquanto posso, a minha sobrinha – enquanto ela dava a sopa, abri uma garrafa de vinho para nós – pronto, a sopinha já está! Agora, queres salsichas ou frango com batata?
- Fanguinho – respondeu-lhe olhando atenta para a Romina – qué isso? – apontou para o pedaço de frango que a Romina acabara de colocar no seu prato.
- É o franguinho.
- Não queo! É aquio! – apontou para as salsichas e acabamos por nos rir os dois com ela – não riam!
- Peço desculpa, peço desculpa minha flor – dei-lhe um beijo na bochecha, servindo-me de alguma comida – vais comer sozinha e deixar a tia comer?
- Sí – agarrou na colher, começando a comer.
- Então, o Martín está numa formação? – perguntei, fazendo com que ela me olhasse.
- Houve qualquer coisa da FIFA e ele foi lá. Acho que é por causa dos contratos dos jogadores. Ele está a pensar voltar ao ativo com o trabalho dele.
- A sério? Isso é ótimo! Se ele quiser, ficas já a saber que sou um jogador independente que está às ordens dele. É bom que o Martín não deixe o trabalho dele de lado, sempre foi um grande agente e ajudou-me imenso.
- Vamos ver...estamos quase a terminar 2014 e queremos iniciar o ano da melhor maneira possível.
- E vão conseguir.
- Acabei! – numa atitude muito despreocupada, a Morena acabou por empurrar com alguma força o prato para o centro da mesa – perdón, foi sim querer.
- Já sabes, para a próxima não fazes isso.
- Sí, perdón papu – ela tentou aproximar-se de mim, algo que lhe era difícil fazer já que estava presa na cadeira – posso sair e dar beijinho?
- Podes – a Romina riu-se e ajudou-a a sair da cadeira. Ela colocou-se a meu lado e, depois de me baixar na sua direcção, deu-me um abraço e um beijo – muito obrigado, filha.
- De nada. Panda?
- Vai lá ver o panda, vai – iríamos ter, com certeza, um momento de sossego. Com o panda não haviam alternativa, ela petrificava a ver todos os desenhos animados que dessem naquele canal.
- Ela está cada dia mais esperta.
- Nem tu imaginas o quanto! – olhei para a Romina, rindo-me – Tem, às vezes, com cada pergunta...
- E aposto que, contigo, ela consegue tudo o que quer!
- Não é bem assim...
- Ah, não é! Tu és um pai babado, vê-se mesmo que seria incapaz de lhe recusar alguma coisa.
- Eu só quero que ela seja feliz – confessei – sei que lhe tenho de colocar barreiras, de a proibir de fazer algumas coisas mas, às vezes, eu não consigo. Ela é demasiado persuasiva.
- Tu és é um coração mole com a tua bebé!
- Podemos dizer que sim – ela riu-se e acabou por beber algum vinho. Teria de falar com ela sobre tudo o que tinha acontecido, ainda não tínhamos estado juntos desde que a Ania lhes contou que não poderia engravidar nos próximos tempos – Romi...como é que estás?
- Não te parece que estou bem, Marcos?
- Parece mas...
- Eu ainda não perdi a esperança de ser mãe – disse ela, super tranquila – o que vocês iam fazer por nós é algo que me irá marcar para sempre. E, neste momento, precisamos todos de uns tempos sem este peso de tentar ter um bebé. Porque vai acontecer, eu sei que vai.
- E o Martín?
- Claro que ele ficou triste, ficamos os dois. Mas acho que não só por nós. Em grande parte é por vocês também, pelo vosso futuro e por ela enquanto mulher. Eu sei o que ela sente, eu só não sei é como ela está...a Ania não desabafa com ninguém.
- Acredita que ela o faz com alguém.
- Contigo?
- Não. Nós pouco falamos. Mas ou com a Iara ou até mesmo com o André. Ela, com eles, acredito que desabafe.
- O André nunca te disse nada?
- Nem vai dizer. E eu prefiro que assim seja. Acho que estamos, cada um, a reencontrar-se e a tentar resolver não só o presente, como passado.
- E como é que vai ser o futuro?
- Uma pergunta para a qual eu não tenho resposta. Vamos ter que dar tempo ao tempo, não é?
- Parece ser um bom plano.

- Foto, foto! – a Morena vinha com o meu telemóvel na mão e tinha a câmara ligada. Provavelmente já teria andado a tirar fotografias a todos os cantos da casa, algo que faz com regularidade enchendo-me a memória do telemóvel com imensas fotografias.
- Está é na hora de dormires!
- Oh, no…
- Sí, sí. Já tomaste banho e já é muito de noite.
- Tá bem – ela entregou-me o telemóvel, saltando para o meu colo – vamos dormir na cama gande?
- Eu acho que devias dormir na tua caminha…
- Quero domir contigo.
- Então vamos lá dormir – peguei nela ao colo, encaminhando-me para o meu quarto. Assim que a coloquei na cama, tratou de retirar todas as almofadas que estavam sobre a mesma e enfiar-se dentro dos lençóis – estás confortável?
- Sí. Deita, papu – ela fez sinal para que me deitasse ao lado dela, acabei por tirar o boné e a camisola deitando-me ao lado da Morena – tá fio! – puxou os lençóis para cima, tapando-me e tapando-se a si mesma – té amanhã.
- Até amanhã, filha – deu-me um beijo na boca, virando-se para o outro lado. Não iria demorar muito para que ela adormecesse. Quando lhe dissemos que é hora de dormir, ela acaba sempre por se deixar vencer pelo cansaço e adormecer mais depressa que todos.

Vasculhei o meu telemóvel, rindo-me sozinho. Como seria de esperar, haviam imensas fotografias sem sentido nenhum, muitas fotografias dela mesma e a que ela tinha tirado na sala. Acabei por a partilhar no meu instagram naquele momento.

A fotógrafa mais profissional de todas antes de adormecer. Buenas noches!
Depressa percebi que ela estava a dormir. Já estava sossegada, a sua respiração estava mais pesada. Tapei-a um pouco melhor, deixando-me ficar ali ao lado dela. O som de mensagem no telemóvel fez-se ouvir. Ela não se mexeu, já estava mesmo ferrada a dormir.

Ainda estás acordado?

Era a Ania. Acabei por lhe responder que sim e receber, poucos segundos depois, uma outra mensagem dela dizendo que estava à porta da nossa casa.
Com algum cuidado, saí da cama rodeando a Morena com algumas almofadas para ela não cair. Encaminhei-me, de seguida, até ao andar debaixo abrindo a porta de casa.
- Pensei que não fosses responder…
- Estive a rodear a Morena com almofadas, entra.
- Obrigada – ela passou para o interior da casa e acabei por fechar a porta – não achas que devias vestir uma camisola…?
- Não me digas que ficas incomodada pela minha falta de roupa? – ela olhou-me, rindo-se.
- Não me incomoda nada. Mas ainda te constipas.
- A casa está quente, não há problema. Não esperava ver-te aqui…
- Estava com imensas dificuldades em adormecer e vi a vossa fotografia…decidi passar por cá.
- Ela já está a dormir. Mas podes ir vê-la, está no nosso quarto.
- Podemos…ficar aqui um bocadinho só os dois?
- Claro – ela sentou-se no sofá e acabei por ir ter com ela, sentando-me a seu lado.
- Não temos falado muito…
- Ainda só passou uma semana desde tudo…pensei que quisesses o teu espaço primeiro e, só depois, falar sobre alguma coisa.
- Eu estou tão confusa, Marcos. Se queres que te diga, eu acho que ainda não dormi uma única noite como deve ser, eu não consigo deixar de pensar em tudo – talvez me tenha enganado…talvez ela queira desabafar comigo – isto deitou-me abaixo, eu não posso negar. Eu estava pronta para ajudar o meu irmão, eu estava pronta para começar a pensar quando iria ter o segundo filho. E, depois de tudo o que o médico e tu me disseram…eu não sei se aquilo que eu pensava era realmente o que eu queria fazer.
- Estou a acompanhar.
- É isso. Acho que, ao decidir que os queria ajudar, eu acabei por deixar de me preocupar com tudo o resto. Eu não vi os teus medos, eu não vi os meus próprios medos. Foi tudo tão rápido, tudo tão alucinante…
- E agora? – não queria fazer demasiadas perguntas, não queria dar-lhe muito para pensar. Acho que, neste momento, ela me deveria estar a ver apenas como alguém em quem ela confia completamente para desabafar.
- Não sei. Eu sinto que não estou preparada para voltar para nós…mas também não quero ficar nesta situação por muito mais tempo.
- Tenho a certeza de que vás conseguir encontrar-te a ti mesma… - ela sorriu, acenando afirmativamente com a cabeça – precisas de tempo, assim como eu. Só precisamos de nos respeitar um ao outro e saber que estamos sempre um para o outro quando é preciso, como neste momento.
- Eu precisava mesmo de falar com alguém…e torna-se muito mais fácil quando é contigo.
- E eu fico muito feliz por isso.
- Posso ir vê-la?
- Claro, fica à vontade – devo ter ficado a observá-la até que não a tive no meu alcance de visão. Geralmente dizem-nos que só sabemos dar valor às coisas quando as perdemos. Eu sei dar-lhe valor e dar valor ao que sinto por ela, tendo em conta tudo o que já passamos.
Se calhar, muitos homens já a teriam deixado. Se calhar eu mesmo já a teria deixado se não a amasse tanto como amo. Mais do que ser minha mulher ou mãe da minha filha, a Ania é já há dois anos e alguns meses a minha melhor amiga. Antes de querer que as coisas entre nós fiquem 100% bem, eu quero que ela fique bem.
Decidi ir espreitar o quarto e ver se a Morena teria dado pela presença da mãe. Claro que isso não aconteceu…ela dorme tão bem que a podemos tirar de uma cama e pôr noutra sem que dê conta. Quem também adormece rápido é a Ania…tanto que adormeceu ali ao lado da filha. E eu não a iria tirar dali, nem a acordar para se ir embora. Limitei-me a tapá-la e ir dormir para outro quarto.


- A mamã domiu comigo! – disse a Morena, assim que entrou na cozinha ao colo da Ania.
- Bom dia! – acabei por dizer, ouvindo um bom dia logo de seguida das duas – então, a mãe agora também te dá o pequeno-almoço, sim? – olhei para a Ania, pegando na minha garrafa de água – tenho de ir para o treino…achas que faz mal?
- Não, não. Vai descansado, eu depois posso ficar por aqui…até chegares.
- Obrigado – passei por elas, dando um beijo na testa a cada uma.
São pequenos momentos que elas têm de aproveitar as duas. Pequenos momentos que eu não posso contrariar, pelo contrário devo incentivá-las sem as pressionar. A Morena consegue dar a volta à Ania, mesmo sem saber que o está a fazer. Se há alguém que vá conseguir fazer com que a Ania se reencontre…esse alguém é a nossa filha. 


Olá meninas!
Aqui vos deixo mais um capítulo que espero que gostem. Fico a aguardar pelos vossos comentários. 
Beijinhos,
Ana Patrícia.