- Acabaste de dizer que eu estava preparado para a resposta…e dizes que não? Eu não estava preparado para isso…não depois de tudo o que vivemos – Marcos levantou-se, começando a andar de um lado para o outro – ao fim de três anos juntos, de tanta coisa que passámos…eu pensei que estavas preparada. Eu pensei que tivesses um sim para mim. E tu tens um não!
- Podes ter calma e sentar-te aqui, se faz favor? – Marcos olhou para Ania vendo algo que não esperava. Ela sorria, estava verdadeiramente feliz e ele não conseguia entender o porquê.
Marcos acedeu ao pedido de Ania, sentando-se ao fundo da cama em frente dela.
- Estás calmo?
- Não.
- E podes ficar?
- Posso…mas fala. Diz qualquer coisa…para além de um não. Explica-me porque é que não queres casar comigo…
- Eu achei isto… - Ania esticou-se até à mesa-de-cabeceira, retirando de lá uma caixa. Marcos reconheceu-a. Era a caixa que continha o anel que pretendia oferecer a Ania para oficializar o noivado – E eu quero este anel que está cá dentro – Ania abriu a pequena caixa e Marcos não viu o que esperava. Não estava lá o anel, o anel que ele tinha comprado a pensar na sua Ania.
- O anel…?
- Está…aqui – por dentro da camisola do pijama, Ania retira o fio que tinha lá dentro. Pendurado nele, estava o anel – encontrei-o à uma semana por aí, coloquei-o aqui e tu não deste conta. Eu sinto-me já casada contigo…eu jurei que iria ficar contigo para sempre. Eu sei que queres ser romântico, sei que queres o meu sim…mas eu já te dei esse sim. Dei o sim quando me pediste em namoro, dei o sim quando fui viver para Moscovo, dei o sim quando vim para Portugal e dei o sim quando disse que queria ser a mãe dos teus filhos – Ania aproximou-se de Marcos, retirou o fio do pescoço retirando o anel do mesmo. Pegou na mão de Marcos, depositando o anel no centro da mesma – eu só disse que não para te assustar – Ania riu-se sozinha, reparando que Marcos não alterava a sua expressão misteriosa. Não conseguia decifrar o que ia na cabeça dele – já vi que não teve piada…mas sim, eu quero, e muito, casar contigo.
- Olha só não me chateio contigo porque até sou teu noivo! – Desta vez foi Marcos que se riu sozinho, já que não deu tempo a Ania que o fizesse. Beijou-a, completamente apaixonado.
Os dois perderam a noção do tempo, aproveitando apenas para namorarem. Era um momento de felicidade aquele que viviam, era um momento deles e só deles. Não se preocuparam com o amanhã. O presente era o que mais lhes interessava.
- Ei oh André, tu mata-te! – Ania estava com André Carrillo na bancada do estádio José Alvalade. O campeonato tinha recomeçado, estavam já a meio do mês de Janeiro. Ania estava com Carrillo, já que ele estava castigado e, como não tinha namorada, ficou com a “cunhada emprestada” como ele próprio dizia.
- Vais negar? Esta gente não está a brincar, ainda te matam o namorado.
- É noivo para tua informação…
- Já deram, finalmente, esse passo?
- Já. Sim obrigada, estamos muito felizes. Mas escusas de estar aí a dizer que vais furar os pneus aos da equipa contrária.
- Sim, exagerei…mas vá, tu curtes de mim.
- Não. Estás muito e completamente enganado!
- A serio? – Carrillo olhou-a surpreendido – Tu não gostas de mim?
- Só gosto do meu noivo.
- Oh cunhada emprestada…eu não me estava a referir a isso.
- Eu sei…se gostasses de mim de outra maneira…o Marcos era capaz de se passar.
Ania riu-se, olhando para o cronómetro que marcava os minutos em que ia o jogo. Faltavam dois minutos para o intervalo e, no seu íntimo, estava cansada de ali estar.
- Tu hoje não estás muito animada…
- Coisas de grávida.
- Coisas de que!? – Ania tinha-se esquecido completamente que a sua gravidez era, ainda, segredo. Carrillo quase que tinha gritado com ela, chegando-se para a frente na cadeira.
- Oh meu Deus…já meti a pata na poça…
- Tu estás grávida? E porque é que o puto não me contou nada?
- André…era segredo. Porque é tudo muito recente e é tudo muito…perigoso.
- Estás com uma gravidez de risco? O bebé está bem?
- Oh meu Deus…parecias o meu pai agora…
- Responde!
- Sim…é gravidez de risco, mas o bebé está bem. Só temos é de ter calma e esperar que cheguem as 14 semanas para que se estabilize tudo.
- Parabéns! Eu vou ser tio! – Carrillo encostou-se na cadeira e os dois olharam o relvado. Era canto…e foi golo de Marcos.
Tanto um como o outro celebraram aquele golo e Ania ganhou alguma vontade de ver a segunda parte do jogo. Teria de esperar 15 minutos para que isso acontecesse mas tinha sido bom contar a alguém que estava grávida. Nem Valentina sabia…e o facto de ter sido Carrillo o primeiro a saber, até faz com que seja tudo mais especial.
- Então tu para a semana não vais para o Porto.
- Não. O castigo é de dois jogos.
- Não sabias fazer uma falta menos escandalosa?
- Também tu? O teu Marcos já me disse a mesma coisa…
- Vês? Só queremos o bem da equipa…
- Pronto, sim, mas não precisam de bater mais no ceguinho – Ania riu-se, ajeitando-se na cadeira. Aqueles quinze minutos dos intervalos, eram os que custavam mais a passar num jogo.
A época não estava a correr da melhor forma ao Sporting. Estavam em quinto lugar e somaram mais uma derrota com aquele jogo. Todos percebiam que os adeptos queriam e precisavam de mais, a equipa ainda tentava mas, no fim dos jogos, acabava por se perder e, algumas vezes, deixava que o adversário ou empatasse, ou acabasse por vencer o jogo.
Ania começava a ficar preocupada. Marcos, fazia o seu papel dentro de campo mas, quando perdiam ou empatavam, ele acabava por se tornar uma pessoa mais distante. Passava o resto do dia de mau humor e, nas manhãs seguintes a cada jogo, não queria falar com ninguém. Ia para o jardim de casa, dava uns toques na bola, corria e só assim voltava a ser o Marcos animado e bem-disposto.
Estava na garagem à espera dele, juntamente com André.
- O Marcos deve vir todo mal disposto…
- Ainda bem que vais jantar lá a casa…
- Ele fica mal disposto por muito tempo? É que no balneário entendesse…mas em casa, não sei, podia ser diferente.
- Não. O Marcos só volta a estar bem-disposto amanhã ou assim.
- Ai coitada de ti…com um noivo assim, eu mandava-o passear – Ania olhou para André com um certo desdém…não queria acreditar que André tivesse dito aquilo – eu estou a brincar…fogo, tu levas tudo a sério, não dá para brincar?
- Com esses assuntos não, não dá.
- Pronto, peço desculpa oh Ania quase Rojo e mãe do meu sobrinho.
- Era tão engraçado que fosse sobrinha.
- Não agoires…eu preciso de um companheiro novo e tem de treinar comigo. Não pode ser defesa como o pai, mas sim atacante aqui como o tio.
- Oh meu Deus…isto está tão bonito, mas vamos com calma que ainda pode acontecer muita coisa.
- Não tenhas medo, cunhada emprestada. O puto é forte – André passou com um dos seus braços por cima dos ombros de Ania, dando-lhe um pequeno beijo na testa. Ania sentia, de uma forma estranha, que André era um irmão de Marcos. Pelo menos faziam tudo para que parecesse.
- Fazes o favor de largar a minha namorada? – a voz triste, chateada e baixa de Marcos fez-se ouvir. Tanto Ania como André perceberam que ele estava em baixo. André afastou-se de Ania, olhando para Marcos.
- Não tenhas medo que eu não te roubo a mãe dos teus filhos – Marcos olhou para Ania, tentando perceber se ela teria contado algo a André.
- Acabei por me descair enquanto estávamos a ver o jogo…mas é ele. Não faz mal, pois não?
- Não…claro que não.
- Parabéns, puto – André acabou por o abraçar e Marcos sorriu. Ania viu aquele sorriso, viu, em Marcos, a felicidade que em outros dias não existia.
Depois de deixarem o estádio, foram até casa onde, os três, tiveram um jantar tranquilo e, até, animado.
- Não ficaste chateado por ter contado ao André, pois não? – Perguntou Ania, ao deitar-se.
- Não…claro que não. Eu dou-me bem com ele, e tu também. Mas tens de ter cuidado…não podemos espalhar muito a notícia.
- Sim, eu sei disso. Marcos…tu hoje estás diferente.
- Estou? – Marcos deitou-se, também, agarrando no comando da televisão.
- Sim…não estás tão chateado e aborrecido como das outras derrotas…
- Há coisas que nos fazem mudar a maneira como vemos as coisas… - Marcos olhou para Ania, percebendo que ela não estava a entender o que ele dizia – as derrotas…os empates e as vitórias fazem parte de um percurso profissional…mas, neste momento, eu consigo perceber que o percurso pessoal não pode sofrer com o meu estado de espírito. Nem tu, nem o nosso bebé têm culpa de jogos menos conseguidos…eu tenho de ser o vosso Marcos. E não aquele que está em campo. Há que saber distinguir os dois lados – Ania sorria. Percebia que Marcos estava a querer dizer-lhe que esta a tentar mudar…por ela e pelo filho de ambos – é claro que me sinto frustrado por não estarmos a conseguir dar aos adeptos alegrias…mas aqui, nesta casa, eu sou feliz com vocês. E é só isso que me importa agora.
Ania rodeou o pescoço de Marcos com os seus braços, puxando-o para junto dela. Marcos acabou por inclinar o seu tronco na direcção de Ania, ficando quase em cima dela.
- Estás mais maduro, Marcos. Estás a crescer e, acredita, que é um privilégio passar dias, horas, minutos e todos os segundos do teu lado ao longo destes três anos. Nunca irei conseguir amar ninguém como te amo a ti…mas sei que vou amar o nosso filho de outra maneira…não sei se estou preparada, sabes? Tenho medo do que possa acontecer nesta gravidez, tenho medo de tudo o que possa acontecer daqui para a frente – Ania era o mais sincera que conseguia ser com Marcos. Precisava de desabafar aquilo com ele…era algo que estava preso dentro dela – mas sentir-te assim, confiante na mudança e no nosso presente, acabou por diminuir um bocadinho desse medo. Prometes que…aconteça o que acontecer com a gravidez, se alguma coisa mudar no que sintas por mim, tu me dizes?
- Tu tens medo que eu te deixe, caso não consigamos ter este bebé?
- Acho que sim…
- Não tenhas. Vou fazer-te minha mulher para o resto das nossas vidas. Eu não consigo imaginar a minha vida sem ti…não depois de tudo o que já vivemos e de todos os planos que temos para o futuro.
- Somos tão lamechas…
- E tarados quando queremos – Ania riu-se, acabando por ver, no rosto de Marcos, aquela expressão de quem estava disposto a ser mais atrevido. As mãos de Marcos acabaram por confirmar aquela suspeita - E queres agora…essa cara nunca me enganou…mas oh Marquitos…
- Oh não. Vai dar-me uma tampa.
- Acho que vou, boneco. Estou cansada, mesmo muito cansada.
- Então é melhor mesmo dares-me uma tampa. Tens de descansar – os dois acabaram por trocar um longo e apaixonado beijo, acabando por ficarem nos braços um do outro, enquanto viam televisão.
- Oh meu Deus, eu estou tão atrasada! – Ania olhava para as horas que o relógio da sala de Valentina marcava. Já deveria estar à porta do centro de treino do Sporting, para ir buscar Marcos.
- Estás atrasada? Para que? – Valentina estava a estranhar, raramente via Ania andar de um lado para o outro, ou até mesmo chegar atrasada a algum lado.
- Tenho de ir buscar o Marcos. Vamos ao médico.
- Ah…tens consulta por causa dos tratamentos.
- Não! – Ania olhou para Valentina, reparando que ela a olhava desconfiada. Não, não lhe vais dizer…não podes dizê-lo. – Quer dizer, é mais ou menos. É só rotina…hoje não há tratamento.
- Então é melhor ires…o treino deve estar mesmo a acabar – Ania acabou por ficar aliviada…Valentina parecia não ter desconfiado de nada…por um lado sentia que estava a enganar a amiga, a sua grande amiga. Mas, por outro lado…quanto menos pessoas soubessem, se não desse certo seriam menos pessoas a sofrer com aquela perda.
Ania despediu-se de Valentina e do pequeno Diego e foi até ao seu carro. A sorte era que morava perto e em quinze minutos já estava a dar entrada na academia. Ao longe, viu Marcos à porta a olhar para o relógio. Parou o carro perto dele, saiu do mesmo, dirigindo-se ao namorado dando-lhe um beijo apressado mas carregado de amor.
- Estive à conversa com a Valentina. O Diego estava por perto. Perdi a noção das horas. Desculpa – Ania respirou fundo, tentando controlar a respiração ofegante que tinha – Agora levas tu o carro, sim?
- Acalma-te primeiro, sim?
- Estou calma…foi da pressa. Temos de ir.
- Sim, vamos lá – Marcos deu-lhe um beijo na testa e os dois entraram no carro – vais dizer ao médico que te andas a sentir mais cansada, não vais?
- Vou Marcos…eu não posso esconder nada destes pormenores.
- Mesmo que não dissesses, eu dizia.
- Então pronto…não podemos mesmo esconder nada. Marcos…e se houver algum problema? – Ania sentia-se demasiado ansiosa e nervosa com aquela ecografia e com os resultados das análises. O cansaço que sentia nos últimos dois dias era fora do normal, já que ela quase não fazia nada.
- Não vamos já pensar negativo…o que for iremos saber dentro de pouco tempo. Mas não penses que é algo mau… - Marcos tentava ser positivo para Ania mas, no seu íntimo, também ele estava com medo de que algo estivesse errado, que aquela consulta acabasse por se revelar um pesadelo para ambos. Agarrou na mão de Ania, beijando-a.
Em cerca de quarenta minutos já estavam na clínica onde o médico os ia receber. Estavam em cima da hora e acabaram por ir logo à recepção. A senhora, simpática e atenciosa, disse-lhes para irem para o consultório do médico, já que ele já os esperava. Foi Marcos quem bateu a porta e a abriu, depois de o médico lhes dar licença para entrarem.
- Vejam só se não são os meus pacientes preferidos… - o Dr. Castro era sempre muito atencioso com eles. Já os conhecia desde que Ania tinha saído do hospital e a relação entre os três era muito aberta e de confiança.
Depois de cumprimentarem o médico, Ania e Marcos sentaram-se nas duas cadeiras que estavam em frente da secretária.
- Vamos lá, então, começar com as perguntas: como é que foi esta semana que passou?
- Eu tenho andado muito cansada nestes últimos dias…e quase não faço nada. Tenho ficado só por casa e o Marcos sabe que tenho feito algum repouso.
- Sim, é verdade, doutor.
- Bom…isso é capaz de ser normal. Mas ainda bem que falaram disso. Vamos já fazer as análises para termos os resultados depois de ecografia, sim?
- Claro.
- Então…vou chamar a enfermeira para te acompanhar – o médico agarrou no telefone, iniciando a chamada. Em pouco tempo a enfermeira já estava no gabinete do médico e foi, com Ania, até ao gabinete das análises.
Enquanto isso, o Dr. Castro ficou com Marcos no gabinete:
- Tens notado algo diferente, para além deste cansaço dos últimos dias?
- Acho que as mudanças de humor são normais, certo?
- Sim…isso é normal que aconteça.
- Mas, mais do que isso não. Está tudo normal…
- Eu não vos disse nada a semana passada, mas havia uma pequena mancha a formar-se dentro da placenta – uma mancha…? Uma mancha não deverá ser bom…
- Porque é que não nos disse nada…isso não pode ser perigoso?
- Calma…os exames que a Ania fez, depois dessa ecografia, foram muito claros. A mancha não revela qualquer problema para a Ania, nem para o bebé.
- Então…o que é essa mancha?
- É o que vamos confirmar hoje…eu não vos quis assustar na altura. Entendes?
- Sim…
- Preferi analisar bem os exames que ela fez, ver em detalhe cada um e agora falar convosco. Daí ter adiantado a consulta.
- Mas está tudo bem?
- Sim. Está tudo bem, mas vamos esperar por ela – Marcos sentiu um certo alivio…mas não conseguia relaxar por completo. Ania voltou ao consultório, minutos depois. Já tinha feito as análises e iriam esperar pelos resultados das mesmas – vamos já fazer a ecografia para depois falarmos um bocadinho – o médico não deixou Ania sentar-se, já que se levantou antes que ela o pudesse fazer. Foram para outro espaço daquele gabinete, onde se realizavam as ecografias.
Ania deitou-se na maca, Marcos sentou-se ao lado dela e o médico do outro lado a ligar a máquina.
- Doutor…as análises de hoje foram diferentes.
- Sim, eu sei Ania. Precisamos de analisar tudo. Não só o teu sangue e a questão hormonal, mas também outros aspectos.
- Sabe…estou a ficar assustada. Está tudo bem?
- Enquanto estiveste a fazer as análises, eu estive a falar com o Marcos…há uma mancha que se está a formar ao lado do embrião. Dentro da placenta.
- Eu sabia que algo estava mal…eu sabia – Ania sentia o seu coração parado, era como se a estivessem a matar naquele momento. Sentiu as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto e Marcos a limpá-las.
- Vamos começar a ecografia e eu já digo o resto, mas vamos ter calma, sim mamã? Está tudo bem…te garanto – Ania não sabia mais o que pensar…uma mancha não seria um bom sinal…mas se o médico lhe estava a dizer que estava tudo bem…é porque deveria mesmo estar. Ania acabou por levantar a camisola e sentir o gel frio que o médico lhe pôs na barriga. Quando o médico começou a passar com o aparelho sobre a barriga, Ania sentiu que estava tudo a acontecer naquele instante, que era real.
As imagens começaram a aparecer e, enquanto que o médico as olhava com o seu olhar clínico, Ania e Marcos olhavam para o pequeno ecrã com amor. Era o filho de ambos que estava ali, era a segunda vez que o viam mas era a primeira que o viam com o amor de pais que lhe tinham para dar.
Marcos olhou para Ania, percebendo que ela tinha parado de chorar e que tinha um sorriso estampado no rosto.
- Então vamos às explicações – o médico deixou o aparelho na barriga de Ania num sítio específico, começando a apontar para o ecrã – isto é a placenta e é na placenta que se desenvolve o feto – para Ania, aquela conversa não estava a fazer sentido…eles sabiam que era na placenta que se desenvolvia o feto – isto é o feto, de sete semanas. E, aqui do lado, temos a tal mancha que eu referi à pouco – o médico apontou para essa tal mancha – isto é um feto de sete semanas, menos desenvolvido – o médico olhou para Ania e Marcos, que o olhavam um pouco assustados – gémeos, monozigóticos a crescerem os dois juntos. Isto requer mais cuidados, mais atenção a toda a gravidez porque é muito mais frágil. Com os tratamentos que fizeste, estes casos acabam por ser normais de acontecer. São imensas as mulheres que engravidam, depois de fazerem os tratamentos, e são gémeos. Mas, esse cansaço que sentes, poderá ser preocupante, daí ter pedido para fazeres novas análises e mais detalhadas. Através da ecografia, os dois estão bem. Um está mais desenvolvido que o outro, mas estão bem. Vocês querem ouvir os corações dos fetos?
- É possível?
- Claro que é – em poucos minutos foi possível ouvirem aquele som estrondoso para os ouvidos de Ania e Marcos.
Era um som diferente daquele a que estavam habituados quando ouviam o coração um do outro. Eram dois corações a baterem em simultâneo, dois corações dos seus dois bebés. Não haviam palavras que descrevessem aquele momento que os dois viviam…por muito medo que tivessem…eram felizes.
- Tens a certeza que não queres vir cá para casa? – Perguntava Valentina ao telemóvel. Era dia do clássico no Porto e Ania estaria em casa sozinha.
- Sim. Eu estou aqui bem no quentinho, estou cansada. Não leves a mal…
- Claro que não, doida. Mas, se precisares de algo, sou tua vizinha da frente.
- Sim, eu sei. Obrigada – Ania desligou a chamada, deitando-se no sofá. Estava cansada, muito cansada mesmo. E a sentir uma picadas estranhas na barriga. O medo invadia-a, mas optou por relaxar deitando-se.
Viu o jogo sozinha, reclamando com o árbitro e os jogadores. Foi um jogo emocionante de se ver, várias oportunidades para ambos os lados, alguns erros de arbitragem e outros da própria equipa.
Queria esperar por Marcos, mas sabia que ele só chegaria por volta das cinco da manhã. Foi deitar-se, sentindo um enorme desconforto. Aquelas picadas na barriga não desapareciam e cada vez mais a assustavam. Decidiu, por impulso, ligar ao seu médico.
- Ania? Estás bem?
- Doutor, desculpe estar a ligar a estas horas…mas é que eu estou sozinha e está a acontecer qualquer coisa.
- O que é que está a acontecer?
- Estou com uma espécie de picadas na barriga…
- Ania, preciso que vás ter comigo ao hospital. Precisamos de ver se está tudo bem. Diz-me uma coisa: perdeste sangue?
- Não…são mesmo só as picadas – sim, temos razões para começar a entrar em pânico.
- Encontramo-nos no hospital dentro de quarenta minutos, pode ser?
- Sim, claro. Obrigada, Dr. Castro.
- De nada. E tenta manter-te calma.
- Vou tentar – Ania desligou a chamada, saindo da cama.
Iria precisar de alguém para a levar ao hospital. Não iria pedir a Valentina. Para além de ela não saber, a estas horas o pequeno Diego já estaria a dormir e iria incomodar ao telefonar para ela.
Só tinha uma hipótese: telefonar a André. Não a atendeu a primeira, só na segunda tentativa é que o fez.
- Cunhada emprestada…para estares a ligar duas vezes é porque é grave. Que se passa?
- Desculpa, André. Não queria incomodar…mas preciso de ir para o hospital, não estou em condições de conduzir…
- Estou aí em dez minutos.
- Obrigada – André desligou a chamada e Ania vestiu outras calças e um casaco. Foi até à sala, colocou todos os seus documentos na mala e foi surpreendida pelo som da campainha. Com algumas dificuldades foi abrir a porta. Era André.
- O que é que se passa?
- Não sei…mas tenho medo que os gémeos estejam em perigo…
- Gémeos...isso eu ainda não sabia.
- Nós soubemos à três dias…
- Vamos ter calma, sim. Vá, tens tudo?
- Tenho.
- Anda lá – André colocou a sua mão nas costas de Ania e os dois saíram de casa – tens as chaves?
- Não…estão em cima da mesa na sala…
- Eu vou lá – André entrou em casa de Ania e Marcos, foi buscar as chaves, voltando ao exterior. Fechou a porta e levou Ania até ao carro.
Abriu-lhe a porta do banco de trás e ajudou-a a entrar. Enquanto André dava a volta ao carro…Ania teve tempo suficiente para estranhar a presença feminina naquele carro. André não tinha namorada…pelo menos nunca o tinha assumido à frente deles. E…já se conheciam à algum tempo.
André entrou no carro, ligou-o e começou a conduzir.
- Sou capaz de ter estragado a noite…peço desculpa – Ania acabou por falar, já que André não dizia nada. Estava intrigada com tudo aquilo.
- És capaz de ter estragado sim…mas os meus sobrinhos precisam de ajuda. É a Iara, estamos a conhecer-nos mas pode dizer-se que somos namorados. Iara, é a Ania, noiva do Marcos. Aquele que eu te falei que ia ser pai.
- Sim, sim…olá Ania.
- Olá Iara…e desculpa. Já percebi que se deviam estar a conhecer.
- Mesmo a caminho do hospital estás aí com pensamentos sujos. Que vergonha, Ania! – Ania franziu o sobrolho, olhando para André através do espelho retrovisor – Não confirmo, nem desminto. Os meus sobrinhos não precisam de saber essas coisas.
- Podes ter calma e sentar-te aqui, se faz favor? – Marcos olhou para Ania vendo algo que não esperava. Ela sorria, estava verdadeiramente feliz e ele não conseguia entender o porquê.
Marcos acedeu ao pedido de Ania, sentando-se ao fundo da cama em frente dela.
- Estás calmo?
- Não.
- E podes ficar?
- Posso…mas fala. Diz qualquer coisa…para além de um não. Explica-me porque é que não queres casar comigo…
- Eu achei isto… - Ania esticou-se até à mesa-de-cabeceira, retirando de lá uma caixa. Marcos reconheceu-a. Era a caixa que continha o anel que pretendia oferecer a Ania para oficializar o noivado – E eu quero este anel que está cá dentro – Ania abriu a pequena caixa e Marcos não viu o que esperava. Não estava lá o anel, o anel que ele tinha comprado a pensar na sua Ania.
- O anel…?
- Está…aqui – por dentro da camisola do pijama, Ania retira o fio que tinha lá dentro. Pendurado nele, estava o anel – encontrei-o à uma semana por aí, coloquei-o aqui e tu não deste conta. Eu sinto-me já casada contigo…eu jurei que iria ficar contigo para sempre. Eu sei que queres ser romântico, sei que queres o meu sim…mas eu já te dei esse sim. Dei o sim quando me pediste em namoro, dei o sim quando fui viver para Moscovo, dei o sim quando vim para Portugal e dei o sim quando disse que queria ser a mãe dos teus filhos – Ania aproximou-se de Marcos, retirou o fio do pescoço retirando o anel do mesmo. Pegou na mão de Marcos, depositando o anel no centro da mesma – eu só disse que não para te assustar – Ania riu-se sozinha, reparando que Marcos não alterava a sua expressão misteriosa. Não conseguia decifrar o que ia na cabeça dele – já vi que não teve piada…mas sim, eu quero, e muito, casar contigo.
- Olha só não me chateio contigo porque até sou teu noivo! – Desta vez foi Marcos que se riu sozinho, já que não deu tempo a Ania que o fizesse. Beijou-a, completamente apaixonado.
Os dois perderam a noção do tempo, aproveitando apenas para namorarem. Era um momento de felicidade aquele que viviam, era um momento deles e só deles. Não se preocuparam com o amanhã. O presente era o que mais lhes interessava.
- Ei oh André, tu mata-te! – Ania estava com André Carrillo na bancada do estádio José Alvalade. O campeonato tinha recomeçado, estavam já a meio do mês de Janeiro. Ania estava com Carrillo, já que ele estava castigado e, como não tinha namorada, ficou com a “cunhada emprestada” como ele próprio dizia.
- Vais negar? Esta gente não está a brincar, ainda te matam o namorado.
- É noivo para tua informação…
- Já deram, finalmente, esse passo?
- Já. Sim obrigada, estamos muito felizes. Mas escusas de estar aí a dizer que vais furar os pneus aos da equipa contrária.
- Sim, exagerei…mas vá, tu curtes de mim.
- Não. Estás muito e completamente enganado!
- A serio? – Carrillo olhou-a surpreendido – Tu não gostas de mim?
- Só gosto do meu noivo.
- Oh cunhada emprestada…eu não me estava a referir a isso.
- Eu sei…se gostasses de mim de outra maneira…o Marcos era capaz de se passar.
Ania riu-se, olhando para o cronómetro que marcava os minutos em que ia o jogo. Faltavam dois minutos para o intervalo e, no seu íntimo, estava cansada de ali estar.
- Tu hoje não estás muito animada…
- Coisas de grávida.
- Coisas de que!? – Ania tinha-se esquecido completamente que a sua gravidez era, ainda, segredo. Carrillo quase que tinha gritado com ela, chegando-se para a frente na cadeira.
- Oh meu Deus…já meti a pata na poça…
- Tu estás grávida? E porque é que o puto não me contou nada?
- André…era segredo. Porque é tudo muito recente e é tudo muito…perigoso.
- Estás com uma gravidez de risco? O bebé está bem?
- Oh meu Deus…parecias o meu pai agora…
- Responde!
- Sim…é gravidez de risco, mas o bebé está bem. Só temos é de ter calma e esperar que cheguem as 14 semanas para que se estabilize tudo.
- Parabéns! Eu vou ser tio! – Carrillo encostou-se na cadeira e os dois olharam o relvado. Era canto…e foi golo de Marcos.
Tanto um como o outro celebraram aquele golo e Ania ganhou alguma vontade de ver a segunda parte do jogo. Teria de esperar 15 minutos para que isso acontecesse mas tinha sido bom contar a alguém que estava grávida. Nem Valentina sabia…e o facto de ter sido Carrillo o primeiro a saber, até faz com que seja tudo mais especial.
- Então tu para a semana não vais para o Porto.
- Não. O castigo é de dois jogos.
- Não sabias fazer uma falta menos escandalosa?
- Também tu? O teu Marcos já me disse a mesma coisa…
- Vês? Só queremos o bem da equipa…
- Pronto, sim, mas não precisam de bater mais no ceguinho – Ania riu-se, ajeitando-se na cadeira. Aqueles quinze minutos dos intervalos, eram os que custavam mais a passar num jogo.
A época não estava a correr da melhor forma ao Sporting. Estavam em quinto lugar e somaram mais uma derrota com aquele jogo. Todos percebiam que os adeptos queriam e precisavam de mais, a equipa ainda tentava mas, no fim dos jogos, acabava por se perder e, algumas vezes, deixava que o adversário ou empatasse, ou acabasse por vencer o jogo.
Ania começava a ficar preocupada. Marcos, fazia o seu papel dentro de campo mas, quando perdiam ou empatavam, ele acabava por se tornar uma pessoa mais distante. Passava o resto do dia de mau humor e, nas manhãs seguintes a cada jogo, não queria falar com ninguém. Ia para o jardim de casa, dava uns toques na bola, corria e só assim voltava a ser o Marcos animado e bem-disposto.
Estava na garagem à espera dele, juntamente com André.
- O Marcos deve vir todo mal disposto…
- Ainda bem que vais jantar lá a casa…
- Ele fica mal disposto por muito tempo? É que no balneário entendesse…mas em casa, não sei, podia ser diferente.
- Não. O Marcos só volta a estar bem-disposto amanhã ou assim.
- Ai coitada de ti…com um noivo assim, eu mandava-o passear – Ania olhou para André com um certo desdém…não queria acreditar que André tivesse dito aquilo – eu estou a brincar…fogo, tu levas tudo a sério, não dá para brincar?
- Com esses assuntos não, não dá.
- Pronto, peço desculpa oh Ania quase Rojo e mãe do meu sobrinho.
- Era tão engraçado que fosse sobrinha.
- Não agoires…eu preciso de um companheiro novo e tem de treinar comigo. Não pode ser defesa como o pai, mas sim atacante aqui como o tio.
- Oh meu Deus…isto está tão bonito, mas vamos com calma que ainda pode acontecer muita coisa.
- Não tenhas medo, cunhada emprestada. O puto é forte – André passou com um dos seus braços por cima dos ombros de Ania, dando-lhe um pequeno beijo na testa. Ania sentia, de uma forma estranha, que André era um irmão de Marcos. Pelo menos faziam tudo para que parecesse.
- Fazes o favor de largar a minha namorada? – a voz triste, chateada e baixa de Marcos fez-se ouvir. Tanto Ania como André perceberam que ele estava em baixo. André afastou-se de Ania, olhando para Marcos.
- Não tenhas medo que eu não te roubo a mãe dos teus filhos – Marcos olhou para Ania, tentando perceber se ela teria contado algo a André.
- Acabei por me descair enquanto estávamos a ver o jogo…mas é ele. Não faz mal, pois não?
- Não…claro que não.
- Parabéns, puto – André acabou por o abraçar e Marcos sorriu. Ania viu aquele sorriso, viu, em Marcos, a felicidade que em outros dias não existia.
Depois de deixarem o estádio, foram até casa onde, os três, tiveram um jantar tranquilo e, até, animado.
- Não ficaste chateado por ter contado ao André, pois não? – Perguntou Ania, ao deitar-se.
- Não…claro que não. Eu dou-me bem com ele, e tu também. Mas tens de ter cuidado…não podemos espalhar muito a notícia.
- Sim, eu sei disso. Marcos…tu hoje estás diferente.
- Estou? – Marcos deitou-se, também, agarrando no comando da televisão.
- Sim…não estás tão chateado e aborrecido como das outras derrotas…
- Há coisas que nos fazem mudar a maneira como vemos as coisas… - Marcos olhou para Ania, percebendo que ela não estava a entender o que ele dizia – as derrotas…os empates e as vitórias fazem parte de um percurso profissional…mas, neste momento, eu consigo perceber que o percurso pessoal não pode sofrer com o meu estado de espírito. Nem tu, nem o nosso bebé têm culpa de jogos menos conseguidos…eu tenho de ser o vosso Marcos. E não aquele que está em campo. Há que saber distinguir os dois lados – Ania sorria. Percebia que Marcos estava a querer dizer-lhe que esta a tentar mudar…por ela e pelo filho de ambos – é claro que me sinto frustrado por não estarmos a conseguir dar aos adeptos alegrias…mas aqui, nesta casa, eu sou feliz com vocês. E é só isso que me importa agora.
Ania rodeou o pescoço de Marcos com os seus braços, puxando-o para junto dela. Marcos acabou por inclinar o seu tronco na direcção de Ania, ficando quase em cima dela.
- Estás mais maduro, Marcos. Estás a crescer e, acredita, que é um privilégio passar dias, horas, minutos e todos os segundos do teu lado ao longo destes três anos. Nunca irei conseguir amar ninguém como te amo a ti…mas sei que vou amar o nosso filho de outra maneira…não sei se estou preparada, sabes? Tenho medo do que possa acontecer nesta gravidez, tenho medo de tudo o que possa acontecer daqui para a frente – Ania era o mais sincera que conseguia ser com Marcos. Precisava de desabafar aquilo com ele…era algo que estava preso dentro dela – mas sentir-te assim, confiante na mudança e no nosso presente, acabou por diminuir um bocadinho desse medo. Prometes que…aconteça o que acontecer com a gravidez, se alguma coisa mudar no que sintas por mim, tu me dizes?
- Tu tens medo que eu te deixe, caso não consigamos ter este bebé?
- Acho que sim…
- Não tenhas. Vou fazer-te minha mulher para o resto das nossas vidas. Eu não consigo imaginar a minha vida sem ti…não depois de tudo o que já vivemos e de todos os planos que temos para o futuro.
- Somos tão lamechas…
- E tarados quando queremos – Ania riu-se, acabando por ver, no rosto de Marcos, aquela expressão de quem estava disposto a ser mais atrevido. As mãos de Marcos acabaram por confirmar aquela suspeita - E queres agora…essa cara nunca me enganou…mas oh Marquitos…
- Oh não. Vai dar-me uma tampa.
- Acho que vou, boneco. Estou cansada, mesmo muito cansada.
- Então é melhor mesmo dares-me uma tampa. Tens de descansar – os dois acabaram por trocar um longo e apaixonado beijo, acabando por ficarem nos braços um do outro, enquanto viam televisão.
- Oh meu Deus, eu estou tão atrasada! – Ania olhava para as horas que o relógio da sala de Valentina marcava. Já deveria estar à porta do centro de treino do Sporting, para ir buscar Marcos.
- Estás atrasada? Para que? – Valentina estava a estranhar, raramente via Ania andar de um lado para o outro, ou até mesmo chegar atrasada a algum lado.
- Tenho de ir buscar o Marcos. Vamos ao médico.
- Ah…tens consulta por causa dos tratamentos.
- Não! – Ania olhou para Valentina, reparando que ela a olhava desconfiada. Não, não lhe vais dizer…não podes dizê-lo. – Quer dizer, é mais ou menos. É só rotina…hoje não há tratamento.
- Então é melhor ires…o treino deve estar mesmo a acabar – Ania acabou por ficar aliviada…Valentina parecia não ter desconfiado de nada…por um lado sentia que estava a enganar a amiga, a sua grande amiga. Mas, por outro lado…quanto menos pessoas soubessem, se não desse certo seriam menos pessoas a sofrer com aquela perda.
Ania despediu-se de Valentina e do pequeno Diego e foi até ao seu carro. A sorte era que morava perto e em quinze minutos já estava a dar entrada na academia. Ao longe, viu Marcos à porta a olhar para o relógio. Parou o carro perto dele, saiu do mesmo, dirigindo-se ao namorado dando-lhe um beijo apressado mas carregado de amor.
- Estive à conversa com a Valentina. O Diego estava por perto. Perdi a noção das horas. Desculpa – Ania respirou fundo, tentando controlar a respiração ofegante que tinha – Agora levas tu o carro, sim?
- Acalma-te primeiro, sim?
- Estou calma…foi da pressa. Temos de ir.
- Sim, vamos lá – Marcos deu-lhe um beijo na testa e os dois entraram no carro – vais dizer ao médico que te andas a sentir mais cansada, não vais?
- Vou Marcos…eu não posso esconder nada destes pormenores.
- Mesmo que não dissesses, eu dizia.
- Então pronto…não podemos mesmo esconder nada. Marcos…e se houver algum problema? – Ania sentia-se demasiado ansiosa e nervosa com aquela ecografia e com os resultados das análises. O cansaço que sentia nos últimos dois dias era fora do normal, já que ela quase não fazia nada.
- Não vamos já pensar negativo…o que for iremos saber dentro de pouco tempo. Mas não penses que é algo mau… - Marcos tentava ser positivo para Ania mas, no seu íntimo, também ele estava com medo de que algo estivesse errado, que aquela consulta acabasse por se revelar um pesadelo para ambos. Agarrou na mão de Ania, beijando-a.
Em cerca de quarenta minutos já estavam na clínica onde o médico os ia receber. Estavam em cima da hora e acabaram por ir logo à recepção. A senhora, simpática e atenciosa, disse-lhes para irem para o consultório do médico, já que ele já os esperava. Foi Marcos quem bateu a porta e a abriu, depois de o médico lhes dar licença para entrarem.
- Vejam só se não são os meus pacientes preferidos… - o Dr. Castro era sempre muito atencioso com eles. Já os conhecia desde que Ania tinha saído do hospital e a relação entre os três era muito aberta e de confiança.
Depois de cumprimentarem o médico, Ania e Marcos sentaram-se nas duas cadeiras que estavam em frente da secretária.
- Vamos lá, então, começar com as perguntas: como é que foi esta semana que passou?
- Eu tenho andado muito cansada nestes últimos dias…e quase não faço nada. Tenho ficado só por casa e o Marcos sabe que tenho feito algum repouso.
- Sim, é verdade, doutor.
- Bom…isso é capaz de ser normal. Mas ainda bem que falaram disso. Vamos já fazer as análises para termos os resultados depois de ecografia, sim?
- Claro.
- Então…vou chamar a enfermeira para te acompanhar – o médico agarrou no telefone, iniciando a chamada. Em pouco tempo a enfermeira já estava no gabinete do médico e foi, com Ania, até ao gabinete das análises.
Enquanto isso, o Dr. Castro ficou com Marcos no gabinete:
- Tens notado algo diferente, para além deste cansaço dos últimos dias?
- Acho que as mudanças de humor são normais, certo?
- Sim…isso é normal que aconteça.
- Mas, mais do que isso não. Está tudo normal…
- Eu não vos disse nada a semana passada, mas havia uma pequena mancha a formar-se dentro da placenta – uma mancha…? Uma mancha não deverá ser bom…
- Porque é que não nos disse nada…isso não pode ser perigoso?
- Calma…os exames que a Ania fez, depois dessa ecografia, foram muito claros. A mancha não revela qualquer problema para a Ania, nem para o bebé.
- Então…o que é essa mancha?
- É o que vamos confirmar hoje…eu não vos quis assustar na altura. Entendes?
- Sim…
- Preferi analisar bem os exames que ela fez, ver em detalhe cada um e agora falar convosco. Daí ter adiantado a consulta.
- Mas está tudo bem?
- Sim. Está tudo bem, mas vamos esperar por ela – Marcos sentiu um certo alivio…mas não conseguia relaxar por completo. Ania voltou ao consultório, minutos depois. Já tinha feito as análises e iriam esperar pelos resultados das mesmas – vamos já fazer a ecografia para depois falarmos um bocadinho – o médico não deixou Ania sentar-se, já que se levantou antes que ela o pudesse fazer. Foram para outro espaço daquele gabinete, onde se realizavam as ecografias.
Ania deitou-se na maca, Marcos sentou-se ao lado dela e o médico do outro lado a ligar a máquina.
- Doutor…as análises de hoje foram diferentes.
- Sim, eu sei Ania. Precisamos de analisar tudo. Não só o teu sangue e a questão hormonal, mas também outros aspectos.
- Sabe…estou a ficar assustada. Está tudo bem?
- Enquanto estiveste a fazer as análises, eu estive a falar com o Marcos…há uma mancha que se está a formar ao lado do embrião. Dentro da placenta.
- Eu sabia que algo estava mal…eu sabia – Ania sentia o seu coração parado, era como se a estivessem a matar naquele momento. Sentiu as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto e Marcos a limpá-las.
- Vamos começar a ecografia e eu já digo o resto, mas vamos ter calma, sim mamã? Está tudo bem…te garanto – Ania não sabia mais o que pensar…uma mancha não seria um bom sinal…mas se o médico lhe estava a dizer que estava tudo bem…é porque deveria mesmo estar. Ania acabou por levantar a camisola e sentir o gel frio que o médico lhe pôs na barriga. Quando o médico começou a passar com o aparelho sobre a barriga, Ania sentiu que estava tudo a acontecer naquele instante, que era real.
As imagens começaram a aparecer e, enquanto que o médico as olhava com o seu olhar clínico, Ania e Marcos olhavam para o pequeno ecrã com amor. Era o filho de ambos que estava ali, era a segunda vez que o viam mas era a primeira que o viam com o amor de pais que lhe tinham para dar.
Marcos olhou para Ania, percebendo que ela tinha parado de chorar e que tinha um sorriso estampado no rosto.
- Então vamos às explicações – o médico deixou o aparelho na barriga de Ania num sítio específico, começando a apontar para o ecrã – isto é a placenta e é na placenta que se desenvolve o feto – para Ania, aquela conversa não estava a fazer sentido…eles sabiam que era na placenta que se desenvolvia o feto – isto é o feto, de sete semanas. E, aqui do lado, temos a tal mancha que eu referi à pouco – o médico apontou para essa tal mancha – isto é um feto de sete semanas, menos desenvolvido – o médico olhou para Ania e Marcos, que o olhavam um pouco assustados – gémeos, monozigóticos a crescerem os dois juntos. Isto requer mais cuidados, mais atenção a toda a gravidez porque é muito mais frágil. Com os tratamentos que fizeste, estes casos acabam por ser normais de acontecer. São imensas as mulheres que engravidam, depois de fazerem os tratamentos, e são gémeos. Mas, esse cansaço que sentes, poderá ser preocupante, daí ter pedido para fazeres novas análises e mais detalhadas. Através da ecografia, os dois estão bem. Um está mais desenvolvido que o outro, mas estão bem. Vocês querem ouvir os corações dos fetos?
- É possível?
- Claro que é – em poucos minutos foi possível ouvirem aquele som estrondoso para os ouvidos de Ania e Marcos.
Era um som diferente daquele a que estavam habituados quando ouviam o coração um do outro. Eram dois corações a baterem em simultâneo, dois corações dos seus dois bebés. Não haviam palavras que descrevessem aquele momento que os dois viviam…por muito medo que tivessem…eram felizes.
- Tens a certeza que não queres vir cá para casa? – Perguntava Valentina ao telemóvel. Era dia do clássico no Porto e Ania estaria em casa sozinha.
- Sim. Eu estou aqui bem no quentinho, estou cansada. Não leves a mal…
- Claro que não, doida. Mas, se precisares de algo, sou tua vizinha da frente.
- Sim, eu sei. Obrigada – Ania desligou a chamada, deitando-se no sofá. Estava cansada, muito cansada mesmo. E a sentir uma picadas estranhas na barriga. O medo invadia-a, mas optou por relaxar deitando-se.
Viu o jogo sozinha, reclamando com o árbitro e os jogadores. Foi um jogo emocionante de se ver, várias oportunidades para ambos os lados, alguns erros de arbitragem e outros da própria equipa.
Queria esperar por Marcos, mas sabia que ele só chegaria por volta das cinco da manhã. Foi deitar-se, sentindo um enorme desconforto. Aquelas picadas na barriga não desapareciam e cada vez mais a assustavam. Decidiu, por impulso, ligar ao seu médico.
- Ania? Estás bem?
- Doutor, desculpe estar a ligar a estas horas…mas é que eu estou sozinha e está a acontecer qualquer coisa.
- O que é que está a acontecer?
- Estou com uma espécie de picadas na barriga…
- Ania, preciso que vás ter comigo ao hospital. Precisamos de ver se está tudo bem. Diz-me uma coisa: perdeste sangue?
- Não…são mesmo só as picadas – sim, temos razões para começar a entrar em pânico.
- Encontramo-nos no hospital dentro de quarenta minutos, pode ser?
- Sim, claro. Obrigada, Dr. Castro.
- De nada. E tenta manter-te calma.
- Vou tentar – Ania desligou a chamada, saindo da cama.
Iria precisar de alguém para a levar ao hospital. Não iria pedir a Valentina. Para além de ela não saber, a estas horas o pequeno Diego já estaria a dormir e iria incomodar ao telefonar para ela.
Só tinha uma hipótese: telefonar a André. Não a atendeu a primeira, só na segunda tentativa é que o fez.
- Cunhada emprestada…para estares a ligar duas vezes é porque é grave. Que se passa?
- Desculpa, André. Não queria incomodar…mas preciso de ir para o hospital, não estou em condições de conduzir…
- Estou aí em dez minutos.
- Obrigada – André desligou a chamada e Ania vestiu outras calças e um casaco. Foi até à sala, colocou todos os seus documentos na mala e foi surpreendida pelo som da campainha. Com algumas dificuldades foi abrir a porta. Era André.
- O que é que se passa?
- Não sei…mas tenho medo que os gémeos estejam em perigo…
- Gémeos...isso eu ainda não sabia.
- Nós soubemos à três dias…
- Vamos ter calma, sim. Vá, tens tudo?
- Tenho.
- Anda lá – André colocou a sua mão nas costas de Ania e os dois saíram de casa – tens as chaves?
- Não…estão em cima da mesa na sala…
- Eu vou lá – André entrou em casa de Ania e Marcos, foi buscar as chaves, voltando ao exterior. Fechou a porta e levou Ania até ao carro.
Abriu-lhe a porta do banco de trás e ajudou-a a entrar. Enquanto André dava a volta ao carro…Ania teve tempo suficiente para estranhar a presença feminina naquele carro. André não tinha namorada…pelo menos nunca o tinha assumido à frente deles. E…já se conheciam à algum tempo.
André entrou no carro, ligou-o e começou a conduzir.
- Sou capaz de ter estragado a noite…peço desculpa – Ania acabou por falar, já que André não dizia nada. Estava intrigada com tudo aquilo.
- És capaz de ter estragado sim…mas os meus sobrinhos precisam de ajuda. É a Iara, estamos a conhecer-nos mas pode dizer-se que somos namorados. Iara, é a Ania, noiva do Marcos. Aquele que eu te falei que ia ser pai.
- Sim, sim…olá Ania.
- Olá Iara…e desculpa. Já percebi que se deviam estar a conhecer.
- Mesmo a caminho do hospital estás aí com pensamentos sujos. Que vergonha, Ania! – Ania franziu o sobrolho, olhando para André através do espelho retrovisor – Não confirmo, nem desminto. Os meus sobrinhos não precisam de saber essas coisas.
Por momentos, Ania conseguia esquecer um pouco o medo que tinha. E era tanto. E se…algum dos embriões estivesse em risco? E se…estivessem os dois em perigo? E se…aquelas picadas que sentia na barriga…fossem consequência de um aborto?
Olá meninas!
Chegou ao fim o 34º capitulo...que tal? O que estão a achar de todas estas novidades e reviravoltas na história?
Fico à espera dos vossos comentários.
Muitos beijinhos e obrigada por estarem desse lado.
Ana Patrícia.