sexta-feira, 27 de setembro de 2013

12 - "E sim...são milagres do rapazeco..."

Acordei com a sensação que tinha dormido anos! Parecia que tinha dormido imenso, mas ao abrir os olhos percebi que ainda é de noite. Olhei para o relógio que tenho na secretária e marcava 4h41. Não queria acordar o Marcos, mas queria olhar para ele. Quero saber como é ele quando está a dormir, pode parecer uma obsessão, mas não é. 
Virei-me com cuidado para ele, que não acordou. Estava tranquilo, parecia dormir sem que nada o perturbasse, a cabeça dele estava tranquila, de certeza. Não resisti e passei com o meu dedo na bochecha dele. A sua pela era suave e estava um pouco quente. 
- Não consegues dormir? - ele, do nada, falou. O que me assustou.
- Pensei que estivesses a dormir - o Marcos abriu os olhos e sorriu-me. 
- Senti que te tinhas mexido e acordei.
- Desculpa. Mas volta a dormir ainda é cedo. 
- E tu porque é que acordaste? - ele puxou-me para junto dele, pousando a cabeça dele no meu peito. Assustou-me, por momentos fiquei sem saber o que fazer, o que pensar ou o que dizer. Respirei...acho que me tinha esquecido de o fazer. Expulsei algum ar pela boca e comecei a fazer festinhas na cabeça do Marcos.
- Eu acordei...porque pensei que já fosse de manhã. 
- Mas não é, podes voltar a dormir. 
- Sim...e tu também. 
Ficámos os dois bem agarradinhos e acabei por adormecer, de novo. 

No dia seguinte: 
Acordei com o barulho de qualquer coisa a cair. Assim que abri os olhos vi o Marcos a pegar no pote das canetas e a olhar para mim. 
- Desculpa... - ele ajoelhou-se ao lado da cama, pegando na minha mão - dormiste bem?
- Sim...
- Eu vou indo, tenho treino daqui a uma hora e meia, ainda vou tomar um duche e trocar de roupa.
- Oh...claro. Eu levo-te lá abaixo - ia a levantar-me, mas ele não deixou. 
- Eu sei ir e fujo do teu pai. Achas que ele já está acordado?
- Se estiver deve andar ou no quarto ou na cozinha, tem cuidado Marcos. 
- Fica descansada Cinderela. 
- Depois dizes qualquer coisa? 
- Claro que sim. Mas eu agora tenho mesmo, mesmo de ir. Assim que acabar o treino ligo-te. 
- Vai lá. E treina como deve ser e vê lá se o meu pai diz, ele que não misture o que acontece cá em casa com os treinos. 
- Ele nunca o fez, fica descansada minha princesa - ele beijou-me a testa, levantando-se - ainda podes dormir mais um bocadinho. 
- Acho que não consigo. Vou fazer qualquer coisa. 
- Tu é que sabes...mas vais ficar bem, não vais?
- Sim...com falta de ti, mas devo ficar - ele voltou a dar-me um beijo na testa e preparou-se para sair do quarto - ei! - antes que ele saísse, levantei-me indo ter com ele. 
- Hã?
- Anda cá... - puxei-o, de novo, pelo fio dando-lhe um beijo nos lábios. Aqueles lábios que eu quero beijar a todo o instante e não sei como o fazer.
O Marcos ficou um bocadinho, talvez, sem saber o que fazer. Levei as mãos dele para a minha cintura e deixei as minhas passearem pelas suas costas durante os largos minutos que ficámos a beijar-nos - agora sim: tem um bom treino - disse interrompendo o beijo. 
- E tu tem uma óptima manhã - ele deu-me mais um beijo e saiu do quarto. 
Fui até à janela do meu quarto que dava para ver a parte da frente da casa. Assim via se ele saia ou não. Pouco tempo depois já ele estava fora do portão e eu muito mais descansada por ele não ter encontrado o meu pai. 
Nisto, batem à porta.
- Ania? - era a minha mãe. 
- Entra - ela entrou, já estava toda arranjadinha.
- Bom dia, filha - caminhei na direcção dela, dando-lhe dois beijinhos. 
- Buenos dias, madre. 
- Vi o Marcos. 
- Viste? 
- Sim, ele estava já ao pé da porta. Ainda falei um bocadinho com ele, mas já foi embora. 
- Eu vi...de que é que estiveram a falar?
- Nada de especial...só se tinham dormido bem.
- Mãe, sabes bem que não aconteceu nada! Não faças filmes desses! 
- Ania, eu sei filha. Mas como as tuas primeiras noites foram complicadas...
- Mas agora é diferente, mami. O Marcos faz-me bem e com ele é diferente.
- Tu gostas muito dele, não gostas?
- Mami...ele é o rapaz dos meus sonhos. 
- Oh filhota - ela puxou-me para ela, abraçando-a. Apesar de ser mais alta que a minha mãe sabia bem os abraços dela - se ele te faz feliz eu estou a teu lado. E o teu pai mais cedo ou mais tarde vai ver que o que vocês sentem um pelo outro é a serio. 
- Eu espero que sim - olhei a minha mãe, que me sorria - tanto a parte do pai como a parte de ser sério. 
- Vocês são os dois especiais. Eu vejo isso. 
- Somos normais mãe...
- Não são não. És a minha menina e eu vejo que estás mais mulher ao lado dele. Com o que te aconteceu nunca pensei ver-te um dia assim. 
- Nem eu mãe...
- Olha, o Martín e o Francisco querem vir cá, mas querem saber se tu não te importas que eles venham. 
- O Lucas não vem?
- Eu falei com o Martín e ele só falou nele e no Francisco. 
- Hum...mas sim, claro que quero que eles venham. 
- Então vou avisá-los. Vai tomar o teu duche e vestir-te. Depois desce para o pequeno-almoço. 
- Sim. 
Sendo que só vem o Alonzo e o Francisco e devem vir as minhas cunhadas, sempre é melhor do que vir o Lucas atrás...não estou para levar com ele, não depois da "conversa" de ontem. 
Fui tomar um duche e vestir-me, já estava na hora e queria ir tomar o pequeno-almoço com o meu pai a ver se ele dizia alguma coisa. 


Desci as escadas até chegar ao hall de entrada. Fui até à cozinha onde já estavam os meus pais. 
- Bom dia - disse ao entrar e fui ter com o meu pai dando-lhe dois beijinhos.
- Bom dia, filha. Dormiste bem?
- Sim...
- Ainda bem. A tua mãe toma o pequeno-almoço contigo, mas eu tenho de ir para o treino do Estudiantes. 
- Claro pai. Bom treino - ele levantou-se, vindo ter comigo e deu-me um beijo na testa. Foi até à minha mãe e também a beijou. 
- Tenham um bom dia - ele saiu da cozinha e eu fiquei com a minha mãe.
- Os teus irmãos devem estar a chegar também. 
- A Gloria e a Romina vêm? - eram as minhas cunhadas. A Romina é namorada do Martín há cinco anos e a Gloria está com o Francisco há seis e já são casados há dois. 
O Lucas também é casado, com a Martina...mas as coisas ultimamente não andam bem entre eles. 
- Não, vêm só os teus irmãos. Elas estão a trabalhar mas também querem estar contigo. 
- Está bem.
Tomei o pequeno-almoço com a minha mãe e ainda arrumámos a cozinha antes que os meus irmãos chegassem. É com o Martin que me dou melhor. É o mais novo dos rapazes, é super diferente de mim, mas somos melhores amigos mais do que irmãos. 
O Martín é tudo ao contrário de mim: é sempre o primeiro a fazer conversa, tem certezas quanto ao que quer fazer, vive a vida sem pensar no amanhã e é muito mais respondão que eu. Está a fazer uma pós-graduação em desporto. Ele quer trabalhar no meio, só não sabe como. 
O Francisco é mais ponderado, mas sabe divertir-se. Já trabalha numa empresa como informático e tem a vida dele estabilizada.
O Lucas...parece ser filho de pais diferentes. É o mais mal disposto de todos, não tem uma única saída mais divertida e ultimamente quando fala comigo é só a mandar vir. 
Quando o Martín e o Francisco chegaram eu estava na sala e quem foi abrir a porta foi a mãe. Assim que eles chegaram à sala...senti-me um bocado diferente. Eu sei que quero agir, só não sei como. 
- Piolha! - falou o Francisco que já vinha na minha direcção. Eu levantei-me, indo ter com ele. Abracei-o. Estava a fazer falta, por acaso... - oh piolha...é tão bom ver-te assim! 
- Isso já devem ser milagres lá do rapazeco de ontem - comentou o Martín, chegando perto de nós, afastando o Francisco - deves pensar que a irmã é só tua - disse ele e abraçámo-nos também. 
- Desculpem ontem não ter conseguido fazer nada...
- Nada disso - o Martín olhou-me, dando-me um beijinho no nariz - o que é mais importante é o que tu vais recuperando. 
- E sim...são milagres do rapazeco... - acabei por admitir. Sabia que com eles era fácil de falar. 
- E o pai? - perguntou o Francisco, sabendo o quanto o nosso pai não queria que eu me envolvesse com um rapaz. 
- Não está a aceitar lá muito bem...mas eu não posso fazer nada. Por enquanto fica tudo às escondidas e fora de casa, porque ele não o quer cá em casa.
- A sério? - o Martín ficou um pouco espantado. 
Acabámos por nos sentar e ficar grande parte da manhã a conversar. Ora sobre o Marcos, ora sobre a vida deles. 
- Bem...eu tenho uma coisa para vos contar, mas eu queria que o pai cá estivesse também...e o Lucas - disse o Francisco. 
- Que é que se passa, mano? - perguntou o Martín. 
- Vai chamar a mãe à cozinha, se faz favor. 
- Ok.
O Martín foi a correr à cozinha e voltou de lá com a nossa mãe. 
- Que se passa? - inquiriu a minha mãe, meio aflita.
- Tenho de vos contar uma coisa. É sobre a Gloria. 
- O que é que se passa? - tanto suspense, tanto suspense e nunca mais fala. 
Ele e a Gloria têm andado com uns problemas de fertilidade. São o casal mais empenhado em ter filhos que conheço, mas não via qualquer tipo de brilho na cara do Francisco que denunciasse que iria ser pai...fiquei com medo que afinal ela tivesse um problema mais grave.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

11 - Cinderela

Ania: 

Ter falado com o meu pai sobre o que realmente se passava, tinha sido um alívio. Por um lado agora sei que ele está a par de tudo entre mim e o Marcos, mas não o aceita, como esperava. Não o compreendo, será que ele alguma vez pensou nos pais da minha mãe quando eles namoravam? Ele também é jogador e esteve no estrangeiro com ela. Os meus avós sempre aceitaram a relação deles, porque é que o meu pai não aceita aquilo que eu e o Marcos temos?
Não temos uma relação, nem nada que se pareça. Queremos estar um com o outro, queremos estar juntos e chorar no ombro um do outro. Somos complicados, mas sentimo-nos bem um ao pé do outro.
Depois de o meu pai sair da sala, fiquei apenas com a minha mãe e o Marcos. Comecei a pensar no que seria à hora de jantar...eu, o meu pai e a minha mãe...mas eu queria o Marcos comigo...mas se o metesse na mesa com o meu pai ele expulsava-o de casa. 
- Queria pedir-vos uma coisa aos dois se não fosse abusar. Eu vou abusar, é melhor não dizer nada.
- Fala Ania - na realidade...eu tinha medo de pedir o que quer que fosse, mas eu precisava mesmo. 
- O Marcos pode cá ficar esta noite? - tanto a minha mãe como ele ficaram surpresos com a minha pergunta. 
- Ania...o teu pai não deixa. 
- Mãe...o pai não precisa de saber.
- Queres que eu minta?
- É só omitir...é omitir que o Marcos está cá em casa. 
- Ania...eu não quero arranjar confusão com o teu pai - disse o Marcos, agarrando-me na mão. 
- Ninguém vai arranjar confusão. Ficavas cá, no sotão e só precisavamos de dizer ao meu pai que eu preciso de descansar - a minha mãe estava confusa, mas eu sabia que ela no fundo queria que eu estivesse bem - eu não sei se irei conseguir adormecer...sem o Marcos. 
- Vocês que decidam. Por mim tudo bem mas Ania, se o teu pai descobre tens de assumir as tuas responsabilidades. 
- Obrigada mami! - levantei-me, indo ter com ela e dei-lhe um abraço - e o pai não vai descobrir nada. 
- Estou para ver isso. Vou fazer o jantar. 
- Depois podes levar dose dupla ao sótão  - pedinchei.
- Vou tentar! Vou tentar! - a minha mãe saiu da sala e eu permaneci no mesmo sofá, em frente do Marcos.
- Ficas? - na verdade...ele ainda não me tinha dito que ficava.
- Achas que precisas de perguntar?
- Podias ter de ir ter com a tua família...
- Vou só estacionar o carro fora daqui.
- Não me tinha lembrado disso.
- Eu volto já - o Marcos levantou-se e saiu...e, de imediato, o meu coração disparou. O cheiro dele desaparecia e o outro voltava a dominar...as imagens tornavam-se mais intensas. Era tudo tão estranho. Como é que...ele era capaz de me mudar, de me tornar uma outra pessoa?
O Marcos mudou-me, mudou-me na maneira de pensar, na maneira de falar, na maneira de ser, na forma como o meu corpo reage a ele, reage de uma maneira que eu nunca achei possível reagir a um rapaz. Muito menos em tão pouco tempo. Dói pensar em ficar sem ele, custa saber que ele não é meu para eu me sentir assim, mas sabe tão bem. 
Fiquei à janela enquanto o via sair do portão. 
- Não deverias ir descansar? - ouvi a voz do meu pai atrás de mim. Não queria dirigir-lhe a palavra, mas também não queria ser acusada de falta de respeito. 
- Já vou - virei-me para o meu pai, que me olhava com alguma preocupação - porque é que lhe custa tanto aceitar as coisas como elas são?
- Ania...eu aceito-as como elas são. Só não compreendo o porque de elas me acontecem sempre a mim. Tudo o que eu não queria era que te apaixonasses por um jogador. Sabes bem disso. E custa-me aceitar que agora estejas com ele. 
- Mas é isso que me faz feliz, pai.
- E eu vejo isso, mas tens de me compreender também. És a minha única filha. És a minha princesinha - o meu pai estava já próximo de mim, mexendo-me no cabelo - tens de entender que será sempre difícil aceitar que estejas a crescer.
- Mas posso contar com o seu apoio?
- Daqui a uns tempos...veremos isso. Vocês que vejam se isso é mesmo sério e se for...falem de novo comigo. 
- Papi...é sério, como eu nunca pensei. 
- Ania, vocês são novos...as coisas mudam muito rapidamente. 
- Mas comigo não. Eu sinto, sinto que o Marcos vai ser meu namorado em breve, vai ser o pai dos seus netos no futuro e ainda me vai levar ao altar para me casar com ele. 
- Não estarás iludida?
- Não, não estou pai.
- Vai descansar. Vou ajudar a tua mãe com o jantar. Depois ela leva-te o comer. 
- Obrigada - ele deu-me um beijo na testa e foi até à cozinha. 
Será que ele precisava de perceber que eu continuarei a ser a princesa dele, mesmo podendo ir para uma relação? Era esse o problema do meu pai...ele defende-me demasiado, protege-me demasiado, mas eu preciso que ele o deixe de fazer, que deixe que eu seja mais livre. E preciso que ele se aperceba disso o mais depressa possível.
Voltei a olhar pela janela. O portão estava fechado, o que significava que o Marcos já tinha entrado. Fui até à porta, vendo se ninguém estava ali. Estava apenas eu, abri a porta e do outro lado estava o Marcos. 
- Vá, vamos lá para cima, antes que o meu pai apareça outra vez - fechei a porta e caminhei atrás do Marcos até ao meu quarto. Sentia a adrenalina de uma adolescente a fugir do pai para estar com a pessoa que mais precisa neste momento. 
Estava um silêncio estranho naquele quarto. Um estranho bom. Apenas nos olhávamos, não seria preciso dizer nada naquele momento. Bastava ele estar ali, a olhar para mim, para cuidar de mim. 
- É bom que tenhas coisas para nos entretermos, ainda falta muito tempo até à hora de dormir, tens noção? - disse ele, sentando-se na cadeira da secretária. 
- Tenho...Marcos, se calhar eu abusei, não? 
- Nada disso. Anda cá - ele fez-me sinal para que me sentasse na perna dele. 
- Olha que eu sou pesada Marcos.
- Sim, deves pesar 100 quilos, ou mais. Anda lá, tontinha - fui junto dele e sentei-me na sua perna, colocando o meu braço direito em torno do seu pescoço - eish Ania, que peso! - disse ele, gozando comigo.
- Acho que vamos partir a cadeira Marcos.
- É...eu também. Não sejas tonta - ele encostou a cabeça de no meu ombro voltando a ficar aquele silêncio. 
- Marcos...achas que nós podemos ter um futuro?
- Tenho a certeza que o vamos ter.
- Mesmo que não seja como namorados? Seremos sempre amigos?
- Seremos sempre grandes e melhores amigos. 
- Tenho medo Marcos. 
- Anda sentar-te ali na cama, é coisa para ser falada olhos nos olhos. 
- Diz antes: Ania levanta-te que já não aguento com o teu peso - antes que me pudesse levantar, o Marcos pegou-me ao colo...uma pessoa pensa que estes momentos só existem nos contos de fadas, mas na realidade também existem. Sempre pensei que nenhum rapaz me iria pegar ao colo como via as princesas da Disney - isto é só para me mostrares que tens força de braços?
- Não...é só porque estava a ficar com a perna dormente - rimo-nos os dois e o Marcos pousou-se em cima da minha cama, sentando-se a meu lado - de que é que tens medo? 
- Daquilo que o meu pai fala. De que estejamos iludidos por uma coisa que não é mais do que uma simples atracção...
- Eu não sinto que isto seja uma simples atracção
- Eu também não...mas Marcos, tu hoje podes estar aqui e amanha no outro lado do mundo. 
- Sim...tecnicamente posso. O mercado só fecha dia 31 deste mês. Mas não há propostas concretas e neste momento eu vou ficar no Estudiantes. 
- Vês...mas quem te garante que não surge amanha uma proposta que te faz ir embora? 
- É disso que tens medo?
- Tenho...tenho porque quero contar contigo todos os dias, quero ser tua amiga para sempre, quero estar a teu lado mas o teu futuro é incerto.
- Mas se somos os dois a querer a mesma coisa porque não tentar? Quem não tenta pode estar a perder oportunidades de ser feliz. Nós, se tentarmos, podemos ser felizes, podemos estar juntos mesmo que eu tenha de ir jogar para o outro lado do mundo. És a minha Cinderela, serás a minha princesa, para todo o sempre, coisa boa. 
- Queria...falar do que sinto...mas sabes que não sou como tu.
- Mas podes sempre tentar.
- É...ficar vermelha que nem um tomate, gaguejar imenso e depois chorar? Acho que não é um espectáculo digno de ser visto. 
- Eu gostava...irias ficar perfeita de qualquer maneira.
- Marcos... - nisto batem à porta - quem é? - perguntei de imediato. 
- Sou eu Ania, abre - era a minha mãe. Levantei-me, indo abrir-lhe a porta. 
Ela entrou com um tabuleiro cheio de comer. Dois pratos do seu belo rolo de carne assado, sumo, salada e ainda as sobremesas. 
- Gracias, mami. 
- De nada, guapa. Eu agora vou jantar e depois venho cá buscar o tabuleiro. Bom apetite meninos. 
- Gracias! - dissemos os dois ao mesmo tempo. A minha mãe saiu do quarto e eu tranquei a porta. Seria assim, antes que o meu pai entrasse disparado pelo meu quarto. 

********
- Marcos, és um batoteiro! - estávamos a jogar Uno à algum tempo, mas o Marcos consegue fazer batota em todos os jogos. Nesta última, tinha três cartas na mão e jogou duas de uma vez sem puder. 
- Ania...e tu também! Bem vi ainda à bocado meteste um 6 de uma cor diferente em vez de um 9. 
- Mas isso confunde-se. 
- Diz que sim. 
- Sim. 
- Diz o que sentes por mim.
- Marcos... - ele conseguia apanhar-me desprevenida cá de uma maneira. Conseguia chegar a um assunto sem o mínimo esforço. 
- Se não o quiseres fazer eu não te posso forçar a isso. Ainda deves estar um bocado abalada com tudo. 
- Praticamente todas as raparigas em crianças sonham ser princesas. Eu sonhava, sonhei...e continuo a sonhar. Continuo a sentir que um dia um príncipe chegará ao pé de mim e me vai deixar completamente perdida de amores por ele. Sei que isso é uma fantasia, é um sonho...mas estás a realizá-lo - pensava que era mais difícil falar nisto, mas até que nem estava a correr mal...olhava o Marcos nos olhos, o que me metia medo porque ele faz-me ficar toda trocada, mas ao mesmo tempo sem medos - tem sido maravilhoso conhecer-te, é fantástico. Dás-me o que nunca um rapaz deu. Eu confio em ti porque tu me dás confiança, eu sinto-me confiante contigo. Sinto-me uma pessoa diferente, uma pessoa livre. Sinto-me completamente apaixonada, nas nuvens  com vontade de te tocar a todo o instante...e nem com o que aconteceu essa vontade diminuiu. Pelo contrário... - ele olhava-me apenas, nada dizia...se o fizesse eu não conseguia seguir uma linha condutora do meu pensamento - dar-te a conhecer o que aconteceu comigo...não foi fácil, pensei que iria afastar-me de ti e que nunca mais te voltaria a ver. Mas tu não desististe de mim e mesmo contra a minha vontade estiveste a meu lado. Tocaste-me quando eu não queria ser tocada. Amparaste-me quando eu mais precisei de ti. Chamas-me Cinderela e eu sinto-me nas nuvens  É a tua maneira de me tratar e será eternamente tua...sabes mais de mim em quatro dias do que certas pessoas que me conhecem desde sempre. Eu amo-te Marcos, eu sei disso. Eu não te posso dar já tudo o que a nossa ligação merece, mas aos poucos e poucos poderemos ser apenas um. Seremos a conjugação de algo que não tem explicação, a conjugação de dois amores completamente apanhados desprevenidos.
Bem...acho que se estivesse a assistir a este discurso num filme romântico, ia chorar baba e ranho. Pode parecer um discurso feito, mas é completamente sentido. Não sei onde é que o fui buscar...talvez ao coração, simplesmente me saiu. Sinto-me capaz de me esconder, é óbvio que fico envergonhada nestas situações. Nunca falei para um rapaz assim, nunca senti nada por um rapaz assim. 
O Marcos olhava-me, simplesmente tinha os seus olhos postos nos meus desde que tinha começado a falar, mexia a cabeça como que me entendendo, sorria e vi o brilho nos seus olhos. O olhar dele era transparente para mim, como o meu era para ele. 
Parece que nos conhecemos à uma vida, que já convivemos um com o outro há mais do que quatro dias. Mas tem sido tudo tão intenso, tão vivido, tão real...é tudo tão bom. 
- Para quem tem problemas de expressão...
- Há coisas que o amor não controla e pelos vistos está a afectar a minha capacidade de discurso. 
- Nem tu sonhas o quanto isso é bom. O que acabaste de falar é simplesmente o reflexo de tudo o que eu sinto por ti. Eu amo-te, sei que te irei amar eternamente. Somo novos? Somos...tu tens 19 e eu 20 anos, mas a vida é para ser vivida no hoje, não no amanhã. O futuro está a ser criado hoje e se entraste na minha vida por alguma razão foi. 
- Vim chatear-te. Ou pensas que aturar-me é fácil? 
- É super difícil, eu nem sei como é que os teus pais não te rifam.
- Tão engraçadinho que ele está. 
- Posso ir para ao pé de ti?
- Tu estás ao pé de mim, Marcos. 
- Temos um baralho de cartas a separar-nos...acho que é uma distância significativa - eu apenas baixei a cabeça e o Marcos avançou. Colocou o seu dedo no meu queixo, fazendo-me olhar para ele. Em segundos tinha-o em cima de mim, puxava-o pelo colar que ele tinha e beijámo-nos. 


Tinha o Marcos colado a mim, percorria o meu corpo com uma mão, já que a outra fazia força no chão para que ele se manter com alguma mobilidade. Eu queria mais, ele também o queria de certeza...mas neste momento não é a melhor altura para algo entre nós se dar...não é a melhor altura para nos entregarmos. Travei o beijo e o Marcos parou a trajectória que a sua mão fazia. 
- Desculpa...eu não queria ter abusado - disse ele meio atrapalhado. 
- Tu não abusaste...eu também quero, mas não agora. Vamos devagarinho. 
- Sim, claro, tens toda a razão. 
- Que tal...irmos deitar-nos? Estou cansada...e parece que ainda não dormi tudo de tarde. 
- Claro - o Marcos levantou-se, ajudando a levantar-me.
- Posso...arranjar-te alguma coisa dos meus irmãos para vestires...
- Posso ficar de boxers e t-shirt? Eu durmo por cima dos lençóis...
- Vai até à casa de banho...podes tomar um duche se quiseres. Eu visto-me aqui - estava um bocadinho constrangida...haveria razão para isto?
Enquanto o Marcos foi à casa de banho, eu vesti o meu pijama para de seguida me deitar na minha cama, virada para a parede. Ajeitei os lençóis...o Marcos ia mesmo dormir por cima deles e eu por baixo dos mesmos. 
Ouvi a porta da casa de banho abrir-se, para se fechar de novo. Senti o Marcos aproximar-se, senti que ele abriu o cobertor e deitou-se a meu lado. Estar em contacto com a pele dele por baixo dos lençóis...só de pensar dava-me medo, mas da forma como estávamos não. 
Só sentia as pernas do Marcos nas minhas, mas não em contacto pele com pele. Sentia a nossa pele a tocar-se, mas nos braços, era bom, assim era bom. Fazíamos conchinha e ele deixa-me aconchegada nos seus braços. 
Estava tudo silencioso...mas eu não tinha sono...estava cansada, mas não queria dormir já...havia uma letra de uma música que me fazia lembrar dele. É uma música já antiga, mas desde que a associei a ele, parece fazer um sentido que eu desconhecia. Decidi...falar-lhe, através da música. Comecei a dize-la, não a cantava no seu ritmo normal, era mais pausada, de maneira a que se entendesse bem o que queria dizer com toda a letra:

Aconselho-vos a lerem bem a letra e, se quiserem, acompanhar com as vozes

You have my heart (Tu tens o meu coração)
And we'll never be worlds apart (E nós nunca iremos estar em mundos separados)
Maybe in magazines (Talvez nas revistas)
But you'll still be my star (Mas tu continuarás a ser a minha estrela)

Baby 'cause in the dark (Porque na escuridão)
You can't see shiny cars (Tu não consegues ver carros brilhantes)
And that's when you need me there (E quando precisares de mim lá)
With you I'll always share (Contigo partilharei sempre)
Because ... (porque...)

When the sun shines (Quando o sol brilha)
We'll shine together (Nós brilhamos juntos)
Told you I'll be here forever (Disse que estaria aqui para sempre)
Said I'll always be your friend (Disse que serei sempre tua amiga)
Took an oath imma stick it out 'til the end (Então vem e fica até ao fim)
Now that it's raining more than ever (Agora que chove mais do que nunca)
Know that we'll still have each other (Sei que nos teremos um ao outro)
You can stand under my Umbrella (Podes ficar debaixo do meu chapéu de chuva)

Depois de terminar o refrão, o Marcos afastou-me o cabelo da orelha:
- Conheces o resto?
- Quem não conhece?
- E se for assim: You're becoming a dream to me (Estás a tornar-te um sonho para mim)
A fairytale fantasy (Uma fantasia de conto de fadas)
Nothing can never compare (Nada que eu possa comparar)
An image to my memory (uma imagem na minha memória)

And girl I'm asking could you be my queen? (Rapariga, estou a perguntar-te: podes tu ser a minha rainha?)
A vision on a magazine (Uma visão numa revista)
That's when I'll be there (isto é, quando eu aí estiver)
It's something we both share (é algo que ambos partilhamos)
Because... (porque...)

When the sun shine (quando o sol brilha)
We'll shine together (nós brilhamos juntos)
You know I'll be here forever (Tu sabes que ficarei aqui para sempre)
Although it's a lot of rain outside (Embora esteja a chover muito lá fora)
Girl it's gettin late and you can stay the night (miúda está a ficar tarde e tu podes ficar esta noite)
But you can dip out anytime whenever (Mas podes sair fora a qualquer hora)
I can call a car I ain't tryna stress ya (eu chamo um carro eu não te quero stressar)
I'm looking for the one with the glass slipper (eu estou à procura da tal com o sapato de cristal)
Baby girl you can be my cinderella (baby girl tu podes ser a minha Cinderela)
You can be my cinderella (Tu podes ser a minha Cinderela)

Era sem dúvida uma letra...nossa. Não haveriam palavras para a descrever, era como nós, indescritível. A música falava por nós, dizia tudo o que nós dissemos um ao outro. Como é que era possível ser assim tão perfeito? 
- Assim não conhecia - admiti. 
- Agora conheces...e é só nossa.
- Como é que as músicas têm essas palavras todas, que se aplicam a nós? - ele deve ter ficado a pensar...como eu fiquei. 
Ficámos algum tempo calados, simplesmente a pensar...pensava eu. A respiração do Marcos mudou, ficou pesada e arrastava-se. Olhei para ele e estava a dormir. Aninhei-me ainda mais nele. 


As perguntas ficam sempre na cabeça. Como é que eu consigo estar assim com ele? Como? E estas perguntas não têm resposta, não têm descrição, porque não a consigo encontrar. Nenhum de nós a consegue encontrar. Apenas...sentimos.